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Sam me aguardava na entrada do museu. A sensação térmica para os meus dedos era de cinquenta graus negativos.
― Está atrasada.
―"Boa noite, Gale, como você está?" Bem, obrigada por perguntar. ― sorri ironicamente.
Ele arqueou uma das sobrancelhas e abriu um sorriso.
Retribui o gesto.
O segui para a entrada dos fundos do museu e após passar pela enorme garagem de "carga e descarga" nos dirigimos a uma pequena e simples sala próxima. Estava muito quente e aconchegante lá. Havia alguns armários e ao lado da mesinha de madeira estava um senhor que relaxava sobre a cadeira ouvindo ao rádio.
― Ei, Javier! – disse Sam quase sussurrando.
― Sam! ― disse o senhor levantando-se animado. ― Por fin! Aquí estão las llaves!
― Obrigado. Te devo mais uma! Gale, este é Javier, é o vigia noturno do museu.
Não sei dizer de onde viera Javier, mas seu sotaque era muito agradável e seus cabelos brancos espetados me faziam lembrar Albert Einsten.
O cumprimentei fingindo estar entendendo a razão de estar ali o que para mim só poderia ser explicada pelas minhas suspeitas de que Sam era filho de Thomas, o coordenador do museu.
― Vai me dizer o que está acontecendo ou esse suspense todo faz parte? ― perguntei a Sam enquanto subíamos inúmeros degraus até não sei dizer onde.
― Achei que gostasse de suspense, afinal, também não me disse que estávamos indo ao Panitball naquele dia.
― Mas você descobriu assim que chegamos e eu ainda não sei o que estamos fazendo aqui.
― Chegamos!
Paramos em frente a uma, ou melhor, duas grandes portas azuis com alavancas. Sam abriu o cadeado que as mantinham enclausuradas com uma das chaves do molho entregue por Javier.
Estávamos no planetário. O interior da sala redonda era semelhante a uma de cinema. No centro, sobre o palanque estavam os equipamentos responsáveis por transformar o teto escuro em uma simulação da galáxia.
Talvez Sam esteja mesmo gostando de mim o que me deixava receosa, pois como dizer a ele minha opinião sobre o amor? Apesar de tudo, não queria magoá-lo ou enxotá-lo com meus ideais físicos. Eu preferiria acreditar na hipótese de que tudo aquilo não passava apenas de uma forma de consolidar a nossa amizade, mas quem estou querendo enganar? Rumores já começavam a circular por Cambridge e não que eu esteja incomodada, mas não quero dar razão e eles.
― Fique a vontade enquanto tento ligar aquilo. – disse Sam indo em direção ao palanque.
Acomodei-me então na cadeira inclinada e após alguns minutos, as primeiras projeções apareceram. Uma voz grossa no fundo narrava à história de como tudo aquilo se originara.
― Eu prefiro sem som, se não se importa. ― disse ele.
E a voz deixou de ser ouvida e ele tinha razão, pois ficava mais fácil se concentrar nas imagens projetadas e de acreditar que aquilo era real. Por outro lado, era difícil aceitar a ideia de estar sozinha com Sam novamente sem pensar que provavelmente o evitaria outra vez.
Ele se juntou a mim e olhava para cima como quem já soubesse de cor e salteado o que aconteceria em seguida.
A simulação começava explicando a teoria do Big Bang me fazendo lembrar o dia em que fomos à casa de Natasha assistir ao documentário de Carl Segan. Minha imaginação poderia ser bem engenhosa, pois a sensação era de estarmos em uma nave no espaço presenciando tudo aquilo.
― Isso faz parte do plano "ir para o mau caminho"? ― perguntei.
― Acha mesmo que se fosse, eu pediria ajuda ao vigia noturno?
― Vocês parecem se conhecer a bastante tempo. ― indaguei.
― É, Javier é um grande amigo.
Após uma curta pausa, ele continuou:
― Sabe, pode parecer estranho, mas quando olhamos para as estrelas, estamos vendo o passado delas. Se a estrela estiver bem longe, bem longe mesmo, ela pode até nem mais existir. Nesse caso, olhar para o passado é uma coisa boa.
Eu sorri de forma discreta com a afirmação, acho que ele percebeu.
― Você não está com cara de quem está gostando. ― afirmou ele agora com um olhar obscuro.
Ajeite-me na cadeira e Sam certamente percebera minha feição preocupada.
― Eu estou adorando, mas é a minha mãe. Ela não está muito bem.
― Achei que estivesse feliz por participar do congresso.
― É complicado. – sorri tentando disfarçar a aflição estampada no meu rosto.
― Vamos lá, Price, temos a noite inteira para isso.
Não quis entendia-lo com meus problemas familiares então continuei olhando para cima, fascinada, a fim de mantê-lo afastado daquilo que me afligia.
― Veja! ― disse Sam apontando. ― Ursa Maior!
― Hum, não tenho muita certeza. Está mais para a constelação de Draco.
― Não sei, não faço a mínima ideia do que estou dizendo.
E nós dois rimos.
Nos minutos que se seguiram, Sam me contava diversas curiosidades a respeito do universo até então desconhecidas por mim.
― Dá para acreditar que cientistas já descobriram açúcar em uma nuvem de gás e poeira no centro da Via Láctea? Uma pena não ser chocolate. ― disse ele, chateado.
A antiga Gale já estaria apaixonada por ele e entender aquela teoria de que até mesmo um sentimento como o amor pode ser esclarecido fez com que eu criasse um tipo de resistência, mas Sam parece tornar as coisas tão mais fáceis que apaixonar-me por ele seria como viver uma novela, porém assim como as novelas, essa atração era fictícia. Ao menos, eu gostaria que não fosse.
― Suponho que já tenha trazido muitas garotas aqui. ― insinuei.
― Lamento desapontá-la, Price, mas você é a primeira garota que vem aqui.
― Acho que agora entendo o que esse lugar significa para você, mas por que me trazer aqui?
Ele pensou um pouco.
― Não sei, talvez porque eu queira que ele tenha um significado para você também.
― Sam, eu não acredito no amor. ― disse sem pensar duas vezes aproveitando o momento "revelação".
Desencoste-me da cadeira neste momento e fiquei sentada enquanto observava a sua expressão.
― Eu sei que parece loucura, ― continuei ― mas o que quero dizer é que alguém foi capaz de provar que o amor é pura física e eu acho que ninguém deveria ter tentado.
Ele estava sério e seus olhos azuis brilhavam tão intensamente quanto às estrelas daquela simulação. Ainda permanecera encostado na cadeira, provavelmente pensando em algum argumento que me fizesse mudar de opinião, algo que eu realmente gostaria que fizesse, mas talvez estivesse segurando uma gargalhada ou ainda tentava assimilar a insanidade da minha ideologia.
― Eu acho que isso não se trata de acreditar ou não. Você só precisa se permitir, Gale.
Abaixei a cabeça e abri um sorriso delicado. Ele retribuiu, mas demonstrando condolência por achar que estava certo porque ah! Como eu queria que estivesse certo!
― Então você já se apaixonou? ― perguntei.
― Eu não diria isso se nunca tivesse.
― Sam, me diga por que estamos aqui.
Ele me encarava e estava pronto para me dizer o que tinha em mente, mesmo que aquilo custasse um arrependimento.
― Você é difícil, Gale, em todos os sentidos. Por isso eu não me atreveria a criar nenhum tipo de expectativa. Eu não quero pressioná-la, só não me venha com aquela desculpa clichê de que "não quer estragar a amizade" porque nunca fomos muito chegados mesmo. Você me odiava e eu te matei no Paintball. – relembrou-me.
― Sam... ― disse tentando não rir.
― Eu não gosto de clichês. ― disse não me dando ouvidos.
― Estou sozinha por um motivo. ― continuei.
― Mas você já se apaixonou. ― disse com um sorriso quase despercebido e convectivo.
― O que quer dizer? ― perguntei curiosa para saber qual seria o argumento que sustentasse aquela afirmação.
― Você me ouviu. Usar a física faz de você uma garota durona. Revelar para si mesma e para os outros que já amou faria com que perdesse toda a sua credibilidade ainda mais sendo tão orgulhosa.
Eu não queria que o meu silêncio concordasse com aquela afirmação. Meu sorriso se foi quase instantaneamente sendo substituído pela presunção. Levantei-me da cadeira e segui em direção à porta.
― Ei, aonde vai?!
Aquela saída dramática do planetário foi inevitável, mas eu precisava de um tempo para refletir tudo e isso não tinha só a ver com a certeira teoria de Sam a meu respeito. Mandy estava indo para Rússia e Jim estava em Londres. Ah, e claro, havia Cambridge.
Sentei-me no degrau da escada por onde subimos. As lágrimas começaram a escorrer, embora eu me segurasse para guardá-las comigo. Importunava-me o jeito como Sam estava convencido por pensar que havia algo entre nós e toda aquela história de que sou a primeira garota a vir aqui me fazia pensar o que isso significava para ele, mas porque pensei que meus argumentos pudessem ter algum fundamento? Afinal, aceitei vir até aqui. Ele estava certo sobre tudo e além de Jim, ninguém nunca havia me afrontado da mesma maneira.
Enquanto aliviava a pressão, observei Javier subindo as escadas. Logo presumi que fazia sua ronda.
― Cómo estás, Gale? ― era estranho o modo como pronunciava meu nome devido ao sotaque.
― Bem. ― respondi limpando rapidamente os olhos.
― Y Sam?
― Está tudo bem com Sam.
― Então por que estás aqui?
― Nos desentendemos um pouco, mas não é nada demais.
― Le importa? ― Ele então se sentou ao meu lado. ― Sabe que no deves mentir para mim, señorita.
― E como vou saber que não vai contar a Sam?
― Porque no voy a decirle a Sam o que él me dijo sobre usted. Tenemos um acuerdo?
Javier me acolhia de uma maneira muito generosa. Era um bom homem.
― É complicado. Eu nunca disse a ele como me sinto e agora, de alguma forma, ele sabe da única coisa que eu não queria que soubesse.
― Es su manera de conocer las personas. Le gusta escuchar lo que los otros tenes a decir.
― Então ele escolheu a garota errada.
― Si me permite decir, creo que usted lo escogió.
― Não escolho ninguém. Tem sido assim desde sempre.
― Mira, conozco a Sam desde que era un niño y puedo garantir que no es lo mismo cuando tu estás por perto. Es una chica especial.
Após uma pausa, Javier achou melhor e conveniente continuar sua ronda pelo museu.
― Es mejor dejarla un poco sola. Fue un placer conocerte, Gale.
Abri um sorriso acanhado ao ouvir mais uma vez o modo como pronunciava meu nome. Javier deveria garantir que nenhum animal ou homem das pedras saísse do museu até o amanhecer. Manter os leões nas jaulas seria mais fácil do que precisar enfrentar Sam agora. Onde estaria o presidente Roosevelt para me dar conselhos? "O que está dizendo, Gale?" Pergunta meu inconsciente. "Nem mesmo os conselhos do papa ou da Rainha Elizabeth você ouviria porque você não ouve ninguém".