Capítulo 4 Corações quebrados

- Eu não acredito que você falou isso para o chefe. - Rodrigo lhe olhou assustado. Seus olhos saltados e a mão sobre a boca denunciavam a intensidade de sua surpresa. Amanda revirou os olhos em pura impaciência, mas logo se pôs a falar.

- Disse mesmo. Falaria de novo. Rodrigo, ele é dono disso aqui e eu sei que a família tem uma parcela no império e tals, mas ele é dono da própria vida. Um homem de quase trinta anos não sabe buscar ter um tempo pra si? Eu não sou obrigada a ficar ouvindo não.

Amanda havia ficado um tanto irritada com a conversa que havia tido com seu chefe. Ela sempre havia lutado por seus direitos, dado duro para conseguir tudo, então ouvir Felipe dizer que gostaria de ser ele mesmo quando ele tinha todas as razões e condições para fazer muito mais lhe deixava extremamente chateada. Mas Rodrigo, que de bobo não tinha nada, logo percebeu quão errado era o pensamento de sua amiga. Por isso muito calmamente ele respirou fundo jogando a vontade de balançar

- Eu acho que é muito injusto você pensar assim. - Amanda o olhou ainda chateada. - Viver em uma família onde se espera muito de você é extremamente cansativo e por mais que você tenha aprendido a lutar por seus direitos, tenha passado por suas dificuldades isso não anula o fato de que ele esteja sofrendo por algo que parece bobo no seu ponto de vista, mas é extremamente importante pra ele.

- Eu fiz errado então? Dar a ele uma folga me torna errada?

- Não é isso meu anjo, mas o senhor Marelli nasceu com o futuro planejado pelos pais e isso pode ser cansativo. Ele viu em você uma oportunidade de desabafar e ao invés de você escutar e talvez dar um conselho, você arrumou a vida dele e lhe deu as costas. Não é errado você ter um posicionamento, mas você precisa ouvir o outro lado, entendeu?

Amanda baixou o olhar e suspirou pesadamente. Aquela irritação não tinha pé nem cabeça, mas ainda sim ela continuava brava.

- Agora me diga, o que está realmente lhe irritando?

Rodrigo a olhava atentamente. Ele sabia exatamente o que estava acontecendo porque estava se sentindo do mesmo jeito, só que pelo Marelli mais novo. Ele sabia como a beleza, o charme e o jeito de Felipe e Eric poderiam mexer com qualquer pessoa que respirasse o mesmo ar que eles. O que não poderia acontecer é uma simples atração se transformar em algo maior. Perder o controle não era opção naquela situação.

- Eu também gostaria de saber. - ela suspirou cansada. a comida que antes parecia tão atrativa já esfriava assim como o estômago da garota que sofria em antecipação, com medo de admitir coisas que nem deveria, mas ela não poderia esconder de Rodrigo. - Eu me sinto atraída por ele e ... eu não quero me sentir assim. Eu lutei muito para chegar aonde estou e ter qualquer distração não é opção.

- Eu entendo perfeitamente, não vou negar que também não sinto atração pelo meu chefe. Seria idiotice não sentir, mas precisamos nos controlar e lembrar que somos meros plebeus sonhando com príncipe encantado.

Amanda concordou e ambos continuaram suas refeições, cada qual com o mesmo receio.

Marina andava apressada em meio a muitas pessoas que também pareciam atrasadas para seus compromissos. A roupa despojada, o tênis de cano médio , o boné em sua cabeça e o par de patins pendurados no ombro contrastam drasticamente com o lugar para o qual ela estava indo.

Depois de correr mais um pouco, ela parou em frente ao prédio espelhado que ficava no centro da cidade, onde em um letreiro podia-se ver "Hina Advocacia". Ela respirou fundo, arrumou a bolsa de novo e ajeitou a mochila em suas costas pronta para adentrar o local, mas antes que pudesse dar o primeiro passo sentiu um impacto em seu corpo que lhe jogou na calçada. Ela sentia seu corpo dolorido por isso ficou imóvel por um tempo, mas logo mãos frias e um tanto suadas lhe tocaram no rosto, tirando o cabelo dali a fim de checar se ela tava bem. Ela podia sentir que a pessoa estava nervosa e só teve certeza quando a voz chorosa começou a lhe chamar.

- Moça... - ele chamou e Marina ainda atordoada se levantou vendo que sua calça estava rasgada na lateral. A raiva tomou conta de si em um instante e logo ela estava afastando a mão do homem de forma bruta.

- Tire as mãos de mim. Você não estava olhando para a frente? Não me viu? - Marina falou prestando atenção pela primeira vez no homem à sua frente.

Ele era alto e forte, sua postura robusta poderia causar medo, mas sua feição assustada só o deixava fofo. Os olhos eram azuis bem claros, o formato quadrado do rosto deixava seu maxilar bem marcado. Seus lábios finos eram vermelhos e chamativos, deixando Marina sem fala por um segundo.

- Me desculpe, moça, eu vinha andando distraído e não vi você. Me perdoe, você está machucada?

Sua fala era rápida e embolada, ele não a olhava, era claro seu nervosismo perante a situação e ele realmente se mostrava arrependido, deixando Marina mais amolecida.

- Tudo bem. Eu também peço desculpa pela grosseria. - sua fala fez com que ele a encarasse pela primeira vez e Marina se sentiu como personagem de um livro de romance. Seu coração bateu rápido, suas pernas ficaram bambas e seu peito se encheu de um sentimento muito desconhecido para si.

Aquela era a primeira vez que ela via ele, mas parecia que o conhecia desde sempre e aquilo a assustou. Não foi muito diferente para ele, que ofegou com a beleza da moça a sua frente e ele finalmente conseguiu entender porque o Pequeno Príncipe gostava tanto de sua rosa a ponto de sair e enfrentar um universo inteiro. A moça em sua frente era única no mundo todo.

- Não precisa se desculpar. - ficaram se olhando por um tempo, até ele desviar os olhos para o relógio e se estapeando por estar tão atrasado. - Eu preciso entrar, estou um pouco atrasado.

Marina arregalou seus olhos e olhou o relógio em seu pulso, conferindo que estava muito atrasada para seu primeiro dia. Sem pensar direito ela sorriu para o homem na calçada e entrou no escritório de advocacia. Olhou ao redor e viu que a recepcionista já estava com o telefone na mão e parecia muito chateada. Logo seu celular começou a tocar, chamando a atenção da moça que lhe olhou com cara de irritação.

- Você está atrasada, sorte sua que o chefe ainda não chegou e... - a mulher parou de falar assim que viu a roupa que Marina vestia. Seu chefe não era alguém que ligava muito pra isso, mas estar bem vestida para atender clientes importantes era o mínimo que os funcionários dali poderiam fazer. - O que é isso que você está vestindo?

Sua fala horrorizada fez Marina se avaliar. Sua blusa do Queen caía bem em seu corpo e por a letra ser coberta de lantejoulas pretas ela achou que seria uma boa escolha. Ela continuou se analisando quando seu olhar caiu para a parte rasgada na lateral de sua calça e ela pareceu entender.

- Ah, um moço muito bonito esbarrou em mim na entrada e acabou rasgando, mas se eu dobrar bem aqui - ela disse enquanto dava duas voltas na bainha da calça cobrindo totalmente a parte rasgada e fazendo a mesma coisa na outra perna para que ficasse tudo igual - a calça fica novinha em folha.

A mulher a olhava estranha e com pouca paciência, mas Marina só deu de ombros e esperou que a outra voltasse a falar.

- Sua roupa não é apropriada, você está em um escritório de advocacia, se vestir desse jeito não é adequado. Nosso chefe vai te chamar atenção e ... - a mulher parou de falar arregalando os olhos para algo atrás de Marina. Ela, muito curiosa, virou dando de cara com o mesmo homem que havia esbarrado em si. Ele tinha um olhar confuso, mas logo pareceu entender tudo.

- Você é Marina? - ele perguntou e a mulher parecia ainda mais surpresa. Marina assentiu e ele estendeu a mão a cumprimentando. - Seja bem vinda, eu sou Lucas Hina, espero que você se sinta bem em meu escritório, isso inclui o seu modo de vestir.

Seu olhar foi para a mulher que nos olhava desconcertada.

- Paloma, essa é nossa nova advogada. Ela foi uma indicação preciosa de um antigo professor e começa no nosso escritório hoje. Mostre a sala dela e explique como funciona tudo.

Ele olhou para Marina novamente e sorriu tímido para depois se encaminhar para sua sala. Marina tinha um sorriso bobo nos lábios, mas logo se voltou para a mulher que agora lhe olhava de outra forma.

- Seja bem vinda doutora. Vou lhe mostrar sua sala.

Marina sorriu e a seguiu.

Amanda chegava em casa com várias sacolas nas mãos. Dali com umas semanas ela precisaria viajar para Argentina a trabalho e lhe faltava roupas e sapatos para tal evento. A casa estava silenciosa, mas não vazia.

Laura estava sentada no sofá enquanto assistia um dos seus dramas. Ela vestia um pijama e os cabelos estavam amarrados em um coque frouxo.

- Cheguei! - ela anunciou ganhando a atenção de Laura que lhe olhou entediada. - Não teve monitoria hoje?

Amanda tirava os sapatos quando perguntou. Ela tirou o blazer e sentou ao lado da amiga que já se encontrava vidrada novamente.

- Hoje foi o último dia. - ela disse baixo, deixando Amanda curiosa com essa atitude.

- Último dia?

Laura deu de ombros, se esquivando do tom carinhoso de Amanda. Amanda continuou olhando para a amiga que mantinha seu olhar grudado na tv.

- Você sabe que pode me contar qualquer coisa, não sabe? - Amanda perguntou e isso pareceu ligar uma torneira dentro de Laura. Amanda viu quando os olhos amendoados aos poucos foram se enchendo de lágrimas até que num rompante seus olhos transbordaram frustração, medo e muita tristeza. Amanda a abraçou forte, não sabendo como reagir já que Laura era alguém que nunca demonstrava fraqueza. Era uma rocha.

Porém Amanda sabia que rochas não eram indestrutíveis, ela sabia que uma hora ou outra as rochas ruíam, quebravam, viravam pó.

Amanda a abraçava sempre mais forte a cada vez que seu choro ficava mais forte, a cada soluço Amanda a embalava como um bebê, até não sobrar mais lágrimas.

O silêncio não era acolhedor, mas ainda sim Amanda o respeitou até que ela dissesse algo.

- Perdi minha monitoria hoje. Perdi porque sou pobre, porque não tenho onde cair morta.

- Como assim Laura? Se acalma e me explica direito.

- Eu estava concorrendo a uma vaga, mas aparentemente a filha de um político precisa da vaga mais do que eu. Agora o que eu faço? Me dediquei pra esse trabalho, as horas de sono perdidas, o meu esforço foi por água abaixo.

Amanda não sabia o que dizer, aquilo era algo injusto. Laura sempre estava muito preocupada com suas pesquisas e sempre dava tudo de si por aquele trabalho. Realmente tudo tinha sido em vão. O choro da amiga era esganiçado, doído e o seu colo era a única coisa que poderia dar. Depois de um tempo, Laura saiu de seu abraço e sentou olhando o nada.

- Você está se sentindo um pouco melhor? - Amanda perguntou meio incerta, mas recebeu um aceno positivo da amiga. - Laura, eu sei como é frustrante ver as coisas que lutamos para conseguir escapar do nosso controle e acabar findando, mas você é jovem, acabou de se formar e eu tenho certeza que muitos laboratórios precisam de uma biomédica, não chore mais...não fique mais abalada por isso, ok? Vamos procurar juntas até encontrar um bom lugar pra você trabalhar e crescer como profissional.

Amanda terminou sua fala otimista e mesmo sabendo que seria difícil, conseguiu a atenção da amiga que respirou fundo e concordou com o que ela havia dito. Ela tentaria muito arrumar um trabalho para a outra, mesmo que ela não tenha tido esse apoio de Laura enquanto estava desempregada. Seu pai sempre dizia que o bem se pagava com o bem e isso ela levava como uma lição de vida.

Depois de um tempo, ela deixou Laura na sala e foi para o quarto preocupada ainda com a situação da amiga. Indo contra sua vontade, não viu alternativa e pegou o celular discando o número que já estava decorado em sua mente, mas que ela jurou nunca ligar depois do trabalho.

Os toques a deixavam com o coração palpitando, mas ela não desistiu do que queria.

- Alô? - A voz rouca de Felipe deixou Amanda nervosa, mas ela não poderia desistir agora.

- Senhor Marelli, boa noite- sua fala saiu baixa e ela respirou fundo a fim de se acalmar. - Sou eu, Amanda.

- Amanda? Oi, está tudo bem?

- Oh, sim, sim. - ela disse rápido, olhando no espelho e vendo o quão envergonhada estava. - Eu gostaria de pedir um favor.

- Claro querida, pode falar.

Então Amanda com sua cara de pau, despejou os problemas de Laura em cima de seu chefe. No final, tudo estava resolvido, mas o orgulho da garota estava no chão e apesar de Laura nunca ter de fato demonstrado sentimentos muito cordiais para si, ela não poderia deixar de ajuda, afinal, mesmo não gostando de seus pais, Laura sempre fazia questão de dizer que ela era a principal fonte de renda da família.

A morena suspirou e se jogou em sua cama, pedindo a Deus coragem para enfrentar seu chefe no dia seguinte.

            
            

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