Capítulo 5 Segredos

Três semanas se passaram desde que Laura anunciou que estava desempregada e naquela tarde, Amanda havia lhe dado uma boa notícia. Finalmente ela havia conseguido uma entrevista em um dos laboratórios parceiros da empresa que ela trabalhava. Por isso as três estavam deitadas em camas improvisadas com edredom enquanto comiam besteiras e assistiam ao filme Gente Grande.

- Eu realmente estou muito feliz e agradecida por você ter me ajudado Mandinha. Obrigado, de verdade.

- Nada disso. Eu fiz por você a mesma coisa que você faria por mim, então relaxe e se concentre para dar seu melhor amanhã. - Amanda disse convicta de que Laura conseguiria a vaga. - Agora, vou dormir, preciso trabalhar amanhã.

Laura recebeu um abraço da amiga, assim como Marina. As duas observaram a amiga sair e se fechar em seu quarto. O silêncio era tranquilo, as duas estavam enroladas em um abraço que deixava o coração de Laura acelerado, sentindo toda a paixão que tinha pela outra. Laura sempre lembrava da primeira vez que havia visto Marina.

O jeito como ela andava em seus patins, com seus cabelos voando e seus olhos concentrados no caminho deixaram Laura nervosa. Quando a ruiva parou em sua frente perguntando sobre a biblioteca da universidade, Laura não conseguiu responder. Os olhos pequenos e azuis da outra cintilavam em pureza, sua voz doce contrastava com as roupas escuras e desleixadas.

E com o tempo e a aproximação, Laura começou a entender que esses sentimentos além de bonitos, eram perigosos. A mágoa em ver a amiga com outros caras, sempre afirmando que queria diversão e nunca um relacionamento, crescia e se enraizou de forma muito íntima dentro de si, trazendo um outro lado seu que há muito tempo estava adormecido, mas ali naquele abraço qualquer coisa era esquecida e o cheiro de frutas que Marina tinha deixava ela ainda mais mole em seus braços.

- Você vai se sair muito bem amanhã, ok? - ela disse enquanto deixava mais um beijinho na testa de Laura. Aquilo deixou a outra sorrindo preguiçosamente, esquentando seu coração.

- Se você está dizendo é porque é verdade. Como está sua adaptação no novo emprego?

- Está tudo bem. As pessoas são receptivas, mas sempre estranham meu jeito de vestir.

Marina se soltou buscando mais um pouco de pipoca e enchendo a boca.

- Se quiser que eu te ajude a se vestir melhor, eu...

- Não, eu nunca mudaria meu estilo pra agradar ninguém. Meu chefe também não reclama, na verdade ele sempre elogia as escolhas que faço- ela diz com um ar sonhador, coisa que Laura nunca havia presenciado. - Ele é lindo, educado e gosta de animes como eu. Sempre almoçamos juntos e essa aproximação me assusta muito.

Laura sentiu seu coração vacilar, era como se ele estivesse rachando aos pouquinhos e aquela sensação era dolorosa demais.

- Você está interessada nele?- Laura perguntou encarando Marina, que por um momento ficou sem palavras. Ela então suspirou antes de responder.

- Não... ele é interessante, mas eu não quero me envolver com alguém do trabalho, principalmente meu chefe.

- Mas eu perguntei se você está interessada nele. - Laura viu o olhar de Marina vacilar e ela encarar a tv. O silêncio era incômodo e passou a deixar Laura nervosa e angustiada. A loira então se levantou e foi para a cozinha, com Laura lhe seguindo.

- Vai me responder? - ela insistiu.

- Eu não sei Laura, eu não sei. Eu tenho um sentimento de nostalgia quando estou perto dele, eu sinto coisas estranhas e isso me assusta, mas eu realmente não quero envolvimento com ninguém. Eu não nasci para viver presa, em...- sua fala foi morrendo e seu olhar pousou no balcão, onde as fotos de seus pais permaneciam. Ela suspirou de novo, nervosa. - Eu não quero nenhum relacionamento e o Lucas, ele é alguém que busca por isso, mesmo inconscientemente.

Laura acenou como se estivesse entendendo. Ela entendeu que nunca teria chance com Marina, nunca conseguiria a atenção dela, não conseguiria ser namorada dela. Ela enfim entendeu que Marina é como um pássaro livre, mas que ela viveria presa a um sentimento por muito tempo.

Naquela noite Laura chorou porque queria um amor, mas como sempre, ela não conseguiria.

- Você pode arrumar o número 42?

Rodrigo gritou para a atendente que estava com uma pilha de roupas na mão enquanto ele lhe mostrava mais uma calça jeans.

Amanda sorriu quando viu a mulher revirar os olhos e abandonar a pilha para ir ao estoque. Ela e o amigo tinham tirado a tarde de folga para irem ao shopping comprar umas roupas novas para levarem para a viagem que ficava cada vez mais próxima.

- Amiga, você não vai levar nada? - ele perguntou vendo Amanda sentadinha em uma das cadeiras que tinha por ali.

- Não, eu já comprei o necessário.

Rodrigo ia falar, mas foi silenciado quando a vendedora voltou e ele foi ao trocador experimentar.

Depois de quase trinta minutos, eles finalmente saíram dali, andando sem um rumo certo.

- O que você acha de irmos comer alguma coisa? - Amanda perguntou manhosa e Rodrigo pegou em sua mão enquanto concordava freneticamente com a cabeça. Amanda riu da atitude do amigo, que era magro por sabe-se lá qual motivo, já que ele vivia se entupindo de comida.

Quando os dois estavam próximos da praça de alimentação, escutaram uma voz até então desconhecida para Amanda, porém muito familiar ao garoto.

- Rodrigo?

O garoto virou ainda segurando a mão de Amanda, apertando levemente ao constatar que era sua mãe ali.

- Filho, eu não sabia que estaria aqui- ela disse enquanto analisava a situação, mas logo seus olhos pousaram sobre as mãos unidas e então um enorme sorriso se formou em seu rosto. - É a sua namorada?

Sua pergunta pegou os dois de surpresa, mas quando Rodrigo estava prestes a negar, outra pessoa chamou atenção.

- Oi filho, pensei que estivesse trabalhando- um homem que aparentava ter mais de cinquenta anos apareceu no campo de visão de Amanda deixando as coisas mais estranhas.

- Querido, essa é a namorada dele, ela se chama...

- Amanda. - foi a voz de Rodrigo que se sobressaiu ali, fazendo Amanda lhe olhar em confusão.

- Que felicidade. Muito prazer querida, eu sou a mãe desse irresponsável que ainda não a levou em casa. Me chamo Dália e você é linda.

A mulher sustentava um olhar orgulhoso e sonhador, deixando Amanda triste por saber que seu amigo precisava mentir sobre ele mesmo para as pessoas que ele mais ama na vida.

- O prazer é meu, senhora.

Ela disse de forma doce, enquanto ganhava um abraço da matriarca. O pai de Rodrigo olhava tudo com uma felicidade contida, nunca deixando de observar como seu filho segurava a mão da namorada de forma firme e carinhosa.

Depois das apresentações feitas, o clima ficou meio estranho, desconfortável. Os quatro foram até a Praça de alimentação, onde comeram juntos em um silêncio pesado que passava despercebido aos olhos dos pais de Rodrigo.

No fim, eles foram embora quando Rodrigo disse que ele e Amanda ainda passariam em mais algumas lojas antes de irem ao trabalho.

Agora sozinhos, Amanda olhou para Rodrigo esperando que ele falasse algo, mas ele ainda se mantinha de cabeça baixa, pensativo. Ficou ali por alguns minutos e Amanda estava prestes a dizer algo quando ouviu a voz do outro.

- Me desculpe. - a voz de Rodrigo era baixa, arrastada e pesarosa. Era claro que ele não estava feliz com a mentira e mesmo chateada, Amanda abraçou o amigo sentindo-o suspirar lhe apertando um pouco mais.

- Fala comigo Rodrigo, o que foi?

- Eu não consigo falar com eles. Eu sinto tanto medo Amanda, eu os amo tanto e penso na possibilidade de eles não gostarem mais de mim, de me odiarem... eu sinto tanto Amanda.

Rodrigo não chorava, mas pela entoação de sua voz, Amanda sabia que não demoraria para acontecer. Ela tocou seu rosto, afastando o cabelo que caía em cachos bonitos e deixou um beijo em sua testa. Aquele momento não era para brigas ou chateações. Amanda era uma menina que já passou por dores profundas em sua vida, mas nunca soube o que era temer a rejeição de sua família.

Desde sempre ela teve sua família muito unida e amorosa, seus pais sempre lhe apoiaram e lhe deram tudo, mesmo que eles tivessem que trabalhar o dobro pra isso. Então ela não poderia exigir um posicionamento de Rodrigo, ela apenas o apoiaria até que ele estivesse pronto.

- Tudo bem amigo, nós daremos um jeito e quando você estiver pronto eu estarei do seu lado, independente se o resultado for positivo ou negativo. Não chore por favor, você é muito lindo pra ficar chorando por ai.

- Você é uma boba, mas é a melhor amiga que eu poderia ter. - ele sorriu de forma terna e a abraçou de novo. - Obrigado por tudo.

[...]

Finalmente o dia de ir para a Argentina havia chegado e Amanda estava nervosa. O clima entre ela e Felipe havia mudado desde a última vez que conversaram. Ele era todo sorrisos pra ela enquanto que ela não conseguia deixar de se sentir culpada por sua insensibilidade.

E era por isso que ela não conseguia retribuir a simpatia que o chefe tinha por si. Enquanto ele era gentil, sorridente e cheio de galanteios, ela era fria e séria, coisa que divertia demais Rodrigo, pois aparentemente eu estava amolecendo o coração de ferro do chefe.

Outra coisa que ela tentava ignorar era a tempestade de sentimentos que sentia a cada sorriso ou ação dele em relação a ela. Era como se em seu coração tivesse uma escola de samba que se agitava sempre que ele lhe olhava, e isso era uma coisa muito ruim.

Depois de fechar a mala, ela buscou sua bolsa e foi para a sala, onde Marina e Laura estavam tomando café da manhã. Ela se juntou às amigas e enquanto comiam falavam de tudo. Quando ela estava escovando os dentes, ouviu Marina lhe chamar e se assustou quando viu Felipe em sua sala.

Ele sorriu simpático, deixando-a com as pernas bambas, mas sua careta surpresa não passou despercebida por ninguém, por isso ele escondeu o sorriso para enfim falar.

– Bom dia, senhorita Amanda. – sua fala mansa lhe derreteu um pouco e ao olhar rapidamente percebeu Laura calada com os olhos arregalados, enquanto observava o desenrolar da situação.

– Bom dia, senhor Marelli. O que veio fazer aqui?

Sua pergunta o deixou meio desconcertado, mas ele não tardou em respondê-la.

– Vim lhe buscar para irmos ao aeroporto.

– Eu poderia ir de uber senhor, não precisava se preocupar. – Amanda o respondeu sentindo-se cada vez mais constrangida. Laura tinha um sorriso maldoso nos lábios enquanto seus olhos não desgrudavam de Felipe. Amanda podia notar que tinha uma familiaridade na forma que a outra se portava, mas decidiu não dar atenção, mesmo sabendo que a amiga estava prestes a fazer um comentário ácido.

– Não seja ingrata Amada, seu chefinho veio lhe buscar, apenas agradeça. – foi o que ela disse, chamando a atenção de Felipe para si. O mesmo estava com o semblante fechado, desaprovando a fala da garota.

– Acredito que a Amanda pode falar por si só e eu não sou seu amigo ou conhecido para que fale de mim desse jeito.

O clima ficou tenso e eu rolei meu olhar para Marina que parecia decepcionada com a fala de Laura.

– Não está mais aqui quem falou, senhor– Laura levantou as mãos em forma de rendição e se pôs de pé. – Espero que tenham uma boa viagem. Trabalhem bastante.

A garota disse fazendo aspas com os dedos na última frase, instigando segundas intenções à nossa viagem. Felipe fechou as mãos em punho, mas suspirou antes de virar para Amanda e sem paciência nenhuma perguntar:

– Você vem comigo ou não?

Ainda atordoada, Amanda o seguiu despedindo-se de Marina e entrando em um SUV preto que ela nem mesmo teve a chance de admirar. Enquanto Amanda seguia em silêncio e muito envergonhada, Laura observava da janela de seu quarto o carro seguir seu caminho. Em seu coração a raiva e inveja se enraizaram e nem o mais puro amor poderia mudar isso.

            
            

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