Capítulo 7 Whisky

Enquanto seguia para casa, resolvi passar pela avenida na orla da praia, e acabei avistando Marina. Ela estava andando pela calçada, segurando sua inseparável mochila e, de novo, sozinha.

Parei o carro sem que ela me visse e fui andando até ela, devagar. Me aproximei perto o suficiente para conseguir assusta-la e...

"Buh."

Ela deu um pulo e começou um grito que conseguiu abafar com as mãos. Quando ela me viu, começou a me dar tapas no peito e nos braços. Eu já disse que ela é forte?

"Seu filho da mãe! Você me assustou.", esbravejou.

"Que bom. Era essa a intensão."

"Está me perseguindo agora?"

"Eu não, senhora mentirosa."

"Senhora mentirosa?"

"É. Disse para o papai que tinha ido estudar e estava em uma festa, tentando dar lição de moral em gente que tem o dobro do seu tamanho."

"Eu disse que ia estudar na casa de um colega da escola. Não foi mentira, eu estava estudando o tempo todo, e a casa era do idiota Gustavo. E você está me seguindo sim.", se defendeu.

"Não. Eu estou voltando da casa dos meus pais. Você que vive andando sozinha por ai à noite. Devia ter mais medo sabia?"

"Se eu for ter medo cada vez que vejo alguém me seguindo, eu nem saía de casa. Principalmente quando conseguem o que querem."

"Que?"

"Aquela não foi a primeira vez que já quiseram me estuprar, querido professor. E já conseguiram uma vez."

Bom, pelo menos já sei que ela não é virgem, pensei, mas arrependi imediatamente desse pensamento idiota. A menina acabou de dizer que foi estuprada. Sem noção.

"E mesmo assim você não tem medo?", perguntei.

"Como eu disse, se eu for ter medo disso sempre, eu nem saio de casa."

"Não deveria mesmo."

"Ai, menos. Nem meu pai, que é superprotetor, não me proíbe de sair. Não é você que vai. E isso não é da sua conta também."

"Se você contasse realmente onde ia, quem sabe ele não proibia.", ela me mostrou o dedo do meio. "Qual a desculpa de hoje?", ignorei. "Vai estudar na casa da amiga?"

"Não, eu vou estudar sozinha."

"Ótimo, vou com você."

"Ah, mas não vai mesmo!"

"Ia para algum lugar? Não né? Então vamos estudar lá em casa."

"Ficou maluco?"

"Não.", sorri como se não tivesse fazendo nada demais. "Vamos? Só tem a Cida lá, além de mim. É bem silencioso, vai ser melhor."

"Não cara. O que você quer hein?", levar você pra cama e gravar tudo para ganhar três caixas de vodka e te fazer pedir mais do meu pau dentro de você, respondi mentalmente.

"Só quero te ajudar a estudar ué. Sou professor, posso fazer isso melhor que você sozinha.", foi o que falei realmente.

"Não vou estudar física."

"Eu era bom em tudo. Ainda posso te ajudar mais que você sozinha."

"Mas me ama mesmo, não é? Não me deixa em paz. Que inferno!"

"Ok então, mal-agradecida. Se vira aí sozinha."

Eu saí de perto dela e voltei para o meu carro, dei partida e estava saindo da vaga quando ela bateu na janela do meu lado. Abaixei o vidro e encarei ela.

"Que foi?"

"Sabe história do Brasil?"

"Até de trás para frente. Por quê?"

Ela levantou uma folha e percebi ser um trabalho. Renata deu trabalho? Eu tenho que dar um trabalho também?

Ela colocou a folha de lado e me deu um sorriso torto.

"Entra aí, ingrata.", provoquei.

Ela riu e deu a volta, entrando no carro. Fomos o restante do caminho até minha casa calados.

Deixei o carro na rua mesmo, já que já era de noite então eu provavelmente vou ter que levar ela em casa. Subimos até meu andar e quando entramos eu dei de cara com a Bruna sentada no meu sofá.

"Oi amor, eu que... o que essa vagabunda está fazendo aqui?"

"Eu que pergunto, o que você está fazendo aqui?"

"Não vem ao caso agora. Quero saber que essa puta está fazendo aqui com você."

"Se xingar ela mais uma vez, eu te jogo da janela. O nome dela é Marina, e a única puta que estou vendo aqui é você. Sai da minha casa, anda.", falei mais alto.

"Mas eu..."

"Sai!", ordenei.

"Você não consegue ficar sem mim, sei que eu sou a melhor.", é verdade, mas ela não precisa saber.

"Existem muitas outras que transam muito melhor que você. Já cansei de te comer. Sai daqui!", fui escroto para caralho, mas sem paciência para a Bruna hoje.

Ela lançou um olhar mortal pra Marina e saiu.

"Eu acho melhor eu ir embora.", Marina falou.

"Não. Você fica. Desculpa por essa louca. De novo."

"Tudo bem, mas se ela me xingar de novo eu a mando para o inferno."

"Eita. Calma aí baixinha.", brinquei.

"Não me chama de baixinha."

"Ok, Marina.", levantei as mãos em sinal de rendição. "Cida?", esperei alguns segundos e ela apareceu.

"Sim? Ah, oi."

"Serve aí pra ela o que ela quiser. Vou pegar minhas coisas no quarto.", ela assentiu e eu fui no meu quarto pegar meu notebook e alguns livros.

Quem diria que eu estaria estudando por causa de uma aposta, fala sério. Voltei pra sala e ela estava sentada na mesa, com os livros todos abertos e um copo de suco do lado.

"Notebook?"

"Não, uma banana, não está vendo?"

"Aí nossa. Além de idiota e escroto, é grosso."

"E grande."

"Que?"

"Nada.", eu ri. "Sim, um notebook. Quer fazer pesquisa com o que?"

"Normalmente eu uso livros.", riu.

"Vai me dizer que tu não tem um notebook?"

"O meu celular te responde isso."

Ela tirou do bolso um celular simples e muito antigo, daqueles que só dá pra ligar e mandar mensagem.

"Ah. Então notebook, Marina. Marina, notebook."

"Vai abusar?"

"Só se for de você.", falei só pra eu mesmo ouvir.

"O que?"

"Estou só brincando com você.", falei mais alto. "Calma pequena aprendiz."

"Ai, vamos começar logo isso. Antes que eu me arrependa de ter vindo."

"Claro, deixa só eu me aquecer."

Fui até o meu aparador e coloquei um pouco de whisky para mim. Quando levantei meus olhos pra ela, os olhos dela brilhavam.

"Quer?"

"Não. Eu não bebo.", falou, e eu ri.

"Não é o que seus olhos dizem."

"Cara, a gente veio aqui pra estudar e não pra beber."

"Eu sempre fiz muito bem as duas coisas juntas.", debochei.

"Mas eu não bebo. Você não deveria oferecer bebida para os seus alunos."

"Eu não tenho culpa se os olhos deles brilham vendo meu copo de whisky, ué."

"Meus olhos não brilharam."

"Aceita logo isso. Só meia dose. Eu sei que você quer."

"É que eu nunca estive tão perto de uma garrafa de whisky realmente bom."

Coloquei metade do que tinha no meu copo em um outro e levei pra ela. Os olhos brilhantes dela eram o melhor.

Em 23 anos de vida, acho que nunca vi alguém beber whisky com tanta felicidade.

                         

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