Era uma afetação que ela reservava especialmente para mim. Quando falava com qualquer outra pessoa, mantinha uma voz perfeitamente normal. Talvez até um pouco estridente se estivesse irritada com alguma coisa. No entanto, assim que precisava falar comigo, tudo isso desaparecia, e ela agia como se estivesse vivendo dentro do seu próprio filme noir.
Nunca dei bola para isso. Não valia a pena. Era inofensivo e até meio divertido. Brienna trabalhava comigo havia algum tempo e era, sem dúvida, uma ótima assistente. Desde que ela não passasse dos limites, eu não faria alarde por causa da sua ocasional volatilidade ou dos seus flertes malsucedidos.
"Você pode checar meus compromissos de hoje?", perguntei.
"É claro."
Suas longas unhas postiças bateram contra o teclado enquanto ela buscava a agenda do dia. Ela cantarolava com a boca fechada, emitindo um leve zumbido e criando involuntariamente uma música de espera para a ligação. Depois de alguns segundos, recitou a lista de reuniões e teleconferências que eu teria naquele dia. Seria uma tarde bastante cheia, mas havia um tempo livre de manhã. Isso queria dizer que eu tinha a oportunidade de colocar uma série de documentos e e-mails em dia. Sempre que eu terminava uma pilha, havia outra à minha espera. Mas, isso significava que meu negócio estava indo bem, e eu preferia ter um monte de trabalho do que não ter nada para fazer.
"Obrigado, Brienna.", eu disse quando ela terminou.
"De nada, Sr. Campbell. Me avise se precisar de mais alguma coisa. Qualquer coisa.", respondeu ela.
"Pode deixar."
Tirei o dedo do botão de comunicação interna, finalizando a conexão entre os telefones. Ao colocar meus fones de ouvido, aumentei o isolamento da minha bolha de trabalho, bloqueando tudo ao meu redor para me concentrar plenamente. Abri meu computador e acessei minha caixa de entrada. Como esperado, havia dezenas de novos e-mails em cima dos que eu não lera no dia anterior. Com um suspiro, rolei a tela até a mensagem mais antiga e a abri. Digitei rapidamente uma resposta e a enviei, passando para o próximo email. A música que fluía através dos meus fones de ouvido me ajudava a manter o foco, e alcancei um bom ritmo respondendo mensagens.
Ouvir música para trabalhar era uma herança da minha época de escola, quando descobri que eu era mais produtivo quando bloqueava o resto do mundo. O fluxo constante de som mantinha meus pés no chão e me ajudava a focar. O que eu escolhia ouvir variava conforme o dia e o trabalho que precisava ser feito. Em certos dias, eu precisava do som suave e melódico da música clássica, já em outros, preferia canções mais fortes, mais intensas, para impulsionar minha energia.
Nesse dia, optei pelo meio termo, e os fones reproduziam um rock antigo que meu pai costumava ouvir quando eu era mais novo. Em um fluxo veloz, respondi perguntas, rejeitei ofertas diplomaticamente e confirmei o progresso de vários projetos. A lista de e-mails não lidos diminuía, e eu sentia que a manhã estava se mostrando bem-sucedida e produtiva. Foi então que um movimento à minha frente me assustou. Ao olhar para cima, vi meu melhor amigo e consultor, Kent, sentado na extremidade da minha mesa. Culpando a música por tornar a realidade à minha volta confusa, impedindo-me de perceber o que estava acontecendo ao meu redor, tirei os fones de ouvido e os joguei sobre a mesa.
"Meu Deus, Kent.", falei. "Você não bate na porta?"
"Não.", respondeu ele simplesmente. "Para quê? A Brienna me avisaria se alguém estivesse aqui com você. Além disso, não faria diferença bater. Você não teria ouvido de qualquer forma."
"O que você quer?", perguntei, terminando o debate inútil.
Um sorriso se formou no rosto dele, e senti um frio na barriga. Depois de muitos anos convivendo com Kent, aprendi que aquele sorriso nunca significava nada de bom. Significava invariavelmente que ele tinha alguma informação ou fofoca que iria me aborrecer ou tirar do sério e que ele mal podia esperar para compartilhar comigo.
"Adivinhe quem está de volta a Chicago e causando furor na comunidade de games?", perguntou.
Nem precisei refletir. Soube imediatamente de quem ele estava falando, e a vontade de bater com a cabeça contra a mesa foi muito forte. Eu me contive, mas só porque o dia pela frente seria desafiador, e eu não precisava adicionar uma dor de cabeça intensa ao problema. Só aquela novidade já era o suficiente para fazer meus olhos doerem e gerar uma dor chata na base do meu crânio. Não era o que eu queria ouvir logo de manhã. Haviam se passado muitos anos, cinco para ser exato, e eu já tinha esquecido Chloe. O que não esqueci por completo era que um negócio potencialmente lucrativo havia sido arruinado. Toda aquela situação ainda me incomodava, e eu não queria pensar nela.
"Que ótimo para ela, mas isso não tem nada a ver comigo.", eu disse.
"Sério? Essa é sua reação?", perguntou Kent. "Venho aqui contar que a garota que esteve no centro da implosão de uma parte da sua vida profissional ressurgiu, na sua cidade ainda por cima, e você simplesmente age como se não fosse nada?"
"Você estava esperando alguma outra reação?", perguntei. "O que tinha em mente quando entrou aqui?"
Uni as mãos sobre a mesa, da mesma maneira que costumava fazer quando negociava os termos mais difíceis de um acordo, e olhei para ele. Kent deu de ombros.
"Não sei, mas esperava que fizesse mais do que isso. Que me desse uma pista sobre o que realmente aconteceu, talvez? Ou que me contasse a história toda pela primeira vez? Que ficasse irritado por ela aparecer aqui, invadindo seu território?", sugeriu ele.
"Olha, tenho muita coisa para fazer antes das minhas reuniões à tarde e realmente não tenho tempo para toda essa gama de emoções neste momento. A gente fala sobre isso mais tarde. Só me deixe focar no meu trabalho."
Peguei meus fones de ouvido, e o sorriso voltou para o rosto de Kent. Ele piscou um olho para mimenquanto deslizava para fora da mesa e, depois, atravessou o escritório.
"Tudo bem, mas vou cobrar.", respondeu. "A gente se vê à noite."
Eu não fazia ideia do que ele tinha planejado para a noite, mas sua piscadinha dizia tudo. Ele não me deixaria em paz se eu não falasse sobre aquela situação.
À noite, Kent apareceu diante da minha casa com um motorista. Quando o vi no banco de trás, com outra pessoa ao volante, soube exatamente o que eu podia esperar. Meu melhor amigo estava se preparando para o que quer que pudesse acontecer, garantindo, inclusive, que teríamos uma forma segura de nos locomovermos se ficássemos completamente embriagados. Tendo em conta o tema da conversa que nos esperava, era bem provável que isso acontecesse.
Ele não se deu ao trabalho de me dizer para onde estava me levando, e eu detestava a ideia de ser arrastado para um dos bares que ele frequentava. Não estava disposto a lidar com um monte de gente se amontoando ao meu redor, nem com garotas que se jogavam em cima de qualquer cara que as pudesse beneficiar de alguma forma. Era uma visão amarga e limitada, mas era só o que eu conseguia pensar enquanto atravessávamos a cidade. Quando finalmente paramos, tive uma grata surpresa.
O fliperama era exatamente do que eu precisava naquela noite. Estar em um dos meus fliperamas para adultos significava estar no meu próprio habitat, entre pessoas que tinham uma mentalidade semelhante à minha. Ali, eu poderia me concentrar na situação que tinha em mãos. Ainda que fosse desagradável ter que voltar a pensar em Chloe e na forma como nosso potencial acordo terminara, pelo menos, faria isso em um lugar que eu amava.
Kent e eu entramos e fomos recebidos por vários empregados. Quando chegamos ao bar no canto do salão, o bartender já enchera um copo com minha cerveja preferida e estava preparando uma bebida para Kent. Peguei a cerveja e tomei um gole, juntando forças para escancarar meu passado e falar sobre a garota que não só tinha me deixado, como também arruinara um negócio fantástico ao partir. Bastou pensar nisso para que eu virasse o resto da cerveja e soltasse um longo suspiro.
"Esse é o suspiro de um homem que precisa muito desabafar.", disse Kent.
Concordei com a cabeça. "Talvez eu precise mesmo."
"Me deixe alcançar você e, aí, a gente cuida disso." Ele terminou seu drinque e gesticulou para que o bartender nos trouxesse outra rodada. Quando as bebidas estavam à nossa frente, ele fez um aceno de cabeça para mim. "Certo. Manda ver."
"Tudo bem. Você se lembra do que aconteceu cinco anos atrás, não é?", perguntei.
"Claro que sim. Também lembro que a Chloe acabou completamente com as negociações, e você ficou bem chato durante uns... cinco anos depois disso."
Ele sorriu, e dei uma risada curta e amarga.
"Isso resume bem. O que nunca contei é que passei a noite com a Chloe antes do último dia de negociações. Quando saímos da boate naquela noite, ela me convidou para ir ao quarto dela. As coisas simplesmente aconteceram a partir daí."
Torci para que isso bastasse para fazer Kent desistir da conversa, mas não estava muito esperançoso. E tinha razão. Oferecer esse detalhe só aguçou o apetite dele e o fez querer mais.
"Você foi tão ruim assim que ela teve que fugir e sabotar o acordo inteiro?", provocou Kent.
"É cedo demais para essa piada.", eu disse a ele. "Não gosto de pensar no que aconteceu. E, definitivamente, não quero lidar com isso novamente. Nem preciso dizer que não estou feliz por Chloe estar na cidade. Espero que ela termine o que quer que esteja fazendo e vá embora logo."
"Bem, infelizmente, acho que isso não vai acontecer.", disse Kent.
"Como assim?", perguntei.
"A Chloe não está em Chicago só de passagem. Ouvi dizer que ela se mudou para cá."