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inha mãe percebeu que algo estava errado assim que Juniper e eu voltamos. Ainda empolgada com o passeio e o cupcake, minha filha correu alegremente para dentro de casa. Eu tinha certeza de que ela iria para o quarto, para contar à sua coleção de bichinhos de pelúcia tudo o que acontecera naquela manhã. Sua empolgação e felicidade aqueceram meu coração. Eu tinha planejado uma excursão bem mais longa e achava que teríamos a oportunidade de ver muitos pontos interessantes da cidade. O que eu estava enfrentando não era culpa dela. Detestava que minha filha estivesse sofrendo as consequências. Mas ela realmente não parecia chateada. Tinha se divertido muito e, provavelmente, brincaria por mais uma hora antes de cair na cama e tirar uma soneca. Se é que conseguiria chegar até a cama. Não era incomum que eu a encontrasse aninhada entre seus bichos de pelúcia, apertando sua boneca favorita contra o peito e dormindo pacificamente no chão.
Minha mãe esperou até que Juniper estivesse fora do alcance da nossa voz e então me abordou.
"O que foi? O que aconteceu?", perguntou ela.
Ela fizera perguntas muito semelhantes naquela manhã, mas, desta vez, elas tinham fundamento. Por mais que eu tentasse agir naturalmente e continuar parecendo feliz durante o caminho para casa com Juniper, eu sabia que minha expressão, provavelmente, denunciava o que eu sentia. Especialmente, para minha mãe. "Mãe, preciso falar com você sobre uma coisa." "Está tudo bem?", perguntou ela.
"Eu realmente não sei como responder essa pergunta, para ser honesta. Vem se sentar comigo e vou te contar."
Fomos para a sala de estar e nos sentamos no grande sofá bege, minha compra preferida para a casa nova. Era macio e fofo, e, quando você se sentava, era como se estivesse sendo engolida por um ninho. Era o que eu precisava naquele momento. Uma sensação de conforto e segurança. Acomodando-me no canto, peguei uma das almofadas e a segurei no colo.
"Pode falar.", disse minha mãe, depois de longos segundos de silêncio.
"Estou tentando.", respondi. "Só que é difícil encontrar as palavras certas."
"Não tente encontrar as palavras certas.", disse ela. "Só deixe que elas saiam. Mesmo que sejam as palavras erradas, pelo menos, você vai ter me contado."
Concordei com a cabeça. "Antes de começar, preciso que você jure que nunca vai contar nada a ninguém. Vou lidar com isso no meu próprio tempo, mas você não pode contar a ninguém.
Entendido?"
"Claro.", respondeu ela.
Respirei fundo e expirei. "Lembra que viajei para Chicago cinco anos atrás, para tratar das negociações com a empresa do Duncan? Papai tinha acabado de adoecer, e ainda não sabíamos como era grave. Ele me mandou para cá, de modo que eu conduzisse as reuniões, porque queria que o negócio fosse fechado o mais rápido possível."
"Claro que me lembro disso.", respondeu minha mãe. "Seria difícil esquecer algo tão catastrófico. Seu pai tinha tanta certeza de que queria trabalhar com o Duncan e de que as empresas formariam uma ótima aliança. Foi muito difícil para ele descobrir que o acordo não tinha dado certo."
"Eu sei.", falei. "E a culpa foi minha."
"Ah, querida, sei que é assim que você se sente, mas isso não é verdade. E seu pai nunca culpou você. Negociar um acordo é difícil e, às vezes, as coisas não se encaixam como a gente gostaria. Uma pessoa pode mostrar uma personalidade em público, mas acabar se revelando muito diferente quando você interage com ela cara a cara.
Tenho certeza, e sei que seu pai também tinha, que você tomou a decisão certa para nós."
"Não, mãe, você não entende. Admito que a culpa não foi totalmente minha. Foi do Duncan também, mas não pelas razões que você imagina."
"Como assim?", perguntou ela.
"O Duncan é o pai da Juniper."
As palavras simplesmente escaparam da minha boca.
Provavelmente, poderia ter dito a verdade de uma forma mais gentil, ou a introduzido com mais cuidado, mas se eu tivesse demorado ainda mais tempo para contá-la, nunca o teria feito. Precisava ser dessa forma; como minha mãe dissera, mesmo que fosse com as palavras erradas, pelo menos, eu tinha contado a verdade. Ela pestanejou algumas vezes.
"Pai da Juniper?", perguntou ela. "Você disse que engravidou depois de uma aventura de uma noite com um cara que conheceu num bar."
As palavras pareciam ser dolorosas para ela, e uma nova onda de constrangimento me invadiu. Eu não tinha vergonha de Juniper. Não tinha vergonha de ser uma mãe solteira, nem de não ter engravidado em um relacionamento duradouro. Eu acreditava que minha filha havia chegado exatamente quando tinha que chegar, e ela era um presente formidável, tanto para minha mãe como para mim. Os detalhes do seu nascimento não importavam. O que importava era o desconforto e o constrangimento que tinham causado à minha mãe.
"Isso é verdade.", eu disse a ela. "Pelo menos, em parte. Quando vim a Chicago para me encontrar com o Duncan, nós logo sentimos uma conexão. Fingi que não, porque queria ser profissional, mas, um dia antes do que seria nossa última reunião, ele me convidou para sair com toda a sua equipe para comemorar. Achei que era aceitável, pois todo mundo iria, não seríamos só nós dois. Mas muita coisa aconteceu entre nós naquela noite. Bebemos e dançamos juntos, e, quando resolvi ir embora, ninguém mais queria partir, então, ele voltou para o hotel comigo. Depois disso, as coisas simplesmente aconteceram."
"Não acredito que você nunca me contou isso."
"Como eu poderia contar?", perguntei. "Papai me escolheu para conduzir as negociações porque confiava em mim. Ele realmente acreditava que eu era capaz de lidar com aquilo e que faria o que era melhor para a empresa. E acabei tomando uma decisão horrível."
"A decisão horrível que você tomou foi não contar ao Duncan que ele seria pai", disse minha mãe.
Fiquei chocada. Não esperava que ela fosse se posicionar dessa forma.
"O quê?", perguntei incredulamente.
"Chloe, ele merecia saber que ia ter um bebê. Merecia saber que era pai de uma criança. Foi errado esconder isso, e ainda é.", disse ela.
"Entendo que você ache isso, mas fiz a escolha certa. Não foi só um caso de uma noite com um desconhecido aleatório. Não foi um namoro que não deu certo. O Duncan e eu tivemos um caso que tomou proporções desastrosas, e a forma como tudo acabou foi horrível. Eu não consegui entrar em contato com ele depois de descobrir que estava grávida."
"Como assim?", perguntou minha mãe. "Depois que vocês dormiram juntos, ele decidiu não fechar o acordo?"
"Não.", eu disse a ela. "Ele ainda pretendia assinar os papéis. Até que tudo deu errado, e descobri que ele me via como o tipo de garota que costuma trair os outros. Aconteceu tão depressa que nem tive tempo de processar tudo. Em um minuto estávamos na sala de reuniões e nos preparávamos para a chegada de todo mundo, e, no minuto seguinte, ele tinha me encurralado e estava gritando comigo. Ele me acusou de espionagem industrial e de ser infiel. Não me deixou dizer nem uma palavra, só continuou gritando.
Eu não merecia aquilo, então, fui embora."
"E, depois de todo esse tempo, nunca contou a ninguém?", indagou ela.
"Não.", respondi. "Era demais. Fiquei abalada, confusa e devastada. Não queria ter nada a ver com o Duncan ou com a empresa dele. Se ele era capaz de fazer uma coisa daquelas, não era o tipo de pessoa com quem eu achava que deveríamos trabalhar. Logo depois, descobrimos que papai estava doente.
Quando fiquei sabendo que estava grávida, nosso mundo já tinha virado um caos. Eu não podia jogar mais uma bomba no seu colo. Por isso, durante cinco anos, guardei esse segredo. Nunca mais consegui pensar no Duncan sem sentir raiva. Fico furiosa com ele, depois comigo mesma e, então, com ele outra vez. Quando o vi hoje de manhã, tudo desabou sobre mim."
"Você o viu?", perguntou minha mãe.
"Vi. Ele estava na padaria onde Juniper e eu paramos para comer um cupcake."
"Você falou com ele?", questionou ela.
"Ele veio até a mesa. Estava com os pais. Conversamos por alguns segundos, mas foi só isso.", falei.
"E ele viu a Juniper?"
Assenti, engolindo o caroço que subitamente se formou na minha garganta. "Sim. Foi muito mais difícil do que eu esperava. É por isso que nunca pretendi ver o Duncan fora de um escritório. Sei que decepcionei o papai por não garantir aquele acordo. Ele nunca esqueceu isso, e eu fiz uma promessa a ele. Ainda vou cumprir essa promessa. Vim para Chicago com um plano, e ele envolve trabalhar com o Duncan. Esse plano continua de pé, e vou ter que conseguir me controlar para fazer isso. Mas não agora. Ainda não estou pronta para lidar com isso."
"E a Juniper?", perguntou ela. "Quando você vai lidar com isso?"
Balancei a cabeça. "Ele não pode saber, mãe. Foi uma decisão que tomei, logo depois de descobrir que estava grávida, e sabia que era uma decisão definitiva. Foi, por isso, que fiz você prometer que não diria nada a ninguém. Ninguém pode saber."
No dia seguinte, eu ainda sentia um peso sobre mim. Depois da nossa conversa, minha mãe mal me dissera uma palavra. Eu não sabia exatamente o que ela estava sentindo. Raiva não era a emoção que eu esperava, mas acho que faria algum sentido. Também havia a decepção e, provavelmente, alguma confusão. Só sabia que ela discordava fortemente da minha escolha. Mas, naquele momento, eu não podia pensar nisso. Havia muitas outras coisas na minha cabeça.
Como minha próxima reunião, com Bryan O'Dell. Outrora um zero à esquerda na indústria de jogos, O'Dell, agora, era um azarão em que muitos enxergavam o potencial para ser o próximo Duncan. Seu salão de jogos já estava ganhando força, e eu queria entrar no local imediatamente. Depois de anos em segundo plano, ele estava se tornando bem-sucedido, e eu queria fazer parte disso. Ainda pretendia contatar Duncan e trabalhar com ele, mas não iria me limitar a uma só parceria. Colaborar com O'Dell poderia significar grandes conquistas, tal qual a aliança com Duncan. Este não ficaria satisfeito quando descobrisse, mas assim eram os negócios.
Porém, depois de encontrá-lo, meus sentimentos mudaram. Quando marquei a reunião com Bryan, fiquei empolgada, mas, agora que ela se aproximava, desejava nunca ter marcado nada.