Nas mãos de um nobre Pirata
img img Nas mãos de um nobre Pirata img Capítulo 10 PLANOS
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Capítulo 12 O BAILE, parte 2 img
Capítulo 13 MALDITO KARAHAN img
Capítulo 14 REFÉM img
Capítulo 15 UM PEDAÇO DE PAZ img
Capítulo 16 NUNCA SERÁS MINHA img
Capítulo 17 DETERMINADA img
Capítulo 18 TORTURA img
Capítulo 19 VOCÊ É O MEU SONHO img
Capítulo 20 ENTRE O PODER OU O CAOS img
Capítulo 21 RUÍNA img
Capítulo 22 PASSADO img
Capítulo 23 CONSTANTINOPLA img
Capítulo 24 RASTROS img
Capítulo 25 PRISÃO img
Capítulo 26 A PROPOSTA img
Capítulo 27 ALIADOS img
Capítulo 28 ILHA DO LUAR img
Capítulo 29 VERDADE img
Capítulo 30 VIAGEM img
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Capítulo 10 PLANOS

Henry

Após o findar de uma breve e inquietante conversa com o nobre Senhor Wall, meus pensamentos foram tomados pela árdua tarefa que me aguardava. A necessidade de celeridade fazia-se premente, pois, se minha verdadeira identidade viesse a ser revelada, seria meu fim. Jamais escaparia de Marselha; meu destino seria a forca, um infortúnio certo. Contudo, retornar ao Cisne Negro sem a donzela Anne não era alternativa, pois o furor de meu pai seria igualmente mortal.

O cansaço pesava em meus ossos, mas a inquietação superava a exaustão.

Incapaz de permanecer prostrado em minha cama, ergui-me e vaguei pelo corredor comprido, buscando o consolo de uma varanda onde pudesse respirar o ar noturno. Foi nesse intento que cruzei meu caminho com Liam, o mordomo.

- Boa noite, Monsieur Karahan, posso servir-lhe de alguma forma? - perguntou ele com a cortesia típica de um servo bem treinado.

- Boa noite, Liam. Sinto-me entediado e necessitado de ar fresco e distração.

- Há uma varanda na biblioteca, monsieur. O senhor poderá aproveitar e, talvez, encontrar um livro que lhe traga algum alívio. Fica na última porta à direita do corredor - informou com um aceno respeitoso.

- Agradeço, Liam - respondi, dirigindo-me ao local indicado.

Ao adentrar a biblioteca, fui tomado pelo esplendor do recinto. Livros, incontáveis, preenchiam as estantes imponentes que tocavam o teto. Móveis refinados adornavam o espaço, e ao centro destacava-se uma poltrona ao lado de uma mesa pequena.

Escolhi o canto mais escuro e sentei-me, deixando escapar um suspiro pesado.

"Virá amanhã o baile de noivado da senhorita Anne com o Príncipe. Não posso tardar. Ao romper da aurora, partirei para a vila e tecerei os últimos fios de meu plano de fuga com ela," murmurei para mim mesmo, enquanto folheava as páginas do tomo que retirara. Antes de alcançar a segunda página, a porta abriu-se de súbito, e meus olhos encontraram a figura de Anne.

Ela trajava apenas uma camisola e um roupão, e mesmo em sua simplicidade era deslumbrante. No entanto, sua expressão trazia um peso que transpassava sua beleza.

Permaneceu silenciosa, sentou-se na poltrona central e, com lágrimas escorrendo pelo rosto, ergueu uma prece aos céus.

- Ó Altíssimo Senhor dos Céus, Criador de tudo que há e há de ser, a Vós dirijo meu clamor. Guiai os passos desta vossa serva indigna e vigiai-lhe os olhos por onde quer que vá. Purificai este coração, que ora se vê consumido por mágoas e inquietações. Abri-me a visão para aceitar as provações que o destino me impõe, envolta em Vosso amor e graça.

Eu Vos vejo, Rei da Glória, vindo com Vosso poder e majestade, e em Vós deposito minha confiança, pois sei que jamais me desamparareis. Sois ciente dos desejos de meu coração, ainda que eu mesma careça de discernimento para escolhê-los.

Concedei-me, Senhor, a força necessária para enfrentar o enlace que me foi imposto, mesmo que nele não encontre alegria. Ajudai-me a enxergar Vossa vontade em meio às trevas de meu coração e a suportar este fardo com paciência e resignação. Que Vosso amor me sustente e Vosso Espírito me guie para que eu não vacile no cumprimento do que se espera de mim.

E, se for de Vosso agrado, iluminai os corações daqueles ao meu redor, para que compreendam as angústias que trago em silêncio, é tudo que humildemente Lhe peço. Hosana nas alturas! Amém. - sussurrou ela, findando a prece.

Não consegui conter-me:

- Não esperava que a senhorita fosse tão devota.

Assustada, Anne sobressaltou-se.

- Perdão se a assombrei, não conseguia dormir e vim até aqui. - disse, revelando meu rosto diante da luz da lua que adentrava o ambiente.

- Monsenhor Karahan, quase me matastes de susto! - disse ela zangada, puxando um tecido que jazia sobre o sofá para cobrir-se adequadamente. - Deveríeis estar a descansar!

- Chamai-me Henry, por obséquio. Sei que deveria, mas o sono me escapa. - disse com um leve encolher de ombros.

- Pois bem, Henry, sois mui atrevido! Não vos ensinaram que é desonroso espiar os outros?

Sorri ante sua ousadia. Uma dama tão destemida certamente desconhecia quem eu realmente era.

- Cheguei aqui antes de vós, dama Anne. Supus que viríeis apenas buscar um tomo e retornar aos vossos aposentos.

Após trocas de palavras sinceras, Anne confessou sua inquietação:

- Meu desejo era casar-me por amor. Contudo, o Príncipe e eu não nos amamos. Nosso casamento foi arranjado por interesses mundanos.

- Perdão vos peço, querida Anne... quisera eu que os fados houvessem tecido outro destino.

- Não peça perdão, pois tudo é como os céus o ordenaram ser ... - diz ela, esboçando um leve sorriso que parecia carregar tanto serenidade quanto mistério. - ...e agora, se me permiteis, urge-me recolher, pois amanhã terei labores que demandam minha força. Vós também deveríeis buscar o descanso. - pronuncia, enquanto começa a se erguer - boa noite Henry. - mas ainda a detenho com suavidade.

- Boa noite, Anne. - murmuro, minha voz carregada de uma ternura que não consigo disfarçar. Seguro sua mão por um instante mais, como se o mundo inteiro dependesse daquele breve toque. Com a outra, roço os dedos em seu rosto, sentindo a maciez de sua pele aquecer a ponta dos meus dedos. Meu olhar, antes carregado de dúvidas, encontra o dela, que parece compreender mais do que jamais foi dito. Um sorriso se desenha em meus lábios, não de felicidade plena, mas de aceitação e um desejo velado de prolongar aquele momento. Relutante, finalmente a deixo ir, mas meu coração ardia em uma chama que não podia conter.

Ao alvorecer seguinte, fui despertado pelo som firme e cadenciado de suas batidas à minha porta, cada toque ressoando como um prenúncio do dia porvir. Levantei-me e abri a pesada madeira, encontrando-a com olhos esperançosos, um sorriso tímido e uma bela bandeja com o desjejum.

Juntos partilhamos o repasto matutino no quarto onde eu estava acomodado, iluminado por raios suaves de um sol ainda tímido. A bandeja, adornada com frutas frescas, pães quentes e um vinho pálido, tornou-se um oásis de serenidade antes da tormenta iminente.

Após nos despedirmos, deixei o refúgio do grande casarão e segui rumo à vila. O ar carregava o cheiro salgado do mar misturado ao aroma de peixe recém-capturado, e o burburinho da vida portuária se erguia ao meu redor.

Enquanto caminhava pelo porto, meus olhos repousaram sobre um velho pescador que remendava suas redes com mãos calejadas. Seus movimentos eram precisos, como os de alguém que havia repetido aquele ofício incontáveis vezes. O mar rugia suavemente ao fundo, e o cheiro de algas pairava no ar. Aproximando-me com passos firmes, cumprimentei-o com um aceno cordial.

- Bom dia, meu senhor - comecei, escolhendo as palavras com cuidado. - Não pude deixar de notar aquela embarcação ancorada ali, a pequena Brio. Saberia me dizer a quem pertence?

O velho ergueu os olhos para mim, examinando-me com um misto de curiosidade e desconfiança. Seus olhos eram tão azuis quanto o céu acima, marcados por linhas que contavam histórias de mares bravios e anos de trabalho sob o sol.

- Ah, a Brio? - disse ele, sua voz grave como o ronco das ondas. - Pequena, sim, mas robusta. Pertence à Guarda Real, meu senhor. Sempre pronta está para resgates ou para missões de urgência.

Hesitei por um momento, fingindo casualidade.

- Interessante. E diria que ela é frequentemente utilizada?

O pescador soltou uma risada seca, mas não rude, e balançou a cabeça.

- Nem tanto quanto se imagina. Muitas vezes, ela repousa ali, mais para mostrar a presença da Guarda do que para navegar de fato. Porém, sempre está em bom estado, preparada para zarpar a qualquer instante, caso o dever chame.

Inclinei-me levemente, fingindo admiração.

- Parece uma embarcação confiável. E o senhor, conhece-a bem?

Ele franziu o cenho, percebendo que minha curiosidade talvez fosse mais profunda do que deveria. Ainda assim, respondeu com naturalidade.

- Já a vi no mar algumas vezes, manejada por marinheiros da Guarda. Ágil como uma gaivota, embora modesta no tamanho. Mas cuidado, meu senhor. Não é barco que se tome sem atrair olhares indesejados.

Seu aviso foi claro, mas mantive o semblante amistoso.

- É bom saber disso. Agradeço por sua sabedoria, meu amigo. Posso oferecer algo em troca de seu tempo?

O pescador levantou uma das mãos, recusando com gentileza.

- Uma conversa basta, jovem senhor. Bons ventos em seus caminhos.

Agradeci com uma leve reverência, gravando cada palavra em minha mente. Ao me afastar, o nome Brio ecoava em meus pensamentos, e o pressentimento de que aquele velho sabia mais do que revelava atiçava minha inquietude.

Após um tempo de caminhada, decidi que o navio que me levaria para longe com Anne seria o Brio. Tudo aconteceria após o baile de noivado, onde as atenções estariam voltadas para o Príncipe e sua Corte, permitindo que nossa partida passasse despercebida. O único elemento que faltava para garantir que nada fosse ao acaso era a essência de ópio, que usaria para a nobre donzela entrar em um sono profundo.

Com tais questões acertadas em minha mente, fui até a feira. O mercado estava repleto de vida, com mercadores gritando seus preços e crianças correndo entre as barracas. O aroma de especiarias exóticas, frutas frescas e o som de moedas tilintando preenchiam o ar. Eu, no entanto, tinha um propósito claro. Além de verificar o que os comerciantes estavam oferecendo, precisava alugar uma carruagem e organizar os detalhes do transporte. Havia decidido que o cocheiro nos aguardaria no Palácio, para que ao fim do evento, minha fuga com Anne finalmente começasse.

Caminhava entre os barracões, passando por barracas de tecidos coloridos e vendedores de joias cintilantes, quando algo brilhou à minha frente. Uma tenda simples, mas com um brilho peculiar que a destacava entre as demais. Dentro, uma coleção de colares estava exposta, suas pedras preciosas refletindo a luz do sol como estrelas em uma noite sem nuvens. Mas entre todas, uma peça se sobressaiu, irresistível.

Era um colar com uma pedra azul em forma de gota, a gema parecia capturar a profundidade do oceano, uma cor vibrante e enigmática, que parecia chamar minha atenção como um ímã.

Aproximando-me com passos cautelosos, minha mão deslizou para tocar o colar, e o mercador, um homem de aparência envelhecida e mãos grossas como raízes, percebeu minha curiosidade.

- Bom dia, senhor - falei com minha voz suave, mas firme. - Sabe dizer-me que pedra é esta?

O homem levantou os olhos, um brilho de conhecimento em seu olhar. Com um gesto cuidadoso, ele retirou o colar da vitrine e o segurou diante de mim. Colocou a pedra na palma de sua mão e, com um sorriso misterioso, disse:

- Bom dia, Monsieur. Trata-se de um topázio azul, uma gema rara e muito especial. Acredita-se que tenha o poder de trazer uma nova vida, de purificar o espírito e de unir corações. Sua energia é positiva e curadora, dizem que quem o recebe encontra renovação e harmonia.

Fiquei pensativo por um momento, a descrição do mercador ecoando em minha mente como uma profecia. Tudo o que eu desejava para Anne e para mim era justamente isso: renovação e união. Decidido, falei com firmeza:

- Interessante. Vou levá-lo.

Ele sorriu, visivelmente satisfeito com minha decisão, e começou a embrulhar o colar em um pedaço de veludo preto, o movimento delicado como se estivesse preparando um tesouro.

- Será um presente, Monsieur? - perguntou ele, enquanto as mãos ágeis ajustavam o embrulho.

A resposta saiu naturalmente de meus lábios.

- Sim, será um presente para uma dama. Uma dama muito especial, e a entrega acontecerá esta noite, no baile de noivado do Príncipe.

O mercador fez uma pausa, seus olhos brilharam com um misto de compreensão e respeito.

- Ela ficará encantada, Monsieur. Este colar não é apenas um presente, mas um símbolo poderoso. - Ele me entregou o embrulho com um sorriso enigmático e um gesto de respeito, e eu lhe entreguei cerca de duzentos francos, guardando o colar com carinho no bolso interno do meu paletó, como se fosse uma joia rara e valiosa.

Com a transação concluída, continuei meu caminho, meu coração acelerado com o peso do destino. Agora, a carruagem precisava ser organizada. Encontrei o cocheiro, um homem robusto, com uma barba espessa e olhar sério, que aceitou a proposta com um aceno de cabeça. Combinamos que ele levaria a carruagem até o Palácio e aguardaria instruções para o retorno. Porém, minha verdadeira intenção era que, na volta, a carruagem fosse nossa aliada para a fuga: apenas Anne e eu, com o colar e a essência de ópio que já havia adquirido.

Por fim, em uma pequena loja discreta, consegui o frasco que selaria o sucesso do meu plano. A essência de ópio, embalada em um pequeno vidro âmbar, brilhava sob a luz das velas, como se estivesse esperando para ser utilizada. Com tudo pronto, o plano estava traçado, e a noite que se aproximava traria, finalmente, a união de nossos destinos.

Com passos firmes e coração acelerado, voltei à mansão Wall, preparado para a noite que selaria meu futuro ao lado de Anne.

De volta à morada dos Wall, adentro meu aposento e encontro o pajem, que já me aguardava, prestimoso, para auxiliar-me na preparação para o baile real.

- Boa noite, Monsieur Karahan. Dar-vos-ei licença por um momento para que possais lavar-vos - diz ele, inclinando-se ligeiramente numa mesura cortês.

- Boa noite, agradeço vossa diligência - respondo, devolvendo-lhe um leve aceno de cabeça.

O pajem retira-se discretamente, e assim dispo-me de minhas vestes, procedendo à ablução com a água morna deixada no lavatório de porcelana adornada. Lavo meu corpo com esmero, secando-me logo após com um tecido de linho fino, que absorve a umidade com suavidade. Em seguida, visto minha roupa de baixo: uma camisa de linho branco impecavelmente alva e calções ajustados, ambos realçando o conforto e a elegância.

Pouco tempo depois, o pajem retorna ao recinto, acompanhado de um valete que transporta uma bandeja onde repousam os elementos de meu traje. Este é composto por um paletó de corte refinado, adornado com bordados dourados que traçam padrões delicados, evocando a nobreza de tempos idos; calças de um tecido negro de lã fina, ajustadas com perfeição; um colete de brocado em tons de verde-musgo e ouro, cujos detalhes reluzem sob a luz das velas; além de um par de sapatos de couro polido, cuja superfície brilhava como um espelho.

O pajem começa a auxiliar-me com habilidade e paciência. Primeiro, veste-me o colete, ajustando-o meticulosamente para que siga os contornos de meu torso. Depois, ele ajuda-me a envergar as calças, puxando-as até que fiquem alinhadas e fixando os botões com cuidado. Em seguida, coloca-me o paletó, certificando-se de que as mangas caem na medida exata e que o colarinho repousa perfeitamente. Por fim, prende nas mangas as abotoaduras de ouro ornadas com pequenas gemas rubras, que conferem um toque final de distinção ao traje.

Ele inclina-se para ajudar-me com os sapatos, ajustando as fivelas para garantir que se encaixem firmemente, mas sem desconforto. Antes de se retirar, ele ajeita o lenço de seda branca que repousa no bolso superior do paletó, deixando-o levemente à mostra.

Ao término de sua tarefa, observo-me no espelho de moldura dourada e noto que cada detalhe fora tratado com perfeição.

- Chegou o momento, Henry - profiro, com seriedade, fitando meu próprio reflexo.

Nesse instante, recordo-me do frasco de essência de ópio e do colar que permaneciam esquecidos no bolso do casaco anterior. Cuidadosamente, recupero tais itens e os acomodo no bolso interno do paletó que ora envergo. Em seguida, desço à sala de estar, onde tomo assento em uma poltrona de veludo para aguardar a chegada da ilustre família Wall, para assim partirmos em direção ao Palácio.

            
            

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