Por anos, acalentei o sonho de casar-me por amor, como outrora fizera minha mãe.
Imaginava um marido que se assemelhasse aos galantes cavaleiros das canções e epopeias que lia, pois homens de tal honra e coração eram raros nestas terras. Contudo, ao alcançar meus vinte e um invernos, a dura realidade de meu destino se apresentou diante de mim.
- Anne, minha filha? - clamou minha mãe, anunciando sua entrada em meus aposentos.
- Entrai, mãe. - respondi, ajeitando os panos que me cobriam.
- Bom dia, minha doce donzela. O sol brilha esplendoroso nesta manhã! Cumpre-nos apressar-nos, pois tudo há de estar em perfeição; hoje tomaremos o chá no Palácio. - Enquanto falava, minha mãe encaminhou-se ao armário e escolheu-me um vestido de azul celeste, adornado com pequenas pedras preciosas na cintura, mangas rendadas e um decote discreto. Separou também as joias: uma pulseira delicada em ouro e um colar que lhe fazia par, cujo pingente era um diamante em forma de coração.
- Bom dia, minha mãe. - Ergui-me e fui até a mesa ao lado do leito, onde uma bacia de água fresca me aguardava para a higiene matinal. Enquanto lavava minhas mãos, perguntei: - Posso saber qual a ocasião que nos leva a tomar o chá no Palácio?
- Fico jubilosa por tua pergunta, minha filha! - exclamou ela - Seu pai há de tratar negócios com a Rainha Julie; querem decidir o baile de noivado do Príncipe Fillipe. - Sua voz exalava entusiasmo.
- Baile de noivado? Por que razão meu pai precisa tratar tal assunto com a Rainha? - indaguei, temendo a resposta.
- Ora, minha filha, porque tu serás a noiva! - exclamou ela, batendo palmas em júbilo.
Meu coração apertou-se no peito; jamais planejara casar-me desta forma, muito menos com o Príncipe.
Contudo, não poderia contestar. Estava já em idade de casamento, e os murmúrios da sociedade certamente comprometeriam a honra da família, caso permanecesse solteira por mais tempo.
Resignei-me, então, rogando a Deus que o Príncipe se mostrasse um bom esposo.
- Minha filha, estás bem? Pareces pálida como a neve. - indagou minha mãe, com semblante preocupado.
- Sim, mãe, estou bem. - menti, temendo desapontá-la. - Apenas me inquieta a possibilidade de não agradar ao Príncipe e à Rainha.
- Ora, não temas, minha filha. És de uma graça inigualável, e eles haverão de encantarem-se contigo. - Abraçou-me, e eu deixei-me envolver por seu carinho.
Ela ajudou-me a vestir-me, e depois que saiu, terminei de arranjar meus cabelos em um coque elevado com suaves fios soltos. Desci, então, para o desjejum.
- Bom dia, ó minha pequena guerreira - proferiu meu pai, sentado junto de minha mãe à mesa da sala de jantar.
- Bom dia, meu pai. Rogo vossa bênção. - respondi, fazendo uma breve pausa.
- Que o Altíssimo vos cubra de mercês e graça. - replicou ele.
Logo, acomodei-me à mesa e tomei das frutas que ali estavam dispostas.
- Peço perdão por não poder partilhar deste desjejum convosco, minha filha. Os afazeres deste dia são numerosos. Contudo, esperarei por ti e por vossa mãe na hora do chá. - disse ele, inclinando-se para depositar um beijo suave em nossas frontes, antes de se retirar.
Após breves instantes de um silêncio confortável, minha mãe também anunciou sua partida:
- Anne, hei de deixar-vos a concluir o desjejum a sós, pois careço de ir à feira, e não terei ocasião de o fazer mais tarde.
Ela então retirou-se e, enquanto apreciava as frutas, fiquei a pensar sobre o vínculo que unia meus pais.
Meus pais têm uma história que parece saída de uma das canções que os trovadores cantam na praça.
Minha mãe, Celine Wall era filha de um mercador, conhecida por sua beleza simples e por seu coração generoso. Meu pai, Oliver Wall, já um jovem guarda na época, tinha fama de ser destemido, mas também reservado.
Dizem que ele a viu pela primeira vez em um dia de mercado, quando ela ajudava uma senhora idosa a carregar cestas pesadas. Ele ficou encantado, não apenas por sua aparência, mas pela bondade que emanava dela.
Minha mãe sempre diz que meu pai não era bom com palavras, mas seus atos falavam por ele. Ele começou a aparecer no mercado com mais frequência, comprando coisas que nem precisava, só para ter uma desculpa para vê-la.
Foi assim que começaram a conversar, e logo perceberam que compartilhavam os mesmos valores: honra, trabalho e o desejo de construir algo juntos.
O pedido de casamento foi simples, mas cheio de significado. Meu pai entregou a ela uma rosa do jardim do castelo e prometeu protegê-la com a mesma dedicação com que servia ao reino. Eles se casaram na pequena capela da vila, cercados por amigos e familiares. Ele vestia seu uniforme de guarda, e ela usava um vestido bordado por suas próprias mãos. Dizem que, quando trocaram votos, até os soldados mais rígidos se emocionaram.
- Quem me dera ter a ventura de minha mãe. - murmurei em voz baixa, deixando escapar um suspiro penoso.
Após o desjejum, recolhi-me à biblioteca, meu refúgio predileto.
A Rainha Julie, mãe do Príncipe Fillipe, assumira o trono após a morte do Rei, até que o filho atingisse a idade para reinar.
Pouco sabia sobre o Príncipe, senão que era um homem de poucas palavras e fria disposição, segundo os murmúrios que ouvira.
Quando o relógio marcou três horas, preparei-me para partir ao Palácio com minha mãe. Não nos cabia atrasar, sob pena de demonstrar descortesia.
À porta, um guarda anunciou-nos ao interior.
- Boa tarde, sou Céline Wall, e esta é minha filha, Anne Wall. Viemos para encontrar o Senhor Oliver Wall, bem como Suas Altezas, para a hora do chá. - disse minha mãe.
Conduziram-nos por longos corredores, onde esplendia a magnificência do Palácio. Era-me impossível não imaginar como seria viver ali, desposando um homem quase estranho. Meus devaneios cessaram quando a grande porta da sala se abriu.
- Aqui é a sala das damas, onde o chá será servido. Sede bem-vindas. Logo Suas Altezas e o Senhor Wall juntar-se-ão a vós. - disse o guarda, retirando-se.
Pouco depois, meu pai adentrou com um sorriso.
- Boa tarde, minhas queridas! - saudou ele.
Ao seguir-lhe o olhar, avistei o Príncipe e a Rainha.
Fizemos profunda reverência, e a Rainha retribuiu com um sorriso cortês, enquanto o Príncipe veio até mim, e com uma frieza educada, tomou minha mão e beijou-a o dorso.
Sentamo-nos, e o chá foi servido. Não tardou para que o assunto do casamento fosse trazido à tona.
- Mounsieur Wall, como sabe, a coroação será em dois meses. Gostaríamos que o casamento fosse duas semanas após tal celebração. - disse a Rainha.
- A data parece-me perfeita, Alteza. - assentiu meu pai.
O Príncipe, alheio aos assuntos, foi chamado de volta à conversa por sua mãe.
- Fillipe? Concordas com a data? - ela o encara.
- Certamente, minha mãe. - respondeu ele, com um desdém mal disfarçado.
A conversa prosseguiu, mas tanto eu quanto o Príncipe permanecíamos presos em nossos próprios pensamentos.
Ao retornar ao lar, retirei-me para meus aposentos, onde me entreguei ao peso de meus anseios e temores.
- Assim será, então. Meu noivado se celebrará em uma semana, e meu noivo, ao que parece, desgosta tanto quanto eu desta união. - sussurrei ao vento, fechando os olhos, em busca de algum alívio no sono.