Nas mãos de um nobre Pirata
img img Nas mãos de um nobre Pirata img Capítulo 7 ESTRANHO
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Capítulo 12 O BAILE, parte 2 img
Capítulo 13 MALDITO KARAHAN img
Capítulo 14 REFÉM img
Capítulo 15 UM PEDAÇO DE PAZ img
Capítulo 16 NUNCA SERÁS MINHA img
Capítulo 17 DETERMINADA img
Capítulo 18 TORTURA img
Capítulo 19 VOCÊ É O MEU SONHO img
Capítulo 20 ENTRE O PODER OU O CAOS img
Capítulo 21 RUÍNA img
Capítulo 22 PASSADO img
Capítulo 23 CONSTANTINOPLA img
Capítulo 24 RASTROS img
Capítulo 25 PRISÃO img
Capítulo 26 A PROPOSTA img
Capítulo 27 ALIADOS img
Capítulo 28 ILHA DO LUAR img
Capítulo 29 VERDADE img
Capítulo 30 VIAGEM img
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Capítulo 7 ESTRANHO

Anne

Eu encontrava-me na vila em companhia de minha mãe, ajustando o derradeiro traje para meu enlace matrimonial, quando, ao lançar meu olhar para fora da loja, avistei um tumulto inusitado vindo da Cavalaria Real.

- Por ventura, terá acontecido alguma desgraça? - indagou minha mãe, ajustando nervosamente o véu em suas mãos.

- Mui provável que sim, dona minha - respondeu a costureira, inclinando-se em direção à janela. - Nunca antes meus olhos viram tamanha escolta em nossa vila.

- Logo saberemos, pois meu pai, como sabeis, é o Capitão da Guarda Real - falei, tentando esconder minha inquietação.

O som dos cascos ecoava pelas ruas da vila como um prenúncio de algo grave. Com o vestido ajustado, despedimo-nos da costureira e retornamos ao lar, onde o cheiro de pão recém-assado ainda impregnava o ar.

Contudo, não tardou muito até que meu pai cruzasse a porta, exausto, o manto em desalinho e a espada ainda à cintura.

- Boa tarde, minhas amadas - saudou-nos, antes de soltar um pesado suspiro - Céline, suplico-te que peças a Anastasia para preparar o quarto de hóspedes. Um navio foi atacado, e seus tripulantes, ao que tudo indica, caíram à espada. Contudo, encontramos um sobrevivente, ainda que inconsciente. Por meu posto e dever, sugeri ao Príncipe que este homem se refugiasse sob nosso teto, pois pode portar informações de valia sobre os acontecimentos.

- Aquietai-vos. Cuidaremos de tudo para bem receber o hóspede - respondeu minha mãe com diligência.

- Muito bem. Agora devo retornar ao Palácio. Em breve, um guarda trará o sobrevivente até aqui. Anne, desejo que veles por ele e, quando recobrar os sentidos, envia-me um mensageiro.

- Sim, meu pai - aquiesci.

Ele então fez um gesto de despedida e partiu com passos apressados.

Minha mãe, já não presente no salão, provavelmente dirigira-se a Anastasia para ajustar os preparativos.

Pensei, então, em prover um caldo reforçado ao convidado. Certamente, após longos dias à deriva, estaria faminto.

Dirigi-me à cozinha e, com mãos ligeiras, separei os legumes. Coloquei uma chaleira ao fogo e, enquanto aguardava, colhi ervas frescas na horta.

Retornando, preparei os ingredientes e dispus tudo em uma panela de barro, completando com a água fervente. Recordei-me de um doce de leite feito com Anastasia e decidi confeccionar uma iguaria de sobremesa, uma massa amanteigada recheada pelo doce de leite e coberta de chocolate, a qual chamávamos de Eclair.

Após duas horas de labor, estava enfim tudo em perfeita ordem.

Com o suor a escorrer pela fronte e o cansaço a pesar-me os membros, ergui-me e dirigi-me ao meu aposento, onde decidi preparar o banho que tanto almejava.

Em um canto do recinto, apanhei a grande tina de carvalho e a posicionei junto à lareira. Com esforço, carreguei baldes de água fresca do poço, vertendo-os em um caldeirão de ferro que aqueci sobre as brasas.

Enquanto aguardava o calor fazer seu ofício, reuni ervas aromáticas que guardava em um cesto - folhas de louro, ramos de alecrim e algumas pétalas de rosa - e lancei-as na água para perfumá-la.

Quando o vapor começou a subir, transferi a água fumegante para a tina, misturando-a com um pouco de água fria até alcançar a temperatura ideal. Despojei-me das vestes sujas, revelando minha pele e, com um suspiro de alívio, submergi lentamente na água morna. Ali, com uma esponja de linho embebida em sabão caseiro de lavanda, lavei cada traço de poeira e suor que o dia deixara em mim. Era um ritual simples, mas que me renovava em corpo e espírito, preparando-me assim para fazer companhia ao hóspede misterioso.

Após o lavaredo do corpo, vesti-me com um vestido leve de algodão, de tom verde claro, que realçava o brilho de meus olhos. Ornei o pescoço com um singelo colar, tomei em mãos um tomo de letras e encaminhei-me para a câmara de hóspedes, pressupondo que já houvessem trazido o homem, pois antes observara um alvoroço fora do costume na casa. Foi então que ouvi vozes a provir da dita câmara e aproximei-me furtivamente.

- Ele é mui formoso, talvez um bom partido - sussurrava Camille, nossa criada.

- Comporta-te, Camille. - repreendeu Anastasia.

Aproveitando a ocasião, adentro o aposento com discrição.

- Boa tarde, senhorita Wall - saudaram ambas, em uníssono.

- Boa tarde - respondo com cortesia, enquanto meus olhos recaem sobre o varão que repousa no leito.

Seu porte impressiona-me de imediato. Ainda adormecido, ele exala uma força serena, como a de um guerreiro em repouso após a batalha. Os cabelos, de um castanho rico como a madeira de carvalho, caem em ondas naturais que moldam seu semblante. A luz que invade o quarto realça mechas douradas, resquícios de dias sob o sol. Seu rosto é uma obra primorosa: maxilar forte e bem definido, um queixo firme, mas suavizado por uma sombra de barba que apenas reforça seu ar masculino. Os lábios, cheios e bem delineados, têm uma tonalidade levemente rosada, contrastando com a pele bronzeada, marcada por um dourado sutil que sugere vigor e saúde.

Os ombros largos, ainda que ocultos pelo lençol, são evidentes; uma figura esculpida pelo esforço e pela vida ao ar livre. Até mesmo suas mãos, repousadas ao lado do corpo, chamam minha atenção – grandes, de dedos longos e fortes, mas com uma delicadeza que parecia esconder uma natureza menos feroz. Não posso evitar compará-lo aos heróis dos contos de cavalaria, tão perfeitos que parecem ter saído de uma lenda.

- Já nos retiramos senhorita, e se algo vos for necessário, encontráreis-nos na cozinha. – declarou Anastasia, já arrastando Camille para fora do quarto.

- Minha gratidão. – respondo, tomando assento na poltrona junto ao leito.

Abro o livro que carregava, folheando-o com vagar. Leio algumas palavras, mas minha atenção escapa e retorna ao homem ao meu lado. Em verdade, ele parecia o próprio pecado encarnado, um apelo irresistível à curiosidade e, talvez, à perdição. - Por Deus, Anne, recorda-te que estás prometida ao Príncipe! – murmuro, irritada comigo mesma.

Volto os olhos ao livro, na esperança de afastar pensamentos impróprios sobre o misterioso cavaleiro.

Ao anoitecer, o homem desperta sobressaltado. Seus olhos percorrem o ambiente com rapidez, como se buscasse reconhecer onde estava, e finalmente, pousam sobre mim.

- Não posso crer... Encontro-me no céu? – diz ele, com a voz rouca, mas carregada de surpresa e confusão.

Coloco o livro de lado e dou um passo em sua direção.

- Acalmai-vos, monsieur, e repousai. Fostes encontrado ferido, à deriva e estivestes desacordado por algumas horas. – falo suavemente, tentando dissipar seu temor.

Ele franze o cenho, como se tentasse processar minhas palavras.

- Quanto tempo estive assim? – pergunta, olhando para mim com olhos intensos.

- Algum tempo. – respondo com cautela, querendo evitar que ele se agitasse mais.

Ele se inclina levemente para a frente, mas logo volta a recostar-se, vencido pela fraqueza.

- Que dia é hoje? – indaga, a voz carregada de curiosidade e uma ponta de angústia.

- Hoje é o décimo segundo dia do mês. – respondo, hesitando.

Seus olhos se arregalam, e ele murmura, mais para si mesmo do que para mim:

- Décimo segundo? Mas... eu parti em viagem na noite do décimo. Isso significa que estive desacordado por dois dias?

Assinto lentamente, vendo a confusão em seu rosto se transformar em uma mistura de surpresa e alívio.

- Creio que sim, monsieur. Vossos ferimentos estavam profundos.

Ele balança a cabeça, como se tentasse absorver a informação.

- Pensei que tivesse perecido, confundi-vos com um anjo. – Ele sorri, um sorriso que faz parecer que o sol voltou a brilhar no quarto. Suas palavras me pegam de surpresa, e sinto minhas bochechas queimarem de embaraço.

- Eu... não, monsieur, sou apenas Anne Wall. Nada mais que uma jovem comum. – respondo com um sorriso tímido, desviando o olhar para o chão.

- Apenas Anne Wall? – Ele ergue uma sobrancelha, intrigado. – Então permita-me dizer, donzela Anne, que sois o mais encantador dos mortais.

Meu rubor aumenta, e dou um pequeno riso nervoso, sem saber como reagir.

- Não deveríeis estar tão generoso em vossas palavras. Ainda precisais recuperar forças, monsieur. – digo, tentando trazer a conversa para um tom mais prático.

Ele tenta se erguer no leito, mas logo solta um gemido de dor.

Corro para junto dele, ajeitando os travesseiros para que fique mais confortável.

- Não devíeis forçar-vos, senhor. Ainda não estais plenamente recuperado.

- Obrigado, donzela Anne. – Ele se recosta nos travesseiros com um suspiro. – Ainda não vos agradeci devidamente por cuidardes de mim.

- Foi minha obrigação, senhor. – respondo, hesitando. – Quando vos encontraram ferido, seria cruel deixar-vos sem socorro.

Ele inclina levemente a cabeça, os olhos nunca deixando os meus.

- Anne Wall, vós sois uma mulher de grande coração. Eu sou Henry Karahan, e é uma honra conhecer-vos.

- O prazer é meu, monsieur Karahan. – faço uma pequena reverência, desejando dissipar a formalidade que parecia começar a pesar no ambiente. – Agora, se me permitíeis, irei buscar vosso jantar. Deveis estar faminto.

Ele hesita por um momento antes de responder, como se não desejasse que eu deixasse o quarto.

- Sim... creio que estou. Mas tendes certeza de que não estás cansada de vos ocupar de mim?

Dou um leve sorriso, enquanto pego o livro que deixara sobre a poltrona.

- Não há razão para preocupação, monsieur. Logo retornarei.

E antes que ele pudesse dizer mais alguma coisa, saio do quarto, sentindo o peso de seu olhar em minhas costas.

Na cozinha, volto-me para Anastasia:

- Anastasia, poderia fazer a gentileza de aquecer o caldo? Vou preparar a bandeja para nosso hóspede. Ele finalmente despertou.

- Claro, senhorita Anne. – responde ela.

Enquanto ela aquece o caldo sobre o fogo brando, parto em busca de Liam e rogo-lhe que convoque um mensageiro, para que este seja despachado ao Palácio e leve aviso a meu pai acerca de Monsieur Karahan, conforme sua vontade expressa.

De volta à cozinha, detenho-me a preparar uma bandeja digna de um banquete simples, mas de bom gosto. Escolho dois pães rústicos, recém-saídos do forno, com a casca dourada e crocante, que perfumam o ar. Recolho um punhado de uvas maduras e suculentas, cada bago reluzindo à luz das velas. Encho um cálice de cristal com o vinho rubro, como sangue de carvalho envelhecido, e outro com água límpida, fresca como o orvalho da manhã. Coloco cuidadosamente uma escudela de sopa fumegante, cujo aroma reconforta o espírito, e, por fim, o Éclair, um doce primoroso que repousa como uma joia sobre um pequeno prato de porcelana. Tudo é disposto com esmero, para agradar tanto aos olhos quanto ao paladar.

            
            

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