Nas mãos de um nobre Pirata
img img Nas mãos de um nobre Pirata img Capítulo 5 AMÉLIE, parte 1
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Capítulo 12 O BAILE, parte 2 img
Capítulo 13 MALDITO KARAHAN img
Capítulo 14 REFÉM img
Capítulo 15 UM PEDAÇO DE PAZ img
Capítulo 16 NUNCA SERÁS MINHA img
Capítulo 17 DETERMINADA img
Capítulo 18 TORTURA img
Capítulo 19 VOCÊ É O MEU SONHO img
Capítulo 20 ENTRE O PODER OU O CAOS img
Capítulo 21 RUÍNA img
Capítulo 22 PASSADO img
Capítulo 23 CONSTANTINOPLA img
Capítulo 24 RASTROS img
Capítulo 25 PRISÃO img
Capítulo 26 A PROPOSTA img
Capítulo 27 ALIADOS img
Capítulo 28 ILHA DO LUAR img
Capítulo 29 VERDADE img
Capítulo 30 VIAGEM img
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Capítulo 5 AMÉLIE, parte 1

Príncipe Fillipe

Estava eu em meu gabinete real, cercado pelos pesados móveis de carvalho entalhado e pelos luminosos vitrais que projetavam sombras coloridas nas paredes, refletindo a história de meus ancestrais.

Porém, nem a grandiosidade do aposento, nem o suave aroma da madeira encerada, podiam aliviar o peso que recaiu sobre meus ombros. Tentava, em vão, reconciliar-me com o destino que me fora imposto: desposar a filha do capitão da Guarda Real, uma jovem que mal conhecia.

Era inconcebível que minha mãe, a venerável Rainha Julie, houvesse tramado tal união, privando-me do direito de decidir meu próprio caminho.

Contudo, como podia eu questionar sua autoridade? Justificava-se com palavras revestidas de virtude, alegando que tal aliança era necessária para o bem do reino e para consolidar minha posição como futuro soberano.

Mas como poderia ela ignorar o mais puro dos sentimentos que habitava meu peito? Desde tempos imemoriais, meu coração pertencia a Amélie Mallet, filha de Madame Margot, a criada que, em minha infância, velara por mim com o zelo de uma mãe.

Amélie, com seus cabelos dourados como o trigo ao vento e olhos que refletiam a serenidade dos campos, era a dona de minha alma, e nada no mundo poderia arrancá-la de mim.

O tempo era meu inimigo implacável, pois faltavam apenas dois dias para o baile de noivado, um evento destinado a anunciar minha união com a jovem Anne Wall. Decidido a não levar tal fardo sem antes tentar um gesto de sinceridade, convidei minha prometida para um passeio pelos extensos jardins do palácio.

Sob a luz do entardecer, caminhamos entre flores exuberantes e fontes cantantes, e ali me despedi do silêncio que tanto me atormentava. Falei-lhe com franqueza sobre meu coração, sobre o amor inquebrantável que nutria por outra.

Para minha surpresa, a senhorita Anne revelou-se compreensiva, sua voz serena ecoando como uma melodia inesperada.

Apesar da tristeza que partilhávamos, percebi que sua alma era dotada de uma nobreza rara, distinta das damas que povoavam as cortes.

Ali, no meio das flores, percebi que, embora meu coração jamais lhe pertencesse, poderíamos compartilhar uma amizade sincera.

Na alvorada seguinte, quando o primeiro raio de luz tocou os vitrais de minha câmara, despertei com uma determinação renovada. Não podia mais protelar. Precisava encontrar Amélie e contar-lhe tudo.

Dirigi-me à cocheira com passos apressados, meu manto esvoaçando sob a brisa da manhã.

- Mounsieur Louis? – chamo pelo Estribeiro-Mor, com um tom firme, mas controlado, enquanto caminho em direção ao estábulo.

- Pois não, Alteza? – responde ele, curvando-se com uma reverência que reflete sua longa lealdade à Casa Real.

- Preparai meu corcel com a maior celeridade que vossos braços permitirem, pois urge minha partida. E peço-vos, sob vossa palavra de honra, que não deis notícia a ninguém acerca de minha saída. – ordeno, fixando meus olhos nos dele, ciente da gravidade do pedido.

- Tens minha palavra, Alteza. – replica ele, inclinando a cabeça antes de virar-se para cumprir a ordem com presteza.

Enquanto aguardo, observo o céu que começa a tingir-se com as cores do amanhecer. O vento sopra levemente, trazendo o aroma fresco dos campos, mas minha mente está longe, preocupada e ansiosa. Não posso permitir que a corte saiba de minha ausência, pois os olhos e ouvidos que vigiam os passos de um futuro rei são muitos, e esta partida deve permanecer um segredo.

Em menos de meia hora, Louis retorna com o cavalo, um imponente corcel negro chamado Ébano, cuja força e velocidade são inigualáveis. Acaricio rapidamente o pescoço do animal antes de montar, sentindo o peso do que estou prestes a fazer.

Dou um leve aceno ao Estribeiro-Mor em agradecimento e parto, galopando através dos campos sob a crescente luz do dia.

A jornada até o solar onde habita minha amada toma-me cerca de uma hora.

Cada passo do cavalo parece arrastar o tempo, e o silêncio da noite, quebrado apenas pelo som ritmado dos cascos, faz-me pensar no quanto minha ausência tem pesado sobre Amélie. Após a morte de sua mãe, ela encontrou refúgio com sua tia, uma mulher de coração bondoso, mas marcada pela solidão. Desde então, visitei-as com frequência, trazendo pequenos alívios à melancolia que parecia envolver aquele lar. Contudo, os preparativos para minha coroação me afastaram, e minha ausência prolongada não deixou de ferir meu espírito.

Na última vez que as vi, a tia de Amélie estava gravemente enferma, acamada e pálida como um lençol sob a luz da lua. Em gratidão a tudo que dona Margot fizera por minha família no passado, ofereci-lhes auxílio financeiro, garantindo que não faltassem remédios nem mantimentos. Amélie, dedicada e incansável, cuidava da tia com amor e resignação, ainda que isso a privasse de sua juventude.

Quando finalmente avisto a fazenda, meu coração aperta. Desço do cavalo com pressa e amarro Ébano a um robusto galho de carvalho, afastado o suficiente da casa para que sua presença não chame atenção. Ajusto meu manto e inspiro profundamente antes de caminhar em direção à varanda.

Ali, sentada em uma cadeira de madeira simples, está Amélie. Seus longos cabelos dourados brilham à luz do sol, e suas mãos acariciam Aquiles, o fiel cão que descansa tranquilamente ao seu lado. Ao vê-la, todo o cansaço da jornada parece dissipar-se, substituído por uma alegria intensa e um alívio que não consigo descrever.

Movido por um impulso, corro em sua direção. Ela levanta os olhos ao som de meus passos, e sua expressão muda instantaneamente de surpresa para pura felicidade. Levanta-se de pronto e corre para mim, o vestido simples esvoaçando ao vento. Quando finalmente nos encontramos, abraço-a com força, como se o mundo inteiro pudesse desaparecer naquele instante e nada mais importasse. O desespero de nossos gestos revela a saudade acumulada, uma emoção que transcende palavras, enquanto o som abafado de sua respiração mistura-se com o meu.

Por um breve momento, tudo está em paz. E ali, naquele abraço, sinto que encontrei novamente meu lugar no mundo.

- Ah, Fillipe, quanto senti vossa falta! - exclamou ela, com tal doçura em sua voz que meu coração foi tomado de calor.

- E eu também, minha amada, mais do que minhas palavras poderiam jamais alcançar. - respondi, estreitando-a em meus braços com fervor.

Sentindo o mundo dissipar-se como neblina ao sol, conduzi-a de volta à varanda, onde nos acomodamos lado a lado num banco de madeira carcomida pelo tempo.

- Há tanto que vós não vos mostráveis - disse ela, com pesar em sua voz.

- Perdoai-me, minha doce Amélie. Minha mãe, em sua inquietude, tem-me feito perder o tino, pois o dia da coroação se avizinha. - falei, detendo-me por um momento, engolindo em seco.

Amélie fitou-me com olhos que transbordavam compreensão e preocupação.

- Imagino quão sobrecarregado deveis estar, pois bem conheço a Rainha, e não me é segredo que Sua Majestade há de estar em grande desatino. - disse ela.

Balancei a cabeça em concordância, seguido de um leve sorriso.

- E vós, como estás, minha querida? E quanto à tua tia, há alguma melhora? – pergunto, aproximando-me dela, minha voz cheia de preocupação e cautela, enquanto seguro suas mãos entre as minhas.

Ela levanta os olhos para mim, mas a dor em seu semblante é inconfundível. As palavras vêm hesitantes, carregadas de tristeza.

- Eu estou bem... – responde, tentando soar firme, mas sua voz vacila. – Contudo, minha tia... ela se foi. – A última frase mal passa de um sussurro, e, ao dizê-la, lágrimas começam a escorrer por seu rosto, silenciosas, mas tão pesadas quanto seu sofrimento.

Por um momento, sinto-me paralisado, incapaz de processar o peso daquelas palavras. O silêncio que se segue parece eterno, e cada batida do meu coração ecoa como um trovão em meus ouvidos. Quando finalmente consigo reagir, ajoelho-me diante dela, tomando suas mãos trêmulas nas minhas. Beijo-as com reverência, como se pudesse, com aquele gesto, aliviar um pouco da dor que ela carrega, e, em seguida, encosto-as em minha testa, fechando os olhos.

- Eu sinto tanto, meu amor... – murmuro, minha voz embargada. – Sinto por não ter estado ao teu lado, para dar-te o apoio de que precisavas quando mais precisaste. Perdoa-me, por favor. – Minha garganta aperta ao dizer essas palavras, pois a culpa por minha ausência pesa mais do que eu consigo suportar.

Ela respira fundo, lutando contra as lágrimas, e, com um esforço visível, força um sorriso. Um sorriso frágil, mas cheio de uma força que me comove profundamente.

- Está tudo bem agora... – diz ela, sua voz mais suave, mas ainda trêmula. – Na verdade, acho que foi melhor assim. Ela finalmente descansou. Os últimos dias dela foram muito sofridos, e ... sou grata por ter estado aqui, cuidando dela. Foi um alívio poder lhe dar o mínimo de conforto que precisava para partir em paz.

Seus olhos, ainda marejados, encontram os meus, e vejo ali uma força resiliente que não consigo deixar de admirar. Apesar da dor evidente, ela parece ter encontrado uma aceitação que eu mesmo talvez não alcançasse em seu lugar.

- Eu admiro-te profundamente, Amélie... – digo, minha voz carregada de emoção. – A mulher que te tornaste é verdadeiramente extraordinária.

Ela ri baixinho, um som que parece quase deslocado em meio à tristeza, mas que aquece meu coração. Antes que ela possa responder, inclino-me para beijá-la. Meus lábios encontram os dela, e naquele instante, todas as dores do mundo parecem desaparecer. Seu beijo é uma mistura de saudade, conforto e promessa, um gesto que reafirma nosso laço, apesar de tudo o que enfrentamos.

Mas então, como um relâmpago que corta o céu, lembro-me do verdadeiro motivo que me trouxe até aqui. Relutantemente, interrompo o beijo, embora minhas mãos permaneçam segurando as dela, agora com ainda mais firmeza.

- Amélie... – começo, minha voz grave, porém repleta de brandura. – Eu vim até aqui hoje, fugido de minha mãe, pois há algo que preciso revelar-te. Sei bem que o momento presente não é o mais propício, mas isso repousa em meu peito, inquieto, clamando para ser dito.

Meu olhar, perdido e cheio de remorso, evita o seu por um momento, mas eu sei que não posso fugir mais. Ela me observa com a mesma intensidade, como se pressentisse a gravidade do que estou prestes a dizer. Minhas mãos tremem ligeiramente enquanto tento reunir forças para dizer o que, no fundo, já sabia que seria inevitável. Olho nos seus olhos, que estão tão profundos e cheios de dúvidas, e sinto meu coração se apertar.

– Mas antes que qualquer coisa seja dita, quero que saibas... – começo novamente, agora com mais fervor, a dor quase palpável em cada sílaba. – Que acima de tudo e todos, eu te amo. Mais do que a mim mesmo, mais do que a tudo que já vivi...

Ela me observa, os olhos fixos nos meus, como se esperasse, temerosa, pela confirmação do que eu estava prestes a revelar. O ar parecia pesado, como se tudo ao redor estivesse se comprimindo, aguardando minha sentença. Eu fecho os olhos por um breve instante, como se tentando afastar a agonia que me consome. Então, com um esforço quase sobre-humano, solto as palavras, ainda que elas me cortem a garganta. – Eu me casarei em dois meses.

O som da minha própria voz me soa estranho, como se viesse de outro ser, e uma angústia profunda me invade, enquanto um nó apertado se forma em minha garganta. Sinto as lágrimas se acumulando nos meus olhos, mas tento manter a compostura. Quando finalmente encontro coragem para olhar para ela, vejo que seus olhos também começam a brilhar, como se as palavras me tivessem arrancado a vida de um modo que ela não queria compreender.

Eu mal consigo segurar a dor que sinto, e as palavras seguintes saem com a dificuldade de quem carrega um fardo que jamais deveria ter sido imposto.

– Perdoe-me, Amélie... – minha voz se quebra, e sinto que a fraqueza tomou conta de mim. – Eu não tive escolha, foi tudo planejado por minha mãe, ela... ela arranjou tudo e decidiu por mim.

Amélie ficou em silêncio por um instante. Seus olhos, que antes brilhavam com a alegria de nosso reencontro, perderam o brilho. A dor tomou conta de seu semblante de forma tão intensa que parecia que o ar ao nosso redor havia se tornado mais pesado. Ela segurou minhas mãos com força, como se tivesse medo de que eu desaparecesse a qualquer momento.

- Eu sabia que este dia chegaria, Fillipe - ela disse, a voz fraca, como um sussurro carregado de tristeza. Suas palavras perfuraram meu peito como lâminas, cada uma mais afiada que a anterior. - Desde que éramos crianças, eu sabia que seu destino era maior do que nós dois. Sabia que um dia você teria de escolher o reino em vez do coração.

Ela desviou o olhar, fitando o horizonte. Eu podia ver seus olhos marejados, mas Amélie lutava para manter a compostura. Ela respirou fundo e continuou, a voz tremendo como se cada palavra fosse um sacrifício.

- Mas saber disso... não torna as coisas mais fáceis.

Eu não disse nada. O nó em minha garganta me impedia de pronunciar sequer uma palavra. Meu coração se partia a cada segundo enquanto eu observava a mulher que eu amava tentando parecer forte diante do inevitável.

- Durante anos - ela prosseguiu - eu sonhei que talvez houvesse um jeito. Que o amor pudesse superar os deveres de um Príncipe.

Ela riu, uma risada amarga que só aumentou meu sentimento de culpa. Quando seus olhos voltaram a encontrar os meus, estavam cheios de lágrimas que agora ela não podia mais conter.

- Quem é a escolhida? - perguntou, sua voz vacilando.

- Anne Wall - respondi, sentindo o peso insuportável do nome saindo de meus lábios. - Filha do chefe da Guarda Real. É uma boa pessoa, Amélie, mas... ela não é você. Nunca será você.

Ela assentiu lentamente, e um pequeno sorriso triste apareceu em seus lábios.

- Claro que seria alguém assim - murmurou. - Uma dama perfeita, de uma família importante. Alguém que sua mãe julga digna de se sentar ao seu lado no trono.

Seus olhos desviaram novamente, e sua voz tornou-se um sussurro quase inaudível:

- Mas não importa quem ela seja. Nenhuma mulher neste mundo pode te amar como eu amo, Fillipe.

Meu coração se partiu de vez. Como eu poderia suportar tamanha dor sem poder fazer nada para aliviá-la?

Amélie respirou fundo e tentou recompor-se, mas as lágrimas escorriam por seu rosto sem trégua.

- Não vou mentir - ela continuou. - Meu coração está em pedaços. A dor é mais forte do que imaginei. Mas eu sabia... sempre soube. E, mesmo assim, nunca deixarei de amá-lo.

Ela apertou minhas mãos ainda mais, os dedos tremendo contra os meus.

- Tudo o que quero é sua felicidade, Fillipe. Mesmo que não seja ao meu lado.

Amélie ergueu os olhos, e neles havia uma sinceridade devastadora.

- Espero que essa Anne possa te dar a alegria que eu não posso mais.

Ela soluçou ao dizer essas palavras, e eu não consegui mais me conter. Segurei suas mãos com força e as beijei, sentindo meu coração despedaçar-se com cada lágrima que ela derramava.

Amélie era a mulher mais forte e corajosa que eu já conhecera. Sua resiliência, mesmo diante de tamanha dor, era mais uma prova do amor puro e incondicional que ela sentia por mim. E saber que não poderia corresponder a isso como ela merecia era uma ferida que jamais cicatrizaria.

O silêncio que se seguiu foi carregado, mas não vazio. Era como se nossas almas conversassem sem necessidade de palavras, compartilhando uma dor que, de alguma forma, nos unia ainda mais.

Dentro de mim, no entanto, uma tempestade rugia. Como eu poderia consolar a mulher que amava quando a obrigação que me aguardava estava prestes a arrancá-la de meu lado? Ela merecia um futuro melhor, um futuro comigo. Mas naquele momento, tudo o que eu podia oferecer eram promessas vazias e um amor que, por mais profundo que fosse, parecia condenado.

            
            

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