Capítulo 5 A NAMORADA DO MEU IRMÃO

UMA SEMANA DEPOIS.

- Eu não gritei, eu não gritava mais depois que ele me violentou pela primeira vez. - Eu disse, minha voz baixa e trêmula. - Era como se não sentisse mais dor.

Eu olhei para minhas mãos, que brincavam nervosamente sobre meu colo.

- O que você sentia quando isso acontecia? - Perguntou a Dra. Silva.

- Nada, era como se eu não estivesse no meu corpo.

- Isso é muito comum em situações de trauma - disse ela. - É uma forma de autoproteção. Seu corpo e sua mente estavam tentando protegê-la da dor.

***

Levantei-me da cama. Sentia uma dor insuportável que pulsava entre minhas pernas. Me arrastei até o banheiro do meu quarto, cada movimento me fazendo estremecer de dor. Eu entrei no banheiro, me apoiando na pia por um momento enquanto a tontura passava. Então, eu me virei para o chuveiro, ligando a água. Enquanto a água quente caia sobre mim, eu me permiti chorar. As lágrimas se misturavam com a água, e eu sentia como se estivesse lavando parte da dor que carregava dentro de mim. Olhei para o chão branco do box do chuveiro, agora manchado por sangue. O vermelho vibrante contra o branco era uma visão chocante, uma lembrança brutal do que tinha acontecido. Eu fechei os olhos, tentando bloquear a visão.

***

- Como ele começou a agir com você depois desse dia?

- Ele se tornou mais agressivo, vivia me controlando, como se não pudesse fazer nada sem a aprovação dele. Ele controlava minhas amizades, minhas atividades.

***

Nanda pegou a escova sobre minha penteadeira e começou a pentear meus cabelos. Seus movimentos eram suaves, quase terapêuticos.

- O que aconteceu, querida? – Ele olhava pelo reflexo do espelho. - Estou sentindo você muito abatida, você nunca foi assim.

Eu a olhei, sentindo uma grande vontade de chorar. Mas me segurei. Eu não queria que ela visse minha dor, não queria que ela se preocupasse.

- Impressão sua. – Eu disse forçando um sorriso. - Estou bem e feliz que vamos ter festa hoje.

Nanda me olhou por um momento, claramente não convencida. Mas ela assentiu, continuando a pentear meus cabelos.

***

- Quem é a Nanda?

- A governanta da casa, está a muito tempo trabalhando para os meus pais, antes de eu chegar naquela casa.

- Vocês tinham uma relação a mais?

- Ela é como uma segunda mãe para mim.

***

- Vem vou te ajudar a vestir sua roupa.

Nanda pegou um vestido que minha mãe tinha comprado para a festa, um lindo vestido de seda azul.

- Já passou perfume, creme de pele? – Ela perguntou, segurando o vestido para mim.

Eu balancei a cabeça, um pequeno sorriso em meu rosto. Nanda sempre cuidava de mim, sempre se certificava de que eu estava bem. Ela me entregou o vestido. Entrei no meu closet e me vesti. Quando eu voltei, Nanda estava parada ao lado da minha cama, uma expressão de espanto em seu rosto. Ela estava olhando para o lençol da minha cama.

Olhei para o lençol, meu coração batendo forte no peito. Eu tinha esquecido de trocar. Eu me aproximei da cama, meu olhar fixo no lençol manchado. Eu podia ver Nanda pelo canto do olho, sua expressão cheia de preocupação.

- Eu... – Comecei, engolindo em seco. Eu não sabia o que dizer.

- Não se preocupe, eu vou pedi para a Deise trocar. – Disse ela. - Você está naqueles dias, por isso estar assim, deve estar sentido dor.

***

Eu rir.

- Minha primeira menstruação foi menos dolorosa que aquilo.

- E a Nanda, não desconfiou de nada?

- Desconfiou, ela me conhecia bem.

***

Cumprimentei todos na festa antes de sair para o jardim, deixando o barulho e a agitação da festa para trás. Queria ficar sozinha. Eu me sentei em um banco, cruzando minhas pernas na intenção que a dor parasse. Fechei os olhos, respirando fundo e tentando me concentrar em qualquer coisa além da dor, mas estava impossível, minhas lagrimas já molhavam meu rosto.

Saio dos meus pensamentos quando um garoto se aproximou de mim.

- Você está bem?

***

- Quem é o Théo?

- Era um amigo, desde que nos conhecemos na festa nos tornamos melhores amigos.

- Eram amigos, por que não são mais? – Perguntou anotando em seu caderno.

- Rafael, ele me ameaçava, ameaçava bater no Théo se me visse com ele, que iria acabar com a carreira dele na empresa do nosso pai. Eu fiquei com medo e me afastei do Théo, e desde então nunca mais nos falamos.

- Ele ainda trabalha na empresa do seu pai?

Balancei a cabeça.

- Você contava alguma coisa para ele, o que estava acontecendo com você?

- Sim.

- O que por exemplo?

- Ele era a única pessoa que sabia do que estava acontecendo.

- Ele tentou te ajudar alguma vez?

- Disse para eu denunciar o Rafael, que ele me ajudaria. – Senti minhas lagrimas brotarem nos meus olhos. - Eu concordei no começo, mas não tive coragem.

- Por que?

- Eu pensei nos meus pais, fiquei com medo que eles me devolvessem para o orfanato. – Eu disse, as lágrimas agora correndo livremente pelo meu rosto.

- Não, Elisa, seus pais não poderiam fazer isso com você depois de tanto tempo. A adoção é um processo legal que cria um vínculo permanente entre pais e filhos que não são biologicamente relacionados. Uma vez que a adoção é finalizada, os pais adotivos têm os mesmos direitos e responsabilidades que os pais biológicos. Portanto, tecnicamente, eles não poderiam te "devolver'. Da mesma forma que um pai não pode "devolver" um filho biológico.

- Depois que eu contei aos meus pais o que Rafael fez, eu fui entender isso. – Limpei uma lagrima das quais desciam se para. - Me arrependo, eu devia ter denunciado ele.

***

Mamãe entrou no meu quarto. Seus cabelos estavam soltos, Era raro vê-la assim, seus cabelos geralmente estavam sempre presos em um coque. Ela estava arrumada, usando um vestido vermelho elegante com saltos.

- Como eu estou? – Perguntou sorrindo.

- Linda! – Respondi devolvendo o sorriso.

Ela riu, agradecida pelo elogio.

- E você, por que não está arrumada? – Ela perguntou, olhando para a minha blusa de moletom.

- É claro que estou arrumada.

Minha mãe riu novamente, balançando a cabeça.

- Usando uma blusa moletom nesse calor que está fazendo, Elisa?

Ela veio até mim e me puxou para dentro do closet.

- Vamos a um jantar importante do seu pai.

- Mas já não fizemos uma festa ontem? – Perguntei. Já estava cansada de tanta coisa importante.

- Seu pai é assim quando as coisas vão bem na empresa. Agora vamos... – Mamãe para de falar ao olhar para o meu braço.

A manga da blusa estava levantada, mostrando meu hematoma. Mamãe puxou meu braço com força em direção ao seu rosto, arregaçando as mangas da minha blusa.

- O que é isso no seu braço, Elisa?

***

- Por que não contou a verdade para ela?

- Rafael me fez prometer que eu não iria contar a ninguém.

- Ele te fez prometer, para que ele não se desse mal, quando você contasse para os seus pais o que ele fez, ele não poderia fazer nada com você.

- Eu não pensei assim naquela época, estava com medo e vergonha.

- Eu entendo, Elisa, você era só uma criança. - Anotou em seu caderno. - Na nossa primeira sessão, você não me disse se bebe ou se fuma.

- Eu não bebo e nem fumo.

- Faz uso de algum medicamento?

- Não.

- Certo. Vou te passar algumas orientações. Comece com exercícios regulares, uma dieta saudável e uma noite de sono adequada, pode fazer isso?

- Posso!

- Quero que você pratique o autocuidado, que esvazie sua mente enquanto cuida de si mesma. Vamos nos encontrar novamente na próxima semana, Elisa. - A Dra. Silva disse, se levantando de sua cadeira. - E lembre-se, você é mais forte do que pensa.

Eu assenti, me levantando também.

- Obrigada, Dra. Silva. - Eu disse, minha voz cheia de gratidão.

Ela sorriu, acenando para mim enquanto eu saía de seu consultório. Eu respirei fundo, queria ir para casa, mas ainda tinha que trabalhar. Entrei no meu carro e dirigi até a empresa do meu pai. Meus pensamentos voltaram àquele dia com Rafael. Não tive coragem de contar para a Dra. Silva. O prédio familiar surgiu à minha frente. Eu estacionei o carro e saí. Entrei na empresa cumprimentando todos que passavam pelo meu caminho.

- Srta. Elisa - A secretária do meu pai veio até mim. - Tem uma mulher na sua sala.

Eu franzi a testa, surpresa.

- Como assim você deixa alguém entrar na minha sala sem eu estar, Vanessa?

- Eu tentei impedi-la, mas ela disse que é mulher do Sr. Rafael.

Senti meu coração parar por um breve momento. Fabiana estava aqui. Eu não estava preparada para isso. Eu assenti para Vanessa, agradecendo-a com um aceno de cabeça.

- Tudo bem, Vanessa. Obrigada por me avisar.

Eu caminhei até a minha sala, cada passo parecendo pesar uma tonelada. Assim que abri a porta da minha sala, encontrei a mulher sentada na minha cadeira.

- Elisa, finalmente. - Ela disse, sua voz cheia de falsa alegria. - Te esperei por bastante tempo, queria ser a primeira a falar com você.

- Olá. - Eu disse, minha voz firme. - Acredito que você esteja na minha cadeira.

A mulher riu.

- Oh, desculpe-me. - Ela disse, se levantando e se movendo para o lado.

Eu assenti, caminhando até minha cadeira e me sentando. Eu podia sentir o olhar da mulher em mim, mas eu não me deixei abalar.

- Então, o que posso fazer por você? - Eu perguntei, minha voz calma.

A mulher sorriu, com um brilho estranho em seus olhos.

- Tenho certeza que sabe o porquê estou aqui. – Ela disse, se sentando na cadeira de frente para minha mesa. – Você só tem cara de sonsa.

Eu respirei fundo, sentindo uma onda de raiva me preencher. Mas não deixei isso transparecer.

- Eu não vou permitir que me ofenda na minha sala onde eu sou autoridade. – Digo, minha voz firme e controlada.

Ela deu ombros.

- A questão aqui, queridinha, é que você fique longe do Rafael. Ele é meu.

Eu ri. Aquilo era ridículo.

- Você está com raiva, não é? Está com raiva porque ele vai se casar comigo, e não com uma vadia como você – Disse ela.

- Você me respeita. – Me levantei da cadeira.

- Te respeitar? – Ela riu debochada. - Você é uma vagabunda, foi para a cama com seu irmão e inventou mentiras que ele abusava de você.

As palavras me atingiram em cheio.

- Você não sabe de nada. – Eu gritei.

Ela me olhou com puro desprezo.

- Você acha que foi fácil para mim escutar o meu homem chamando o nome de outra mulher enquanto nós transávamos?! – Ela se levantou da cadeira. - Eu nunca entendi essa obsessão que ele tinha por essa tal, Elisa. – Continuou. - Agora eu sei, você trepava com ele...

Levantei a mão e sem que eu pudesse controlar meus movimentos, eu acertei um tapa na cara dela. O som do impacto ecoou pela sala, e por um momento, tudo ficou em silêncio. Eu não merecia aquele olhar, não podia permitir que ela continuasse me olhando daquele jeito. Ela virou o rosto para mim lentamente.

- Você é uma piranha, assim como o Rafael disse. – Ela jogou seus cabelos para trás tirando alguns fios do seu rosto. - Vai me pagar por esse tapa. – Pegou sua bolsa em cima da mesa e saiu, a porta se fechando com um estrondo atrás dela.

Deixei meu corpo cair sobre a cadeira, minhas pernas parecendo de gelatina. Ainda estava em choque. Fechei os olhos, tentando acalmar meu coração acelerado. Ele contou tudo para ela. A porta se abriu, o som me fazendo abrir os olhos.

- Você viu aquela ridícula passeando pela empresa? – Perguntou Louise. - Ela estava aqui desde não sei quantas horas.

Eu olhei para ela. Louise imediatamente reparando no meu semblante.

- Você está bem?

- Estou cansada. – Eu disse, minha voz mais fraca do que eu gostaria.

Ela se sentou na cadeira deixando uma pasta sobre minha mesa.

- Amiga, eu consigo ver no seu rosto que você não está nada bem. – Diz Louise. - Ainda mais depois que seu irmão voltou para Brasília.

- Ele não é meu irmão, Louise. – Eu disse deixando as palavras escaparem. - Aquele filho da puta!

- Vocês já brigaram de novo?

Me irritei, mas fiquei calada. Ela não sabia o que estava acontecendo.

- Podemos conversar uma outra hora, Louise? – Perguntei irritada com aquela conversa.

- É claro. – Ela se levantou. - Esses aí são aqueles documentos que você foi pegar lá na sua casa.

Abri a pasta lendo cada palavra. Cada página continha informações detalhadas sobre o apartamento de Rafael, desde a planta até os contratos de compra e venda. Como eu não prestei atenção nisso quando meu pai pediu minhas assinaturas.

- Agora eu entendi o porquê esses documentos eram tão importantes. – Pensei alto demais.

- Por que? – Louise perguntou.

Eu a olhei.

- Aí, tá bom, estou saindo. – Disse andando de pressa para fora do escritório.

Voltei minha atenção para os documentos.

Meu pai passou os últimos dias do mês pegando no meu pé sobre esses esses documentos. No fundo, nenhum deles se importaram com a minha dor.

            
            

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