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Eu me revirei inquieta na cama, meus olhos fixos na porta do meu quarto. Uma cadeira estava estrategicamente posicionada, prendendo a fechadura. Eu sabia que ele não iria me machucar, mas a sensação de aprisionamento me deixava inquieta. Com cuidado, levantei-me devagar, tentando não fazer barulho, e me aproximei da porta. Olhei através da fresta e não vi nada no corredor. O silêncio era ensurdecedor, aumentando ainda mais minha apreensão. Com cuidado, empurrei a cadeira para o lado e destranquei a porta. Abri-a lentamente, espiando para fora, mas só encontrei escuridão.
De repente, ouvi uma voz atrás de mim, chamando meu nome. Meus olhos se arregalaram e eu me virei lentamente para encarar a fonte da voz.
- Rafael? – Eu disse, seu nome saindo trêmulo da minha boca.
Eu não conseguia ver seu rosto, apenas sua silhueta na escuridão do meu quarto.
- Como entrou no meu quarto? – Perguntei.
Aos poucos, a figura se aproximou, revelando os contornos do rosto de Rafael.
- Você deixou eu entrar. – ele respondeu, seus lábios se curvando em um sorriso sinistro.
Minha mente estava confusa e tentava encontrar alguma explicação para aquela situação.
- Eu deixei você entrar? - Questionei, tentando entender o que estava acontecendo.
Rafael estendeu a mão para acariciar meu rosto. Ele moveu a mão sobre a minha mandíbula, seguindo para o meu pescoço, onde aplicou um
pouco de pressão, levemente me sufocando. Por instinto agarrei o pulso de Rafael, tentando tirar sua mão do meu pescoço. Meus olhos se encheram de medo e pânico enquanto lutava para recuperar minha respiração.
- Para, para! - Eu gritei, minha voz trêmula.
- Você não pode ser de mais ninguém, além de minha.- Ele sussurrou com uma voz ameaçadora.
Estava ficando cada vez mais difícil respirar.
- Você é minha! - Ele repetiu, sua voz ecoando no quarto.
***
Acordei saltando da cama. Minha respiração estava ofegante, eu estava suada. Olhei ao redor do quarto, percebendo que tudo não passava de um pesadelo. Eu me sentei na cama, tentando acalmar minha respiração acelerada. Respirei fundo, tentando acalmar meus nervos e afastar as imagens perturbadoras que ainda ecoavam em minha mente. Só pode ser palhaçada tudo isso.
- Isso é ridículo! – murmurei para mim mesma, esfregando o rosto com as mãos. - Eu sou uma adulta, não deveria estar tendo pesadelos como uma adolescente assustada.
Por mais que eu tentasse negar, o medo ainda estava lá, persistente. A imagem de Rafael na escuridão do meu quarto, a sensação de sua mão em meu pescoço... tudo parecia tão real.
Aos poucos, a sensação de medo foi diminuindo e fui me dando conta de que estava segura em meu quarto. Olhei para o relógio ao lado da cama e vi que ainda era cedo. Decidi levantar e tomar um banho para me acalmar completamente. Enquanto a água quente caía sobre meu corpo, senti como se estivesse lavando toda a tensão e o medo do pesadelo. Deixei que a água relaxasse meus músculos e acalmasse minha mente. Assim que terminei sai do banheiro enrolada na toalha. Peguei uma roupa qualquer e me vesti.
Saí dos meus pensamentos ao ouvir batidas na porta.
- Entre! - Eu disse.
- Trouxe seu café da manhã. – Nanda entrou com uma bandeja nas mãos. - Imaginei que você não iria querer tomar café com eles.
- Você é um anjo na minha vida – Eu sorri para ela.
Nanda sorriu de volta, colocando a bandeja na minha cama. Ela sempre sabia como me fazer sentir melhor, mesmo nos piores momentos.
- Só estou cuidando de você, como sempre. - Ela disse, aconchegando-se ao meu lado na cama.
Olhei para a bandeja, vendo meu café da manhã favorito: torradas com geleia, um copo de suco de laranja e uma xícara de café quente.
- Obrigada, Nanda. - Eu disse, pegando uma torrada.
Nanda sorriu mais uma vez.
- Como você está? – Ela perguntou.
- Queria fugir daqui, fugir de toda essa situação. – Confessei.
- Me sinto culpada por não poder ajudar você. Também não concordo que o Rafael viva aqui, ele te fez tanto mal.
Eu olhei para Nanda, vendo a preocupação em seus olhos.
- Não tem que se sentir culpada, Nanda. - Eu disse, pegando sua mão. - Você já está fazendo muito por mim. Só o fato de você estar aqui, me apoiando, já significa muito.
Nanda suspirou, apertando minha mão.
- Você não merece passar por isso. - Ela se aproximou e me abraçou.
Senti meu estômago embrulhar, e a torrada que eu tinha acabado de comer subindo pela minha garganta. Me afastei bruscamente de Nanda e corri para o banheiro. Ajoelhei-me no sanitário colocando toda a torrada para fora.
- Que droga! - Me levantei indo até a pia.
- Você está bem? - Ela perguntou, com uma expressão preocupada.
Balancei a cabeça, ainda ofegante.
- Acho que foi só uma indisposição passageira. - Eu disse, tentando recuperar o fôlego. - Desculpe por ter te assustado.
- Acho que você devia ir ao médico, isso não é normal, Elisa.
- Eu estou bem. É toda essa situação que está me deixando assim, está sugando minhas energias. – Caminhei de volta para a cama.
- Mas mesmo assim, você vai ao médico, nem que eu tenha que te arrastar. - Agora eu preciso ir, tenho muito trabalho a fazer. – Ela beija minha testa. - Come e descansa. – Disse antes de sair.
Me sentei na cama, olhando para a bandeja de comida que agora parecia repugnante. O simples pensamento de comer me fazia sentir náuseas novamente. Olhei para o relógio. Eram quase nove da manhã. Peguei meu celular em cima da mesinha ao lado da minha cama e procurei o número do meu pai.
- Pai. – Digo assim que ele atende o celular no terceiro toque.
- Elisa, querida, está tudo bem, por que não chegou ainda na empresa?
- Era sobre isso que eu queria falar com você naquele dia. – Eu disse desconfortável ao lembrar daquele acontecimento.
Papai ficou em silêncio.
- Eu queria que você me liberasse por alguns dias, não estou me sentindo bem ultimamente. – comecei a explicar, sentindo as lágrimas se formarem nos meus olhos.
Eu odiava me sentir assim, frágil e vulnerável.
- Claro, claro! – Disse ele imediatamente. - Sei que não está sendo fácil para você tudo isso, e eu te peço perdão.
- Obrigada, pai. - Eu disse, sorrindo através das lágrimas. - Eu te amo.
- Eu também te amo, querida. - Ele respondeu, sua voz cheia de carinho.
Desliguei a chamada.
Me deitei na cama, encarando o teto. Tudo no meu quarto tinha mudado, os móveis, a cama, os lençóis, a cor das paredes. Eu não queria nada que lembrasse que Rafael esteve aqui, mas a verdade era que nada disso adiantou. Posso sentir seu cheiro, sua presença nesse quarto. Fechei os olhos e respirei fundo, tentando afastar as lembranças que me assombravam. Mas, não importava o quanto eu tentasse, o passado insistia em se fazer presente. Meu quarto, que antes era meu refúgio, agora se transformará em um lugar carregado de memórias dolorosas.
Saí do meus pensamentos quando a porta do meu quarto se abriu.
- Elisa, não vai tomar café da manhã com a gente? – Mamãe entrou fechando a porta.
Antes que eu respondesse, ela olhou para a minha cama, onde estava a bandeja.
- Nanda trouxe para mim. – Eu disse.
- Eles não estão em casa, Fabiana já começou no novo emprego. – Ela se sentou na cama.
- Nanda é a única que se preocupa comigo de verdade. – Falei sem pensar.
Olhei para minha mãe, percebendo que minhas palavras tinham escapado antes que eu pudesse controlá-las.
- Eu também me preocupo com você...
- Se preocupa? – Perguntei sarcástica. - Não parece.
Mamãe se levantou.
- Elisa, eu entendo que você esteja se sentindo sozinha. Mas eu estou aqui, sempre estive. Eu quero ser essa pessoa em sua vida, a pessoa em quem você pode confiar e contar suas angústias. Eu te amo, minha filha, e quero estar presente para você.
- Não, você não me ama de verdade. Nunca me amou – Alterei o tom de voz.
- Como pode dizer uma coisa dessas? - perguntou ela.
- Como, mãe, como? Olha o que você está fazendo, colocando o Rafael aqui em casa.
- Ele também é meu filho...
- Ele me estuprou! – Eu gritei.
As palavras saíram de mim como um grito desesperado, carregadas de dor e angústia.
- E não foi só uma vez, foram várias vezes. Ele acabou com a minha vida, mãe – As lágrimas começaram a escorrer pelo meu rosto enquanto eu lutava para controlar minha respiração.
Mamãe ficou em silêncio por um momento.
- Eu sei de tudo o que ele fez. – Ela engoliu em seco. - Mas eu estou dividida.
- Dividida? Como assim? – perguntei, minha voz trêmula.
Minha mãe suspirou e se sentou novamente na cama, olhando para o chão.
- Eu amo você, Elisa, e sempre estive ao seu lado. Mas também amo o Rafael, ele é meu filho. É difícil para mim lidar com essa situação, com a dor que você está passando e com a culpa que sinto por não ter percebido o que estava acontecendo.
Eu senti uma mistura de raiva e tristeza. Como minha mãe poderia amar alguém que me causou tanto sofrimento? Como ela poderia ficar dividida entre nós dois?
- Eu odeio você! – Gritei. - Como pode ser tão cega, como consegue fingir que nada aconteceu.
As palavras saíram de mim com uma intensidade que eu nem sabia que possuía. A raiva e a frustração transbordavam em cada sílaba que eu proferia. Minha mãe olhou para mim, seus olhos cheios de tristeza e confusão. Ela parecia atordoada com a minha explosão de emoções.
- Eu não estou fingindo, Elisa. Eu estou tentando lidar com tudo isso da melhor forma que posso. Eu sei que errei, que falhei em proteger você. Mas eu também estou sofrendo, estou tentando encontrar uma maneira de consertar as coisas.
Eu senti uma onda de raiva ainda maior me dominar. Como ela podia dizer que estava tentando consertar as coisas quando eu ainda estava aqui, sofrendo as consequências dos atos de Rafael.
- Você não entende! – gritei novamente. - Eu não quero suas desculpas vazias, eu quero justiça! Eu quero que ele pague pelo que fez, e você está aqui, defendendo-o!
Minha mãe abaixou a cabeça, suas lágrimas começando a cair silenciosamente.
- Eu não estou defendendo-o, Elisa. Eu só estou tentando encontrar uma maneira de seguir em frente, de ajudar você a se curar. Eu sei que é difícil de entender, mas eu também sou mãe dele. Eu também o amo, apesar de tudo.
Aquelas palavras cortaram como uma faca afiada.
- Eu não posso acreditar nisso. Eu não posso acreditar que você está escolhendo ele em vez de mim. Eu pensei que você fosse minha mãe, que estaria ao meu lado, me protegendo. Mas eu estava errada. Eu estava completamente errada.
Levantei da cama e saí do quarto, deixando-a sozinha com suas lágrimas. Não sabia para onde ir, mas eu sabia que precisava me afastar dela, pelo menos por enquanto. Eu precisava encontrar uma maneira de lidar com tudo isso sozinha, de encontrar minha própria justiça.