Mas nas três primeiras noites, fui capaz de andar de um modo relativamente livre, aprendendo as rotas gerais dos seguranças fazendo suas rondas. E, felizmente para mim, se alguém seguisse uma rota diferente em relação ao habitual, eram precedidos por seus passos estridentes e pelo cheiro quase constante de fumaça de charuto.
Foi brincadeira de criança evitá-los.
Quanto às câmeras, não pensei muito nelas. Nunca planejei ficar por aqui por muito tempo. As informações que consegui disseram que o contêiner que eu procurava já deveria ter atracado, descarregado e colocado em uma pilha.
Eu deveria ter sido capaz de encontrá-lo, abri-lo e recuperar o que precisava dele, e depois sair antes que importasse se me vissem nas câmeras, antes que pudesse ser levada a interrogatórios desagradáveis. Ou pior.
Afinal, era da máfia que estávamos falando.
E eu não era mais que uma estranha invadindo seu território.
Eu tinha feito algumas pesquisas durante a viagem de avião da Venezuela, imaginando que seria inteligente saber no que estava me metendo, se ia fazer algo ilegal, algo tão perigoso quanto invadir o território do crime organizado.
As docas, como eram comumente chamadas, mesmo que o nome oficial do local fosse o Porto Central de Jersey, eram de propriedade e operadas pela Cosa Nostra de Nova Jersey por trinta e nove anos, compradas em um lance impressionante por Antony Grassi.
Não havia muito para encontrar sobre a família Grassi, ao contrário de suas conexões com as Cinco Famílias da máfia – a cidade de Nova York -, eles conseguiram ficar relativamente fora dos jornais, fora do sistema prisional. Portanto, não havia muito a relatar. Embora houvesse alguma conversa sobre pessoas desaparecidas que tinham laços com a máfia. Qualquer um que soubesse algo sobre a máfia sabia que não havia coisas como 'pessoas desaparecidas', apenas corpos que ainda não haviam sido encontrados.
Estar em suas docas sem permissão poderia facilmente justificar um assassinato no estilo execução, em seguida, um corpo jogado no oceano.
Botas de cimento, como dizia o ditado.
Eu não tinha medo de morrer.
Eu tinha medo de morrer antes de fazer o que precisava.
Por isso não fui dissuadida.
Mesmo que meu coração estivesse ameaçando romper os limites do meu peito enquanto eu dirigia pela estrada para longe das docas, tentando colocar alguma distância entre o homem que estava bem atrás de mim e eu.
Eu corria maratonas desde os quinze anos. Dizia algo que ele - um homem que pesava bem mais do que eu – conseguiu acompanhar quando eu estava a todo vapor. Dito isto, esse peso era claramente músculos, a julgar pela maneira que o terno se ajustava a ele.
Era um belo terno também. Preto, feito sob medida, uma camisa branca bem passada por baixo, abotoaduras nos pulsos. Enquanto seus braços balançavam, vi uma pulseira de platina. Uma que eu sabia custava mais do que algumas pessoas ganhavam em um ano.
Eu conhecia um chefe quando via um.
No entanto, este homem era jovem demais para ser Antony Grassi.
Aparentemente, ele tinha um filho.
Alguém que parecia ter sido esculpido por um dos mestres com a testa larga, sobrancelhas severas, maçãs do rosto afiadas e mandíbula cortada.
Embrulhe isso em uma pele bronzeada, olhos castanhos chocolate emoldurados por cílios grossos que combinavam com seu cabelo marrom escuro, quase preto?
Então tem uma ideia de como era esse homem. Mesmo correndo, suando, tentando me perseguir para que pudesse possivelmente me matar, sua imagem foi queimada na minha mente nos segundos antes de eu sair do estacionamento.
Respirei fundo algumas vezes, tentando acalmar um pouco meu sistema, saindo do meu pequeno veículo alugado atrás do hotel, estacionando atrás das lixeiras. Eu sabia que não seria um problema, porque quando peguei o recepcionista se esgueirando para fumar um cigarro e perguntei, ele me disse: - Não sou pago o suficiente para me importar com isso.
Então foi aí que o deixei.
Fora da vista.
De modo que, mesmo que esse cara Grassi mandasse seus lacaios fazer uma varredura na cidade, ele nunca me encontraria.
O hotel não chamava muita atenção. Um edifício de pedra marrom com um beiral ostensivo, como se alguém hospedado aqui tivesse um serviço de transporte para deixá-los.
Não era um buraco do inferno. Mas se viessem visitar, a maioria das pessoas ficaria em um dos hotéis chiques mais perto da praia. E este hotel parecia atuar para uma clientela simplesmente de empresários e mulheres ou familiares visitantes que preferia arrancar um braço a dormir no sofá da sala de seus parentes, com molas cutucando as costas, um lavabo no final do corredor, tudo cheirando estranho e desagradável.
Pelo menos hotéis tinham aquele cheiro estéril de água sanitária e produtos de limpeza industriais, colchões de verdade e alguém para quem ligar e reclamar se algo não estivesse funcionando no seu quarto.
Eu o escolhi porque era o hotel com a melhor vista do porto se conseguisse um quarto alto o suficiente e na parte de trás. O que consegui.
- Lar, doce lar, - eu resmunguei quando abri a porta, certificando-me de colocar a corrente, em seguida, puxando meu cinto, envolvendo-o em torno do dispositivo de pressão acima da porta, puxando-o com força. Paranoica? Talvez. Mas se alguém tentasse entrar neste quarto, levariam um bom tempo nela. E eu teria a chance de fazer um escândalo ou ligar para a polícia antes que chegassem até mim.
O interior era exatamente o que você esperava de um hotel barato, com seus feios tapetes marrons e castanhos, suas mesinhas de cabeceira brancas com lâmpadas baratas flanqueando a cama queen-size, coberta por um edredom marrom escuro e quatro travesseiros tristes e vazios.
Mas o banheiro azulejado estava limpo.
A TV funcionava, embora eu só a usasse para ruído de fundo, tentando acalmar meus pensamentos em turbilhão.
E, mais importante, havia as portas de correr de vidro e a pequena varanda com uma grade de ferro forjado de força questionável.
Tirando minha calça, procurando uma fita para amarrar meu cabelo comprido e tirá-lo do meu pescoço suado, peguei a cadeira da mesa, arrastando-a de volta para a janela onde a havia deixado antes que o serviço de limpeza viesse e arrumasse tudo.
Peguei o binóculo que comprei em um pequeno mercado na viagem pela cidade, abri as portas e me sentei.
De fato, eu deveria estar dormindo. Talvez tenha conseguido duas horas por noite desde que peguei um avião direto da Venezuela alguns dias antes. Minha mente se recusou a descansar, no entanto. Rodopiando constantemente com os "e se" e arrependimentos, até que me senti enjoada, nauseada, pegando o pacote de balas de hortelã da minha bolsa.
Isso já deveria ter passado agora.
E o estresse estava abrindo um buraco no meu estômago.
A pior parte era que eu tinha que voltar. Mesmo sabendo que eles estavam sobre mim, plenamente consciente de que a segurança provavelmente aumentaria.
Eu tinha que voltar.
Não havia como contornar isso.
Era mais uma razão pela qual eu deveria estar dormindo, certificando-me de que minha mente e corpo estivessem tão afiados quanto precisariam para ir até aquelas docas mais uma vez com a máfia me procurando.
A vida certamente havia mudado bastante na última semana.
Eu estava vivendo minha vida na Califórnia, dormindo no meu apartamento caixa de sapatos, dirigindo no tráfego e indo dia após dia para chegar a um trabalho que, apesar de satisfatório, tornava difícil planejar subir na vida. Meu maior problema era ter que arrastar minhas roupas pela cidade porque a lavanderia do meu complexo de apartamentos estava sempre fora de serviço.
E agora eu tinha ido e voltado da minha terra natal, estava escondida em um hotel em Jersey e sendo perseguida ativamente pela máfia.
O eu que eu era uma semana atrás teria rido da ideia, depois voltado a tomar o café caseiro tentando me convencer que era tão bom quanto o café chique que simplesmente não fazia parte do meu orçamento pelo resto do mês.
Estendendo a mão, passei sobre os olhos secos como lixa, de repente desejando ter me interessado em artes marciais na minha adolescência, em vez de correr pelos campos. Ou que tivesse alguma ideia de como conseguir uma arma por esses lados.
Em casa, eu sabia em que bairros deveria procurar, com certeza. Aqui? Não muito. E achei que seria ruim ir até um estranho e pedir uma arma se eles não estivessem nesse negócio em particular.
Irritar mais criminosos parecia uma má ideia neste momento. Não que eu achasse que seria boa com uma arma, mesmo que conseguisse colocar minhas mãos em uma. Eu sabia como funcionava, é claro. Não era exatamente ciência de foguetes. Mas não tinha certeza de quão boa seria em apontar para alguém e puxar o gatilho.
Além disso, quais eram as chances de que, se fosse cara a cara, eu fosse capaz de sacar e apontar uma arma mais rápido que um homem que provavelmente teve sua primeira metralhadora quando estava no ensino fundamental?
Eu só tinha que ser ainda mais cuidadosa, mais rápida.
E para ser mais rápida, precisava me certificar de não perder um único navio quando ele chegasse.
Levantei-me, tirando meu caderno da bolsa, ligando a TV e pegando a bebida energética à temperatura ambiente que havia comprado mais cedo, sabendo que precisaria de uma dose de cafeína e sem ousadia o suficiente para usar a cafeteira antiga que ficava no quarto do hotel. E, bem, descer as escadas para pegar um café no dispensador significaria colocar as calças. Quando me dada uma escolha, não vestir calça sempre era a melhor opção.
Especialmente neste calor.
Sentei novamente na cadeira com meu equipamento, examinando minhas anotações, conferindo algumas, sublinhando outras, fazendo um mapa dos contêineres, de onde eu sabia que as câmeras estavam, tentando criar um novo curso de ação para fugir a provável duplicação da segurança na próxima noite.
Eventualmente, apesar da cafeína, o sono me reivindicou, embora fugazmente.
Um alarme de carro disparou e me fez saltar da cadeira, com o coração batendo forte no peito, tudo ao meu redor parecendo nebuloso e estranho por um momento alarmante antes de lembrar onde estava, por que estava aqui.
- Merda, - eu disse, olhando por cima do ombro, verificando o horário.
Cinco e cinquenta da manhã.
Eu já poderia ter perdido um navio ou dois.
- Droga, - resmunguei, pegando o binóculo no meu colo, tentando forçar meus olhos ainda cansados a se concentrarem.
Navios estrangeiros.
Mas nenhum da América do Sul.
Isso significava que eu tinha tempo suficiente para tomar um banho rápido, trocar de roupa e descer até o primeiro andar para tomar um café da manhã continental quando abrisse depois das seis.
Munida com um café, suco, um bagel e uma única caixa de Honey Nut Cheerios para comer como lanche mais tarde, voltei para o quarto, fazendo um impressionante ato de equilíbrio para colocar o cartão-chave, se eu fosse me gabar.
Tudo por nada, é claro.
Porque um passo dentro com a porta batendo atrás de mim, deixei cair tudo, café espirrando por todo o tapete feio.
Porque lá, sentado na cadeira do meu quarto como se fosse dono do lugar, estava o homem da noite anterior.
Sr. Grassi, o filho.
- Parece um lugar apropriado para uma refeição como essa, - disse ele, sua voz suave, profunda, segura de si. - Não, - ele exigiu, batendo na perna, atraindo meu olhar para a arma situada lá. - Apenas relaxe, Romina, - acrescentou, e meu nome deslizou um pouco bem demais da sua língua.
- Romy, - eu corrigi, automaticamente.
- Romy, - ele repetiu. - Luca Grassi, - ele me disse, com um olhar frio enervante.
- Sr. Grassi, - eu disse, ouvindo o tremor na minha voz, sabendo de todas as maneiras possíveis que isso poderia ser muito, muito pior.
- Você sabe quem eu sou?
- Sim.
- Você sabe o que eu faço?
- Sim.
E ainda assim você achou que poderia invadir meus negócios.
- Talvez eu estivesse encontrando um cara.
- Uma mulher como você não trabalharia nas docas quando receber uma fortuna entretendo homens ricos com dinheiro mais do que suficiente de sobra.
Isso soou como um elogio. E com uma arma apontada para mim, eu não deveria ficar lisonjeada. No entanto, não havia como negar que eu estava. Bem, tão lisonjeada quanto alguém poderia ser quando chamada de prostituta.
- Mas eu não estou comprando que você seja uma prostituta. Gostaria de me alimentar com mais besteira, ou podemos chegar ao fundo disso?
- Eu me sinto fascinada por contêineres, - eu atirei, levantando uma sobrancelha. - Eu sou viciada em surtos de adrenalina como aqueles que vem de ser perseguida por uma equipe de segurança no meio da noite.
- Para quem você trabalha?
- O estado da Califórnia.
- Vou precisar de uma resposta direta.
- Essa é uma resposta direta. Eu trabalho para o estado da Califórnia. Eles assinam meus contracheques.
- Tudo bem. Eu vou morder a isca. O que você faz para o estado da Califórnia?
- Trabalho como intérprete no sistema judicial.
- Então o que você está fazendo em Nova Jersey?
- Período de férias. - Essa era tecnicamente a verdade. Eu precisei tirar algumas licenças médicas acumuladas e dias de férias para voltar para casa e depois para Nova Jersey. Eu não queria pensar no que poderia acontecer se eu fixasse sem aqueles dias remunerados. Eu não estava exatamente em uma situação onde poderia ficar sem emprego por qualquer período de tempo.
- Você está de férias, mas fica aqui?
- O que posso dizer? Interpretar não é tão bom assim.
Você tem praias na Califórnia.
- Elas são lotadas, - eu disse.
- As nossas também.
Eu estava sem argumentos.
- Olha, Romy, você não me parece uma profissional de nenhum tipo. Você está com algum tipo de problema?
- Porque as mulheres sempre devem ser donzelas em perigo, - eu atirei nele, braços cruzados sobre o peito.
- Conheço muitos homens que se acham demais. Eles acabam fazendo coisas que nunca acharam que fariam. Se essa for a situação, então posso deixar isso de lado, - disse ele, tocando sua arma. - E podemos descobrir algo.
Eu não sabia como responder.
Porque, sim, eu estava angustiada, por mais que me doesse admitir isso. E, sim, eu estava louca.
Mas também duvidava que pudesse confiar nesse homem.
Porque se ele estivesse envolvido no que eu sabia que estava, não tinha uma boa natureza para apelar. Ele certamente não me ajudaria a roubá-lo, tirar dinheiro do bolso dele.
Não.
Eu estava sozinha nisso.
E homens com cara de blefe como a dele não eram confiáveis.
- Agradeço sua oferta de ajuda, Sr. Grassi, mas não preciso disso.
Vou pedir para você sair ou vou começar a gritar.
A isso, seus lábios se curvaram para cima.
- Você quer apostar que ninguém viria para salvá-la? - Ele perguntou, me fazendo enrijecer.
Talvez eu tenha subestimado o poder que a máfia ainda tinha em certas partes deste país.
Agora que eu pensava sobre isso, era perfeitamente possível que ele tivesse posicionado seus homens ao redor, impedindo que alguém viesse intervir.
Fique fora do meu cais, Romy, - Luca exigiu, levantando da cadeira, atravessando o quarto na minha direção, parando perto do meu ombro. De perto, ele parecia ainda mais alto que do outro lado do quarto. E havia o cheiro persistente de uma colônia apimentada grudada em seu terno. Era ridículo, mas me vi respirando fundo, inspirando e aprovando. - Este é o seu primeiro e único aviso.
Com seu olhar intenso sobre mim, com seu corpo volumoso parecendo roubar todo o ar do quarto - e dos meus pulmões - eu estava achando difícil encontrar pensamentos e palavras coerentes.
Respirando fundo, engoli em seco, mal reconhecendo minha voz - baixa e sem fôlego - quando falei. - E se eu não o fizer?
- Você não quer saber a resposta para isso.
Com isso, ele se moveu para o corredor, sem se preocupar em guardar a arma.
Consegui deslizar a corrente e enrolar meu cinto em torno do suporte novamente antes de perder completamente a cabeça, deslizando pela parede, joelhos dobrados contra o peito, tentando me lembrar de que eu podia fazer isso, que faria isso. Independentemente das consequências.
- Recomponha-se, - eu disse, enojada comigo mesma, me forçando a sair do chão, limpar a bagunça que eu tinha feito, beber meu suco e comer meu cereal seco.
O senso comum dizia que eu precisava ficar quieta por alguns dias, deixar a segurança relaxar novamente, permitir que Luca Grassi acreditasse que suas ameaças haviam funcionado, que eu voltara para a Califórnia.
O problema era que esse era um assunto sensível ao tempo. Eu não poderia simplesmente me esconder neste quarto de hotel por alguns dias.
Eu tinha que voltar às docas naquela noite. E tinha que tentar não ser pega.