Ajax, até então em silêncio, ergueu o olhar, suas sobrancelhas se franzindo ligeiramente. O pedido de Alden não era simples, e a gravidade na voz do rei indicava que era algo importante.
- De quem? - perguntou Ajax, a curiosidade misturada com a preocupação.
Alden hesitou por um momento, como se procurasse as palavras certas, como se fosse difícil falar sobre isso, mas quando o fez, a resposta foi direta.
- Elore Zephyl. Ela é importante para mim. Quero que você a observe de longe. Certifique-se de que está segura.
O nome de Elore parecia pesar ainda mais na sala. Ajax franziu o cenho, como se tentasse entender o motivo por trás daquele pedido.
- Por quê? - a pergunta escapou sem que Ajax pudesse impedir, mas logo ele percebeu que talvez fosse melhor não questionar tanto.
Alden desviou o olhar, os olhos agora mais distantes, como se estivesse revivendo algo que não queria. A dor era clara em seu rosto, mas também havia um toque de resignação. Ele sabia que sua posição como rei o obrigava a ser forte, mas para Elore, ele não conseguia se esconder da vulnerabilidade que sentia.
- Porque, entre todas as coisas que perdi, ela é uma das poucas que ainda posso proteger - respondeu Alden, a voz baixa, quase inaudível. Havia algo pessoal, algo profundo naquele pedido, mas Ajax sabia que não precisava saber mais para entender a seriedade.
Ajax não fez mais perguntas. Ele sabia que a ordem não era apenas uma simples instrução, mas uma missão carregada de significados que iam além de sua compreensão naquele momento. Ele não precisava de explicações; sua lealdade a Alden sempre foi inquestionável, e ele faria o que fosse necessário para cumprir essa tarefa.
Assim, ao longo dos anos, Ajax se manteve distante, mas sempre atento. Ele enviava notícias esporádicas sobre Elore, cuidando para que ela crescesse longe dos olhos curiosos, mas ainda sob sua proteção silenciosa. Ela se desenvolvia em Elyndor, alheia a toda a vigilância de Ajax, crescendo em um mundo onde a paz parecia distante, mas onde ele sempre a mantinha sob o manto invisível de sua lealdade.
Elore, com sua própria jornada, nunca soubera da presença constante de Ajax, mas sua vida seguia, como que protegida por uma sombra, a sombra de um homem que cumpria uma promessa que não precisava ser dita em palavras, mas sim vivida a cada dia.
Os anos passaram, e a busca implacável de Alden por sua irmã Hera não diminuiu, nem sequer se suavizou. Cada pista que ele seguia, cada rastro que encontrava, parecia mais distante e falho do que o anterior, mas isso não o detinha. Ele se tornara um homem endurecido pela dor e pela perda, um rei implacável, cujos olhos antes cheios de esperança agora refletiam apenas um vazio gelado. Cada vitória no campo de batalha, cada reforço de seu domínio sobre Mytra, era feita com um preço: sua humanidade.
Sua busca por Hera o consumia, e não restava espaço para gentilezas ou sentimentos. Ele havia se tornado um monstro para aqueles que o conheciam, alguém cujo coração parecia ter se tornado uma pedra. Os que serviam ao trono de Mytra sentiam a diferença, pois o jovem príncipe que governava agora não se parecia em nada com aquele que havia subido ao trono. As suas decisões, embora sábias e justas de certa forma, eram frias e calculistas. As dores de sua perda haviam o moldado em uma figura que governava com mão de ferro, muitas vezes impiedosa, cruéis com aqueles que o desafiassem.
Sua relação com o irmão, Lancelot, também se tornara distante. Lancelot, que ainda visitava o castelo esporadicamente, não reconhecia mais o irmão que tinha crescido ao seu lado. As risadas e conversas da infância haviam desaparecido, substituídas por reuniões formais e interações que mais pareciam um jogo de poder do que uma fraternidade. Alden, agora distante e fechado em sua busca incessante por Hera, havia se tornado alguém quase irreconhecível.
A visita ao internato onde Lancelot estava estudando tornara-se um ritual que Alden mantinha apenas por obrigação. Ele não mais buscava consolo ou companhia nos momentos com o irmão; em vez disso, suas visitas eram permeadas pela tensão, e ele frequentemente partia sem trocar mais do que palavras formais com ele. A dor de não ter encontrado Hera ainda o atormentava, e não havia espaço em sua mente para mais ninguém. Ele sabia que Lancelot o via de maneira diferente, mas a relação deles era algo que Alden estava lentamente enterrando, como algo que já não podia ser salvo.
Ao mesmo tempo, o reino de Mytra estava prosperando sob seu comando, mas sua prosperidade estava manchada pela maneira como ele tratava seus súditos. Alden não hesitava em punir aqueles que o contrariassem, em sacrificar aqueles que fossem vistos como obstáculos para sua missão. Seu coração não tinha mais compaixão, sua mente estava sempre voltada para um único objetivo: encontrar Hera.
Era nesse estado, imerso na dor, na solidão e na busca, que Alden não sabia mais como se conectar com as poucas pessoas que ainda restavam em sua vida. A relação com Elore também se distanciara. Sua promessa de protegê-la ainda estava presente, mas ele a observava à distância, sem se aproximar. A vida dela, como o reino, parecia seguir sem que ele pudesse interferir. Elore crescia, mas ele não sabia mais como se conectar com aquela menina que um dia lhe havia mostrado uma luz. Agora, ele estava fechado no próprio sofrimento, incapaz de ver nada além da escuridão.
Em uma noite silenciosa, enquanto o vento gélido cortava as paredes do castelo, Alden se encontrava sozinho em seus aposentos, olhando para o mapa espalhado sobre a mesa. As marcas e anotações, feitas ao longo dos anos, indicavam lugares abandonados e desaparecidos, mas ele ainda não conseguia desistir. A imagem de sua irmã, mais viva do que nunca em sua mente, era o único combustível que ainda mantinha seu coração batendo com força. Ele se levantou, seus olhos vazios fixados em algum ponto distante.
- Um dia, Hera, você voltará para mim - murmurou, mais para si mesmo do que para qualquer outro.
Seu reino, sua missão, sua própria alma, tudo estava agora em um estado de vazio e frieza. Ele havia se tornado um rei impiedoso, e o homem que ele uma vez fora parecia estar perdido, enterrado sob os escombros de sua busca. Mas o destino de Mytra estava em suas mãos, e ele não permitiria que nada ou ninguém o impedisse de alcançar o único objetivo que ainda lhe dava forças para continuar: encontrar Hera e, talvez, redimir-se das sombras que agora o consumiam.