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Zhara
Um ano depois
(Zahara, 17 anos)
A porta do escritório do meu pai se abre sem nenhum ruído. Mesmo assim, dou outra olhada no corredor para me certificar de que não há nenhuma empregada por perto e entro.
- Zara? Está precisando de alguma coisa?
Eu me assusto, olhando para meu pai sentado atrás da sua enorme
escrivaninha de bordo. Ele fecha a pasta em suas mãos, a expressão em seu rosto é de clara surpresa - entrei em seu espaço sem ser convidada. Bem, eu não esperava que ele estivesse aqui. Eu me acostumei a entrar no escritório do papai regularmente para procurar o que Massimo precisa. Sempre que papai não está em casa, obviamente. E hoje é quinta-feira. Ele não deveria estar aqui!
Toda quinta-feira de manhã, meu pai sai cedo para visitar Massimo na
prisão. Ele passa horas no centro correcional e só volta para casa no final da tarde. A rotina é como um relógio, e nem me passou pela cabeça verificar se o dia de hoje seria o mesmo antes de eu vir para cá.
- Hum... - Dou uma olhada rápida no imponente relógio de pêndulo no canto. Pouco depois da uma. Papai nunca volta antes das três. - Estou sem papel para meus esboços, então pensei que poderia pegar emprestado da sua impressora.
- Claro. - Ele pega algumas folhas da bandeja e as oferece para mim. - Está usando maquiagem, querida?
Minha mão voa para o meu rosto. Nas últimas semanas, tenho
experimentado diferentes marcas de base, procurando inutilmente uma que não irrite minha pele. Essa última é rotulada como hipoalergênica e para peles sensíveis e, até agora, está um pouco melhor do que as outras. Não há erupções cutâneas, mas minha pele ainda coça.
- Sim. - Aceito o papel dele. De forma casual, comento: - Você voltou
cedo hoje.
- Sim. Massimo ainda está na ala hospitalar e não pode receber visitas.
As folhas em branco escorregam dos meus dedos e caem no chão. Ala
hospitalar? Minha pulsação dispara. Tento respirar calmamente, mas sinto como se alguém tivesse colocado as mãos em volta do meu pescoço, apertando-o com força.
- Ele está... ele está bem? - De alguma forma, consigo formar as
palavras.
- Ah, claro. - Papai dá de ombros e olha para a impressão que ele tirou. - Foi só uma facada na lateral. Isso acontece.
Isso acontece? Seu tom indiferente comunica em alto e bom som que essa é uma ocorrência mais ou menos regular. Papai não parece nem um pouco preocupado. Eu me agacho para pegar as folhas caídas, percebendo que minhas mãos tremem quando levanto o papel. - Então... essa não é a primeira vez? - Pergunto, tentando manter a compostura.
- É uma prisão estadual, Zara. Sempre há brigas entre os homens presos, e Massimo é um indivíduo de alto nível. - Papai faz um gesto de desdém, como se estivesse discutindo algo pouco mais importante do que o clima. - Ele vai ficar bem.
A raiva se agita em meu estômago enquanto olho para o meu pai. Como
ele pode estar tão imperturbável? Massimo pode não ser da sua carne e sangue, mas é um ser humano que vive e respira. Sem mencionar que ele é a única razão de todo sucesso que meu pai teve e continua tendo. Como as inúmeras conexões comerciais. O dinheiro. A lealdade inquestionável dos capos e soldados da Cosa Nostra. E o respeito e a adoração do restante da família. Cada vez que um deles se curvava e beijava a mão de papai para reconhecer a segurança e a prosperidade que ele lhes trazia, na verdade deveriam estar agradecendo e elogiando Massimo. Sem Massimo, meu pai não teria durado um ano como Don. Ele teria sido dispensado de suas funções, removido ou talvez até mesmo 'aposentado'. Núncio Veronese não é nada sem meu meio-irmão. E ele sabe disso.
Talvez esse seja o motivo pelo qual o papai odeia tanto Massimo.
- Obrigada pelas folhas, - digo com um sorriso forçado e saio do
escritório do meu pai sem olhar para ele.
De volta ao meu quarto, vou direto para minha mochila e pego meu
celular. Nunca liguei para a prisão antes, então levo alguns minutos pesquisando no Google para encontrar o número certo. Meus dedos tremem quando pressiono o botão de chamada e ouço o toque na linha por quase um minuto antes de ser desconectado.
Que merda. A respiração sai dos meus pulmões em rajadas curtas
enquanto pressiono a rediscagem. A cada zumbido irritante no meu ouvido, está se tornando mais difícil respirar profundamente. Finalmente, após o sexto toque, uma voz masculina que parece entediada atende.
- Gostaria de obter informações sobre um dos seus detentos, - eu digo, com a voz embargada.
- Massimo Spada. Ele foi levado para o hosp...
- Nome? - ele diz.
- Hum... Zahara Veronese. Sou sua meia-irmã.
O som do que eu tenho certeza que são dois dedos de indicadores batendo
no teclado se arrasta por uma eternidade.
- Ele está vivo.
Silêncio absoluto substitui a voz rouca na linha.
Olho fixamente para o meu celular. Ele está vivo. É só isso que recebo? Eu não esperava que o administrador da prisão fosse muito solícito, mas esperava que ele me desse mais do que uma resposta de duas palavras, droga.
Alcançando a gaveta da mesinha de cabeceira, pego o caderno que uso para escrever cartas para Massimo e arranco uma folha do meio. Eu provavelmente deveria informá-lo de que Batista Leone visitou papai um número absurdo de vezes nas últimas semanas, mas meu 'relatório' estúpido é a última coisa em que penso agora.
Com minha carta escrita e em mãos, pego a pilha mais próxima de esboços
para meus novos projetos e basicamente desço as escadas para procurar Peppe.
Mal posso esperar pela resposta habitual de Massimo. Isso pode levar dias. Preciso saber o que está acontecendo. Neste minuto! Falar com Salvo é minha única opção; talvez ele saiba de algo. Mas não tenho o número dele e não há como pedir a papai sem que levante suspeitas. Também não posso simplesmente aparecer na casa de Salvo para simplesmente conversar.
Felizmente, tive uma ideia.
A mãe de Salvo elogiou meu vestido em um dos jantares que participei
com papai. No dia seguinte, ela ligou perguntando se eu consideraria a possibilidade de fazer um vestido personalizado para ela. Eu recusei. Mas parece que mudei de ideia. Por que outro motivo eu estaria indo para a casa dela agora?
E talvez, apenas talvez, Salvo esteja em casa.
Encontro Peppe na cozinha, comendo salgadinhos.
- Preciso que você me leve até à casa dos Canali, - eu digo, com a voz embargada.
***
- Sim, este seria perfeito, - diz Rosetta Canali enquanto admira o esboço de um vestido sem mangas com um espartilho embutido e um grande laço nas costas. - Você poderia fazê-lo em cetim azul royal?
- Cetim azul seria ótimo. - Aceno com a cabeça e pulo da espreguiçadeira, praticamente arrancando o papel da sua mão. - Ok. Tenho suas medidas, então começarei a fazer o vestido no fim de semana.
- Que maravilha. Estou muito animada, querida. Você deveria pensar
seriamente em entrar na indústria da moda.
Sim, claro. Meu pai ficaria feliz se a filha dele trabalhasse como costureira
para mulheres abaixo da sua posição social. - Eu vou. Hum... Salvo está aqui? Eu gostaria de dizer oi.
- Claro. Ele está no escritório. Vamos lá e... Oh, lá está ele. - Ela acena
para as portas duplas que ligam o salão à biblioteca. - Salvo, querido, Zara mudou de ideia e concordou em desenhar um vestido para mim. Ela veio até aqui para que eu pudesse ver seus esboços.
- Ah, é mesmo? - diz Salvo da porta. Seu rosto tem linhas duras e
reprovadoras. Acho que ele não está acreditando na minha história de 'Estou aqui apenas para fazer um vestido'. Ele se apoia no batente, bloqueando parcialmente a saída. - Você está indo embora?
- Sim, - digo, depois articulo sem som: - Precisamos conversar.
Se for possível, a expressão em seu rosto parece ficar ainda mais sombria. Nos últimos meses, temos nos encontrado em vários eventos. Apesar dos meus melhores esforços para evitá-lo, todas as vezes ele encontra uma maneira de se aproximar discretamente de mim e me dar um sermão sobre como sou tola por me envolver em um jogo tão perigoso. É muito irritante. Eu gostava muito mais de Salvo antes de ele descobrir o que eu estava fazendo para Massimo - quando ele ignorava totalmente a minha existência.
- Ok. - Salvo acena com a cabeça. - Eu a acompanharei até ao carro. Eu murmuro um rápido adeus à Sra. Canali e sigo Salvo até ao saguão.
- Você tem notícias de Massimo? - Pergunto assim que nos afastamos
o suficiente para não sermos escutados.
- Não nos últimos dois meses. Por quê?
- Porque ele está na ala hospitalar! - Sussurro. - Descobri esta manhã
quando entrei sorrateiramente no escritório do meu pai para procurar alguma coisa. Só que não tive a chance porque meu pai estava lá. Aparentemente, Massimo não pode receber visitas no momento, então meu pai nem foi vê-lo hoje.
Salvo para perto da porta da frente e agarra meu braço.
- Você está louca? - Ele sussurra de volta. - Nuncio pode ser seu pai, mas ele também é o Don. E se alguém pegar você mexendo nos arquivos dele e passar essa informação para o resto da maldita Família?
- Ninguém vai me pegar.
- Você não sabe disso. - Ele inclina a cabeça para o lado, estudando
meu rosto. - Você está diferente.
Franzo as sobrancelhas, confusa com a mudança repentina de assunto. - Estou usando base.
- Mm-hmm... - Ele estende a mão e tira uma mecha de cabelo do meu
rosto. - Está muito bonita.
Por um instante, fico atordoada demais para responder. Os homens nunca me fazem elogios. Qual é o problema dele? Será que isso é algum tipo de truque? Não importa. Não tenho nenhuma capacidade mental para analisar o comportamento de Salvo no momento.
- Se souber de alguma coisa, por favor, me avise. Sua mãe tem meu
número. - Passo por ele e me dirijo ao carro.
- O que ele prometeu a você? - Salvo chama por mim. - Em troca de sua... ajuda? Dinheiro? Um casamento favorável para você?
Nem sequer me dou ao trabalho de lhe dar uma resposta. Homens. Todos eles acham que o mundo gira em torno do pau. Deus nos livre de uma mulher que faz algo porque a faz se sentir bem. Reconhecida. Digna. Nenhum dos homens em meu círculo faz com que eu me sinta assim.
Exceto um.
E, neste momento, eu nem sei se ele está bem!