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POV CALEB
O castelo surgiu no horizonte como uma sentinela silenciosa, um farol sombrio na vastidão gelada de Vartheos. As torres perfuravam o céu acinzentado, e as bandeiras negras tremulavam com o vento cortante, carregando o brasão do reino como um aviso.
Eu deveria me sentir em casa. Mas não me sentia.
Cada pedra, cada sombra naquele castelo deveria me ser familiar. Mas agora, parecia estranho. Como se eu fosse um estrangeiro em minha própria terra.
O frio me recebeu como um golpe de lâmina quando pisei dentro dos portões. Meu corpo protestou contra a transformação, músculos enrijecidos queimando com a dor da mudança abrupta. Minha pele nua se arrepiou, e o vento cortante me lembrou de que eu ainda estava ferido, exausto e marcado pela batalha.
Um dos guardas hesitou antes de retirar seu próprio manto e me estender, sem dizer uma palavra. Peguei a peça de roupa e a vesti rapidamente, cobrindo os cortes e hematomas que ainda latejavam. Meu corpo pulsava de dor, mas aparecer diante da corte como um lobo ensanguentado causaria uma comoção desnecessária.
Atravessar os corredores do castelo foi como cortar um mar de murmúrios sussurrados. Os olhares dos guardas e criados se cravavam em mim. Os rumores já se espalhavam enquanto eu avançava até o salão principal, como fogo consumindo madeira seca.
Eu não me importava. Mas então, vi minha mãe.
A Rainha Amelia, imponente como sempre, sentada no trono de obsidiana, trajando um manto escuro que refletia seu domínio absoluto sobre este reino.
Mas, dessa vez, seu olhar carregava algo além da frieza habitual.
Preocupação. Alívio. E, logo depois, fúria.
- CALEB!
Sua voz ressoou como um trovão. Seus olhos percorreram meu estado deplorável, e sua mandíbula se contraiu de pura indignação.
- Desaparecido por quatro dias e volta desse jeito? - Seu tom era afiado, cortante. - Eu estava prestes a enviar um destacamento inteiro atrás de você!
Soltei um suspiro pesado. Já prevendo a tempestade.
- Não foi nada.
- Não foi nada?
Ela se ergueu do trono, descendo os degraus com a autoridade de quem não aceita desculpas. Sua mão deslizou sobre os cortes ainda abertos na minha pele, e meu corpo se retesou ao contato.
- Então esses ferimentos são o quê? - Sua voz era fria. - Marcas de um passeio pela floresta?
Eu sabia que esconder a verdade seria inútil. Minha mãe não era ingênua e, além disso, tinha um faro aguçado para detectar mentiras.
- Caçadores me encurralaram - admiti. - Eram habilidosos, mas eu dei um jeito neles.
Um silêncio cortante preencheu o salão. E então... ela rosnou.
- Idiota. - Sua voz veio como um sibilo. Os olhos queimando de fúria. - Você se colocou em risco desnecessariamente! Se tivessem te capturado? Se tivessem conseguido te matar?
Minha mãe nunca demonstrava emoções assim. Não à toa. Sua fúria mascarava algo mais profundo. Medo de perder um filho. Um alfa real.
- Eu sobrevivi, não foi? - tentei aliviar a tensão, mas seu olhar me perfurou como lâminas.
- Você sempre acha que é invencível, Caleb. Um dia essa sua arrogância vai te matar.
Ela inspirou fundo, tentando recuperar a compostura. Seus olhos, ainda cheios de raiva, percorreram meu rosto em busca de mais respostas.
- Como escapou? - sua voz saiu mais baixa, mais calculada. - Como conseguiu sobreviver com esses ferimentos?
Meu corpo ficou tenso. O nome dela se formou em minha mente antes mesmo que eu percebesse.
Eu poderia mentir. Poderia esconder. Mas minha mãe não soltaria esse assunto tão fácil.
- Uma ômega.
A palavra ecoou no silêncio do salão.
- O nome dela é Enrica.
A reação foi imediata. Os olhos da Rainha se estreitaram.
- Uma ômega desconhecida?
O ceticismo em sua voz me irritou.
- Quem é essa ômega, Caleb? - sua voz cortou o ar como uma lâmina. - Como ela sabia como tratar seus ferimentos? Onde ela mora?
- É apenas uma desconhecida - respondi, cruzando os braços. - Ela me encontrou. Me ajudou.
Minha mãe não disse nada por um momento. Mas seu olhar me analisava como um caçador diante da presa.
- Nada mais?
- Nada mais.
Meus punhos se cerraram.
- Então não se importará se eu enviar alguns guardas para encontrá-la. Pelo menos para recompensá-la pelo que fez.
Meu peito se inflamou com um ódio irracional.
- NÃO! - O rosnado escapou de mim antes que eu pudesse impedir. - Ninguém vai encostar um dedo nela!
Minha mãe travou. O salão ficou tão silencioso que até a respiração parecia alta demais. Ela se endireitou, estreitando os olhos.
- Interessante.
Minha respiração estava pesada.
- Você nunca se importou com ômegas antes. - Ela inclinou a cabeça, avaliando-me como se tivesse acabado de descobrir um segredo perigoso. - E agora está pronto para proteger uma com unhas e dentes. Por quê? O que aconteceu entre vocês, Caleb?
Me calei. Eu não sabia o que dizer.
O nome dela ainda queimava em minha mente. Seu cheiro ainda estava impregnado na minha pele.
Mas admitir isso? Nunca.
Minha mãe percebeu minha hesitação.
- Então vai se calar como uma criança teimosa? - ela bateu os olhos em mim, sua postura rígida como aço. - Muito bem, se não quer falar sobre essa ômega, falaremos sobre outra coisa. Algo muito mais importante.
Eu já sabia para onde isso ia antes mesmo que ela abrisse a boca.
- A escolha de sua Luna, Caleb. - A palavra soou como uma sentença. - Você já adiou essa responsabilidade por tempo demais.
Meus punhos se cerraram. Já sabia que isso viria.
- Já falamos sobre isso - murmurei. - Eu escolho minha parceira quando for o momento certo.
- Não tem momento certo! - ela cortou. - Você é um Alfa Real. Sua Luna não pode ser escolhida por capricho ou instinto. Ela deve fortalecer nossas alianças, garantir o futuro da matilha e do reino. E isso significa uma fêmea de linhagem real.
A frieza em suas palavras fez meu sangue ferver. Eu não queria uma aliança forçada. Eu não queria ser atado a alguém por um pedaço de papel e acordos políticos.
Mas o que eu queria... também não era algo que eu pudesse ter.
Meus músculos estavam tensos, meu peito subia e descia em um ritmo contido pela raiva. Minha mãe me olhava com frieza, esperando que eu simplesmente aceitasse minha sentença como um bom príncipe deveria.
Mas eu não era um bom príncipe.
- Você quer que eu me case por obrigação? - minha voz saiu baixa, mas carregada de fúria contida. - Nenhuma fêmea real aceitaria um Alfa como eu.
Amelia estreitou os olhos.
- E por que não aceitaria?
Soltei uma risada amarga.
- Porque metade do reino me teme e a outra metade sussurra que eu sou um predador de ômegas. - Cruzei os braços, sentindo a irritação queimando dentro de mim. - Você sabe disso. Você sabe o que dizem sobre mim.
- Rumores - Amelia rebateu, sua voz carregada de impaciência. - Palavras de covardes que falam demais e sabem de menos.
- Mas que se espalham como veneno. - Passei a mão pelo rosto, exausto. - Você acha que alguma família real me entregaria uma de suas filhas para ser minha Luna, sabendo o que sussurram pelos corredores? Sabendo que eu perdi o controle mais vezes do que deveria?
Minha mãe me estudou em silêncio por um longo momento antes de soltar um suspiro cansado.
- Vá descansar, Caleb. - Sua voz perdeu um pouco da rigidez, embora sua expressão ainda fosse dura. - Você está ferido, instável. Mandarei um médico examiná-lo melhor.
Eu ia protestar, mas o olhar dela me fez desistir. Não valia a pena discutir agora.
Sem dizer mais nada, virei-me e deixei o salão, meus passos ecoando pelos corredores frios do castelo.
Assim que entrei no meu quarto, fechei a porta e me encostei contra ela, soltando um suspiro pesado. O cheiro ainda estava ali.
O cheiro dela. Enrica.
Aquele aroma adocicado e quente pairava ao meu redor, impregnado em minha pele, nos meus pulmões.
Eu podia senti-la mesmo onde ela não estava. Como se me assombrasse. Como se fosse parte de mim.
Meus ferimentos haviam sido tratados com habilidade, e eu sabia que não precisava de mais remendos. Quando o médico apareceu minutos depois, dispensei-o sem cerimônias. Eu não queria que ele apagasse o que restava dela em mim.
Mas era esse o problema. A presença dela ainda estava ali, mesmo à distância. Meu lobo sabia. Ele sentia.
Eu caminhei até a lareira acesa, observando as chamas dançarem, tentando ignorar a inquietação crescente dentro de mim. Mas a sensação só piorava. Meu peito se apertava, minha pele formigava.
Meu corpo ansiava por algo. Não. Não algo. Alguém.
A floresta. A cabana.
Minha mandíbula se travou quando percebi o que estava acontecendo. O desejo de voltar para Enrica me consumia, irracional e incontrolável. Eu podia sentir minha besta interior já decidindo por mim.
Minha mãe queria me prender dentro dessas paredes, me forçar a um casamento conveniente, a ignorar o que rugia dentro de mim.
Mas meu lobo estava acordado agora. E ele não aceitaria ser ignorado.
E se eu não tomasse logo uma decisão racional... Ele tomaria por mim.