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POV ENRICA
O lobo diante de mim estava tenso, os olhos vermelhos brilhando como brasas enquanto me observava de perto. Meu coração ainda batia rápido depois do que ele tinha feito. Eu deveria estar assustada, deveria querer distância depois daquele gesto inesperado. Mas, por algum motivo, não consegui me afastar.
Passei a língua pelos lábios, sentindo a pele quente onde a língua áspera dele havia tocado. Minha mente gritava que aquilo não fazia sentido, que eu deveria me afastar, mas meu corpo parecia reagir a ele de uma maneira que não conseguia controlar.
Suspirei, tentando aliviar a tensão.
- Acho que meus hormônios estão desregulados - murmurei, mais para mim mesma do que para ele. - Tem acontecido com frequência... essa sensação estranha, como se meu corpo estivesse mudando. Talvez seja por isso que os homens ficam tão esquisitos perto de mim.
O lobo moveu-se ligeiramente, as orelhas se erguendo. Ele estava atento, absorvendo cada palavra.
- Não sei o que é exatamente - continuei, encolhendo os ombros. - Mas ultimamente tem sido difícil sair para a cidade. Os homens... eles me olham de um jeito estranho. Como se sentissem algo que nem eu mesma entendo. Um deles até tentou me seguir uma vez quando eu voltava para casa.
Uma memória desagradável percorreu minha mente. Um bêbado no final da estrada, os olhos escuros, as palavras sussurradas de um jeito nojento. Eu consegui escapar, mas a sensação de estar sendo caçada ficou comigo por dias. Certamente eu estava despertando o cio deles. E nem mesmo tentando me camuflar, - algo que sei que é impossível, afinal é algo instintivo - estava conseguindo evitar tais situações.
- Mas está tudo bem agora. - Forcei um sorriso, tentando parecer indiferente. - Acho que era só um imbecil qualquer.
O silêncio preencheu o espaço entre nós, pesado.
Os pelos do lobo estavam eriçados. Seu corpo antes relaxado agora parecia uma mola tensionada, prestes a se soltar. Os músculos se retesaram, e um rosnado baixo escapou de sua garganta.
Engoli em seco. A baba escorria lentamente de sua boca, pingando no chão de madeira. Suas presas estavam completamente expostas novamente, e os olhos... não eram mais os mesmos.
O vermelho havia se aprofundado, escurecido até um tom que me fez sentir uma pontada de medo.
- Está tudo bem agora... - minha voz saiu hesitante e não sei exatamente o motivo de ter dito isso. Eu podia sentir sua ira, não era direcionada a mim. Era como se ele estivesse raivoso por mim.
Isso me deixou feliz.
Me aproximei dele e seus olhos seguiram cada pequeno movimento meu, sem recuar. O cheiro dele, denso e masculino, preencheu meus pulmões, bagunçando ainda mais meus sentidos. Meus dedos tremiam um pouco, mas, mesmo assim, ergui a mão.
E toquei suas orelhas. Foi um gesto instintivo, talvez irracional, mas no instante em que meus dedos deslizaram pela pelagem quente, algo nele mudou.
O lobo congelou. Seus olhos, antes cheios de algo violento e irracional, piscaram lentamente. Sua respiração pesada diminuiu. Continuei o toque, os dedos deslizando suavemente, sentindo o calor da pele sob o pelo.
O rosnado cessou. Os pelos eriçados começaram a abaixar. O ar entre nós ainda estava carregado, mas a energia havia mudado. Ele fechou os olhos por um instante, e o peso da tensão que dominava seu corpo se dissolveu aos poucos.
Meu coração ainda estava acelerado, mas agora, por um motivo diferente. O que era isso?
O que, exatamente, eu estava despertando dentro de mim por causa dele?
Meu corpo, antes tenso, agora parecia mais relaxado. Eu não entendia o que estava acontecendo entre nós, mas não sentia medo. Pelo contrário, algo nele me trazia uma estranha sensação de conforto, de segurança.
Foi então que, sem aviso, ele se moveu.
Num salto ágil, o lobo se lançou sobre mim, e um pequeno grito escapou da minha garganta quando caí para trás, batendo contra o chão macio da cabana. Seu peso pressionava meu corpo, mas não havia ameaça em seus olhos. Pelo contrário.
- Ah! - soltei um riso surpreso, olhando para ele. - Então era isso? Você só queria brincar?
O grande lobo negro ficou sobre mim, as patas firmes ao lado do meu corpo, o olhar fixo no meu. O peito dele subia e descia devagar, e por um momento, achei que ele ficaria assim, apenas me analisando.
E então uma língua quente deslizou pela minha bochecha, longa e molhada, me fazendo soltar outro riso.
- Ei! - protestei entre gargalhadas, tentando me afastar, mas ele não parou.
O lobo continuou, lambendo meu pescoço, depois meu ombro, roçando o focinho contra minha pele exposta. Seu calor era intenso, e cada toque da língua dele enviava cócegas por todo o meu corpo.
- Você realmente gosta de fazer isso, hein? - brinquei, entre risos, tentando revidar ao passar a mão pelo pelo espesso dele. Meus dedos se afundaram na pelagem negra, e o senti se contrair levemente antes de relaxar contra mim.
Mas então, como se um estalo passasse por ele, o lobo parou.
Seus músculos ficaram rígidos, e ele se afastou lentamente, os olhos ardendo de algo que eu não conseguia entender.
Franzi o cenho, sentindo a mudança abrupta. Ele estava brincando comigo há poucos segundos, mas agora... agora parecia outra coisa. Como se lutasse contra algo invisível.
Engoli em seco, sentindo uma necessidade súbita de aliviar a tensão dele.
- Certo, grande lobo - murmurei, me levantando devagar. - Já nos divertimos um pouco. Agora preciso arrumar algo para comermos.
Ele continuou me encarando, como se não tivesse certeza do que eu queria dizer.
- Vou até a cidade pegar algumas coisas. - Apontei para a porta. - Você espera aqui por mim, certo?
Ele se inclinou levemente contra minha palma, como se absorvesse meu toque. Mas ao invés de se acalmar, rosnou baixo, quase um sussurro primal, como se deixasse um aviso silencioso.
Minhas pernas tremeram. O que era isso?
O lobo se aproximou, roçando o focinho contra minha perna, como se dissesse que queria vir comigo. Balancei a cabeça, rindo.
- Você não pode ir, grandão. Pessoas na cidade não estão acostumadas com lobos do seu tamanho andando por aí.
Mas ele não se moveu. Pelo contrário, seu corpo bloqueou a porta.
Senti um peso invisível pressionando meu peito. Seus olhos me perfuravam, vermelhos e ardentes. Algo em sua postura dizia que ele não queria me deixar ir. Que não deixaria, se dependesse dele.
Algo aqueceu meu peito com essa constatação.
- Ei... não precisa fazer essa cara - brinquei, me abaixando um pouco. - Eu volto, eu prometo.
Por impulso, pressionei um beijo rápido em seu focinho.
A reação foi imediata. Seus pelos se eriçaram de um jeito feroz, as garras arranharam o chão de madeira num reflexo involuntário. Seu corpo ficou rígido, sua respiração pesada. Mas o que mais me prendeu foi o olhar. Intenso. Faminto. Irracional. Como se meu toque tivesse acendido algo nele que não poderia mais ser apagado.
Seu peito subia e descia devagar, como se estivesse lutando contra algo dentro de si. O cheiro dele ficou mais forte, denso, dominando o ar entre nós. Eu não sabia por quê, mas o impacto daquilo me atingiu de uma forma diferente. Meu coração disparou.
Então, sem aviso, ele recuou bruscamente, como se precisasse se afastar antes de fazer algo que não deveria.
- Te vejo em breve! - disse, pegando meu casaco e saindo pela porta.
Mas enquanto me afastava, ainda sentia o olhar ardente do lobo cravado em mim. E, por algum motivo, meu coração batia rápido demais.
O vento gelado da cidade me atingiu assim que me afastei da cabana, mas o frio era o menor dos meus problemas. Meu peito ainda carregava a estranha sensação da despedida com o lobo. O modo como seus olhos me seguiram, como seu corpo ficou rígido quando o beijei... Algo nele havia mudado.
Sacudi a cabeça, tentando afastar esses pensamentos. Ele era só um lobo, certo? Um lobo enorme, assustador e um pouco territorial, mas ainda assim, um lobo.
Meus instintos estavam em alerta. Cada passo que dava, sentia uma sensação incômoda percorrendo minha pele. Como se alguém estivesse me observando.
Parei por um segundo, forçando-me a ignorar a paranoia. Mas o cheiro veio antes da visão.
Um aroma denso, masculino, cortou o ar. Não era agradável. Era intrusivo. Quente demais. Instintivo demais.
Olhei ao redor, mas não vi nada além de sombras entre os becos. Engoli em seco e apertei o passo, fingindo que não sentia o arrepio subindo pela minha nuca. Isso era coisa da minha cabeça. Tinha que ser.
Foi quando Marco chamou meu nome.
- Enrica!
Me virei a tempo de ver Marco se aproximando com seu sorriso habitual. Ele estava com um casaco grosso e carregava um jornal dobrado embaixo do braço.
- Marco! - sorri, sentindo um calor confortável ao vê-lo.
Ele era meu amigo de infância, alguém que sempre esteve ao meu lado, mesmo quando tudo desmoronou.
- Você ainda tem esse péssimo hábito de falar sozinha na rua - ele brincou, arqueando uma sobrancelha. - Vi você balbuciando alguma coisa antes de me notar. Tá desenvolvendo alguma amizade invisível?
Revirei os olhos, dando um leve empurrão em seu braço.
- Engraçadinho. Eu só estava distraída, é só isso.
Ele riu.
- Sei. Você sempre diz isso.
Começamos a caminhar juntos pelo mercado, trocando trivialidades. Marco sempre tinha uma história engraçada para contar sobre os clientes da loja onde trabalhava, e eu me pegava rindo genuinamente ao ouvir suas reclamações sobre um senhor que aparecia todos os dias para discutir o preço das maçãs.
Mas então, seu tom mudou.
- Você está bem, Enrica? - sua voz saiu mais baixa, preocupada. Seus olhos percorreram meu rosto, demorando-se um pouco mais do que o normal. - Não sei, mas tem algo diferente em você hoje.
Seu olhar se fixou em mim de um jeito que me deixou inquieta. Eu conhecia Marco desde a infância, mas naquele momento, senti algo estranho. Era preocupação... ou outra coisa?