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POV ENRICA
Acordei com uma estranha sensação de vazio, um aperto incômodo no peito que se espalhava antes mesmo que minha mente pudesse processar o motivo. Algo estava errado.
Permaneci imóvel por um instante, esperando que essa impressão se dissipasse, que fosse apenas um resquício de algum sonho que já havia se esvaído na inconsciência. Mas não passou. Era real.
Meu corpo sabia antes mesmo que meus olhos se abrissem. O peso ao meu lado, o calor constante que havia preenchido o pequeno espaço da cabana nas últimas horas, havia desaparecido.
Meu coração perdeu um compasso.
Virei-me devagar, meus dedos deslizando pelo colchão improvisado até onde ele havia estado na noite anterior. Tudo o que encontrei foi o frio.
Meus pulmões se encheram, mas o ar pareceu pesado, difícil de ser puxado.
Eu sabia que isso aconteceria. Ele era um lobo selvagem, pertencente à floresta. Mas, ainda assim, a confirmação de sua ausência me atingiu com mais força do que deveria.
Sentei-me, levando uma das mãos ao rosto enquanto tentava organizar os pensamentos. Eu não podia ficar assim, inquieta por algo que já era previsível. Ele não era meu hóspede, muito menos meu companheiro. Eu o ajudei porque era a coisa certa a fazer, e ele simplesmente se foi. Como deveria.
Então, por que meu peito se sentia tão apertado?
Meu olhar percorreu a cabana, uma parte de mim esperando encontrá-lo em algum canto, ainda fraco demais para ter ido longe. Mas não havia sinal dele. Apenas um detalhe chamou minha atenção.
O cobertor que eu havia usado para cobri-lo estava dobrado sobre minha cama.
Meu estômago se revirou com essa constatação. Ele não havia partido às pressas ou em um instinto de sobrevivência. Ele teve tempo para se levantar, se afastar e ainda deixar aquilo ali.
Me levantei em um impulso, os pés tocando o chão frio de madeira enquanto minha respiração acelerava em uma inquietação crescente. Com passos rápidos, alcancei a porta e a abri, permitindo que o ar cortante da manhã me envolvesse.
O mundo lá fora estava silencioso demais.
A floresta parecia contida, como se segurasse a respiração. Minhas mãos se apertaram contra a borda da porta quando meus olhos encontraram as pegadas na neve.
Elas levavam para a mata densa.
Saí da cabana, meus pés afundando levemente no chão gelado enquanto meus olhos seguiam o rastro. As marcas eram fundas, nítidas. Ele ainda não deveria estar completamente recuperado, e isso significava que não podia ter ido muito longe.
Mas então, elas simplesmente desapareceram.
Apenas neve intocada diante de mim.
Meu coração deu um salto desconfortável. Isso não era normal.
Meus olhos varreram os arredores, buscando alguma resposta para aquilo. Nenhuma trilha secundária, nenhum sinal de um salto, nenhum vestígio de que ele tivesse mudado de direção. Ele estava ali... e então não estava mais.
Minha garganta secou, e um nó se formou em meu peito. Algo não estava certo.
E então, de forma sutil, eu senti.
O ar ao meu redor carregava um cheiro diferente. Forte, denso.
Minha respiração falhou no mesmo instante.
Meu corpo reagiu antes da minha mente processar o que acontecia. Meus pulmões se encheram involuntariamente, minha pele formigou com um calor desconhecido, como se algo invisível me envolvesse e tomasse conta de cada parte de mim.
Minha mente tentou resistir, mas meus instintos gritavam uma verdade que eu não queria admitir.
Aquele cheiro não estava ali antes.
Era marcante, intenso, possessivo.
Minhas mãos se fecharam ao lado do corpo enquanto tentava raciocinar, mas meu lobo se agitou sob minha pele, inquieto, em alerta. Era um cheiro de Alfa.
Engoli em seco.
Eu não tinha certeza se pertencia ao lobo que eu havia resgatado. Poderia ser de qualquer um, poderia ter vindo com o vento. Mas, se fosse dele, por que eu só estava sentindo agora?
Meus olhos se voltaram para a cabana. O cheiro estava lá dentro também. Na madeira, nas paredes. Como se tivesse sido deixado ali intencionalmente.
Minhas entranhas se retorceram com essa ideia.
Eu conhecia muito bem a intenção por trás disso. Era um aviso silencioso.
Alfas não deixavam seus cheiros ao acaso.
Era um sinal de posse.
Meu peito subia e descia de forma irregular, a respiração presa entre a incredulidade e a inquietação. Eu não podia simplesmente aceitar essa ideia sem provas concretas.
Mas então, a sensação de estar sendo observada tomou conta de mim.
Meus instintos ficaram em alerta máximo, cada músculo do meu corpo enrijecendo. Me virei rapidamente, os olhos analisando cada sombra entre as árvores.
Nada.
Nenhum movimento, nenhum som. Mas meu lobo sabia.
Alguém estava ali.
A floresta permanecia imóvel, como se esperasse que eu fizesse algo.
Um frio percorreu minha espinha.
Eu deveria voltar para dentro, ignorar essa sensação, deixar essa história para trás e seguir minha vida como se nada tivesse acontecido.
Mas, por mais que tentasse, algo dentro de mim se recusava a acreditar que aquilo terminaria ali.
Com um último olhar desconfiado para a mata silenciosa, me virei e entrei na cabana, fechando a porta atrás de mim com um peso que não estava ali antes.
Apoiei-me contra a madeira, soltando um suspiro trêmulo, enquanto tentava acalmar meu coração acelerado.
Eu precisava tirar essas ideias da cabeça.
***
POV CALEB
Meus deveres como príncipe exigiam minha atenção, e eu tentava, com todas as forças, me convencer de que nada havia mudado.
Mas era mentira.
Os salões do castelo fervilhavam com a movimentação costumeira, conselheiros discutindo alianças, soldados marchando pelos corredores de pedra, ecos de ordens e estratégias que deveriam ser minha prioridade. Mas não eram.
Minha mente estava em outro lugar.
Com ela.
A lembrança de seu cheiro ainda pairava ao meu redor, insistente como um veneno que não podia ser expelido. O vazio deixado por sua ausência se espalhava dentro de mim como uma ferida aberta. Eu não deveria sentir isso. Eu odiava sentir isso.
- Você está estranho, Caleb. - Samuel quebrou o silêncio ao meu lado, cruzando os braços enquanto me analisava com o olhar atento. - Desaparece por quatro dias, volta cheio de ferimentos e agora age como se estivesse possuído. O que diabos aconteceu?
- Foi um vacilo - murmurei, sem vontade de prolongar o assunto.
- Vacilo? - Oliver ergueu uma sobrancelha, descrente. - Você nunca vacila.
Ignorei a provocação e continuei andando, mas sabia que eles não largariam do meu pé tão facilmente.
- Caçadores - esclareci, seco. - Fui atingido, mas nada grave.
Oliver soltou uma risada irônica.
- Nada grave? Você parecia um maldito cadáver. E como diabos conseguiu escapar daquele jeito?
Minha mandíbula se contraiu. Eu sabia que não conseguiria escapar dessa conversa sem dar respostas. Suspirei, vencido.
- Fui salvo por um ômega.
O silêncio caiu entre nós como um trovão abafado. Os dois se entreolharam antes de explodirem em risadas.
- Você? Salvo por um ômega? - Oliver zombou, apoiando-se contra a parede. - Essa eu preciso ouvir.
Samuel ainda me observava com cautela, sua incredulidade evidente.
- Você nunca aceitou ajuda de ninguém, muito menos de um ômega. O que mudou?
Passei a mão pelo rosto, exausto.
- Eu não tive escolha. Ela me encontrou quando eu estava quase inconsciente e cuidou dos meus ferimentos.
Samuel inclinou a cabeça, avaliando minhas palavras.
- Ela? Então é uma ômega.
- O nome dela é Enrica - admiti, quase contra minha vontade. - Mas não sei muito sobre ela.
Oliver assobiou baixo.
- Uma desconhecida que salvou sua vida? Interessante. Aposto que ela já tem um alfa.
O sangue subiu instantaneamente à minha cabeça. Um rosnado gutural escapou de minha garganta antes que eu pudesse conter.
Oliver me encarou, surpreso, enquanto Samuel ergueu as mãos em rendição.
- Calma aí - ele disse, ainda pasmo. - Desde quando você se importa se uma ômega tem ou não um alfa?
Oliver analisou minha expressão com um brilho divertido nos olhos.
- Você nunca ligou para essas coisas de Luna, de vínculos, de ligação de sangue. Nunca quis se prender a ninguém. Mas agora... - ele estreitou os olhos. - Isso parece te incomodar.
Minha respiração ficou pesada.
Eu odiava admitir, mas a ideia de Enrica pertencendo a outro era insuportável.
- Não seja ridículo - murmurei, tentando retomar o controle. - Só estou dizendo que não devemos tirar conclusões precipitadas.
Samuel e Oliver trocaram um olhar carregado de significado. Meus punhos se cerraram quando Oliver abriu um sorriso zombeteiro.
- Pelo jeito, alguém já deixou sua marca naquela cabana - ele provocou. - Aposto que a floresta inteira sabe que você esteve lá.
Samuel arqueou uma sobrancelha, cruzando os braços.
- Você fez isso, não fez? - seu tom não era acusador, apenas curioso. - Marcou o território.
Outro rosnado reverberou em meu peito antes que eu pudesse impedir. Oliver riu.
- Acho que não precisamos de resposta. Sua reação já disse tudo.
Eu os encarei com um olhar afiado, mas eles não pareciam intimidados.
- Isso não significa nada - retruquei, minha voz saindo mais ríspida do que eu pretendia. - Foi instintivo.
- Ah, claro - Oliver sorriu ainda mais. - Instintivo.
O fato de que estavam certos só tornava tudo pior. Eu sabia o que fiz.
Deixar meu cheiro impregnado na cabana, marcá-la como parte do meu território... eu não deveria ter feito isso.Mas fiz. E agora eu não conseguia parar de pensar nisso. Ou nela.