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POV CALEB
- Quando você vai voltar? - Samuel perguntou de repente, sua voz casual.
Meu olhar disparou para ele.
- Eu não disse que vou voltar.
Oliver riu de novo.
- Não precisa dizer. Nós sabemos. Está estampado na sua cara.
Samuel inclinou-se para frente, sua expressão ficando mais séria.
- Talvez ela seja a certa para você.
Meus ombros enrijeceram. A ideia se enroscou em minha mente como um veneno doce, perigoso e viciante.
- Você sabe que não posso - minha voz saiu baixa, quase um sussurro.
- Por que não? - Samuel insistiu. - Por que seu lobo é instável? Por que tem medo de que ela o rejeite?
As palavras atingiram algo profundo dentro de mim. Era isso. O medo, a insegurança que eu tentava mascarar com raiva e distância.
Meu lobo não era como os outros. Minha transformação era imprevisível. Meu controle, frágil. Meu controle sempre foi uma ilusão bem sustentada, uma barreira entre quem eu queria ser e o monstro que me espreitava sob a pele.
E colocar Enrica perto de algo assim...
- Eu poderia machucá-la - admiti, passando a mão pelo rosto, frustrado.
- Ou ela poderia aceitá-lo como você é - Oliver rebateu. - Já pensou nisso?
Minha respiração ficou pesada. Claro que já havia pensado. Mas aceitar essa possibilidade era tão perigoso quanto a negar.
Samuel deu um sorriso de canto, percebendo minha hesitação.
- O fato de você estar se perguntando isso já diz muito, Caleb.
Eu não respondi. Porque, no fundo, eu sabia que eles estavam certos. E isso tornava tudo ainda mais complicado.
Minhas mãos se fecharam em punhos e, antes que eu percebesse, meus pés já me levavam para fora do salão. Eu precisava de espaço, ar, qualquer coisa que apagasse esse desejo irracional. Mas ao alcançar os portões do castelo, um cheiro carregado pelo vento congelou meu corpo.
Doce. Quente. Inconfundível. Meu coração socou meu peito. Ela.
Mesmo longe, mesmo sem a ver, ainda estava comigo.
Meu coração martelou contra o peito, e uma certeza perigosa tomou conta de mim. Mas essa certeza era um problema. Um erro que eu não podia cometer. Eu não pertencia a esse lugar. Não pertencia a ela. Mas por que, então, meu corpo inteiro gritava o contrário?
As palavras de minha mãe voltaram à minha mente como correntes apertando meu peito.
- Você precisa escolher uma Luna de linhagem real. O futuro do reino depende disso.
Um rosnado silencioso cresceu em minha garganta, e algo dentro de mim despedaçou-se e remontou de forma irreversível.
Eu deveria me importar com o que minha mãe exigia, com a política, com a linhagem. Mas tudo isso desaparecia no instante em que o cheiro de Enrica se misturava ao meu sangue, tornando-se parte de mim.
Desde que a deixei, algo dentro de mim se remexia inquieto, como um animal preso em uma gaiola apertada demais. Um chamado, um instinto, uma necessidade visceral que não dava trégua.
Eu não poderia mais ignorar.
Meus músculos se contraíram quando meu corpo tomou a decisão antes mesmo que minha mente processasse. Não pensei nas consequências. Não pensei no que viria depois. Apenas segui o que meu lobo exigia.
Mas eu não voltaria como príncipe.
Quando alcancei a floresta, me afastei o suficiente para que ninguém me visse e deixei minha forma real tomar o controle. A dor veio primeiro - ossos estalando, músculos se expandindo, pele ardendo no processo brutal de transição, o pelo negro de minha forma lupina. O mundo se tornou mais instintivo, mais afiado. Cada som e cheiro se intensificaram, e entre todos eles, um me puxava para frente. O dela.
Corri pela neve, cortando a escuridão da noite com velocidade brutal. Meu corpo se movia sozinho, guiado por algo que eu não compreendia, mas não ousava desafiar.
E então, a cabana apareceu diante de mim. O cheiro dela ainda estava ali, mas algo estava errado.
Minha respiração desacelerou, captando o gosto da angústia impregnado no ar. Um rosnado baixo escapou da minha garganta, minha pele formigando com uma fúria surda. Ela estava sofrendo. E eu não sabia por quê.
Aproximei-me com cautela, ocultando-me entre as sombras das árvores. Meus olhos captaram a luz fraca tremeluzindo no interior da cabana, meus ouvidos registrando a respiração irregular dela. O desconforto era nítido. Minha mandíbula se travou. O que a estava deixando assim?
Meus passos foram lentos, controlados, enquanto me aproximava. O cheiro dela estava mais forte agora, carregado de algo que fez minha pele formigar. Tristeza.
Meu lobo rugiu em desagrado. O que quer que estivesse causando aquilo, eu odiava.
Eu deveria entrar. Deveria vê-la. Deveria arrancar esse sentimento dela, rasgá-lo com os dentes se fosse possível.
Mas não como homem. Ela ainda não estava pronta para isso. Fechei os olhos por um instante e fiz a única coisa que poderia naquele momento. Soltei um canto baixo, gutural, um chamado primal.
Isso não era sobre desejo, não ainda. Isso era sobre algo primal, sobre a necessidade visceral de protegê-la. De garantir que nada - nem mesmo sua própria mente inquieta - a machucasse.
O som reverberou na noite, sutil, mas carregado de promessa, conforto e autoridade. Um Alfa chamando sua ômega sem palavras. Uma nota profunda, reverberante, que dizia a ela sem palavras que estava segura, que não estava sozinha.
A reação foi imediata. Dentro da cabana, o ritmo errático da respiração dela se acalmou. O cheiro de angústia se dissipou aos poucos, substituído por algo mais morno, mais suave. Meu peito se expandiu quando percebi que havia funcionado. Ela sentia. Mesmo sem compreender, o corpo dela respondia a mim, ao meu chamado. Isso me preencheu de uma satisfação que beirava o perigoso.
A madeira rangeu levemente e, antes que eu pudesse me mover, a porta foi aberta. Lá estava ela.
Os cabelos desgrenhados caíam em ondas rebeldes ao redor do rosto, os olhos verdes arregalados e cheios de algo que eu não soube nomear no primeiro instante. Surpresa. Alívio. Talvez até desejo.
O brilho suave da cabana delineava suas feições, fazendo seu olhar parecer ainda mais intenso, e os lábios levemente entreabertos formavam um convite silencioso. Mas o que me fez prender a respiração foi a forma como sua voz saiu quebrada, rouca, carregada de algo que fez meu lobo se expandir dentro de mim.
- Você voltou.
Sim. Eu voltei. E não pretendia partir tão cedo. Ela não sabia disso ainda, mas já era minha.
O cheiro dela me envolveu assim que cruzei a porta da cabana, e o calor do ambiente contrastou brutalmente com o frio cortante da floresta. Mas não foi isso que me aqueceu. Foi a forma como ela me olhou, com alívio estampado no rosto, como se minha presença fosse a única coisa que impedia a solidão de engoli-la por completo.
Seus olhos deslizaram pelo meu corpo lupino, atentos, perscrutadores. Ela procurava algo. Meus ferimentos.
- Você se machucou de novo? - sua voz saiu baixa, carregada de preocupação.
Eu não respondi. Não podia. Mas me aproximei, deixando que ela me examinasse da forma que precisasse. Meu lobo não recuou quando ela estendeu a mão hesitante, os dedos pequenos deslizando pela minha pelagem negra. Seu toque era leve, quase hesitante, como se tivesse medo de me magoar.
O lado mais selvagem dentro de mim preencheu-se de uma satisfação sombria. A preocupação dela não deveria me afetar tanto, mas afetava. Me encantava, me enlaçava, e eu não tinha vontade alguma de me livrar dessa sensação.
Ela se ajoelhou, os olhos verdes vasculhando cada cicatriz, cada vestígio dos ferimentos que, graças à minha regeneração, já não eram mais do que marcas desbotadas. Quando percebeu que eu estava bem, seus ombros relaxaram, e a tensão que havia em seu rosto se dissolveu.
- Estão curando rápido - ela murmurou para si mesma, com um pequeno sorriso.
Minha respiração quente escapou em baforadas suaves, o peito subindo e descendo devagar enquanto eu apenas a observava.
O cheiro dela ainda estava diferente. Mais leve, mais quente, carregado de algo que eu queria absorver por inteiro.
Ela suspirou e passou as mãos pelos próprios braços, como se tentasse afastar algo invisível.
- Eu tenho me sentido mais sozinha do que imaginava.
Minha mandíbula se contraiu, e meu lobo rosnou baixinho, um som grave e insatisfeito. O que quer que estivesse causando esse sentimento nela, eu odiava. Não deveria incomodar tanto, mas incomodava.
Eu queria afastar essa solidão. Queria que ela sentisse o que era ser protegida, cuidada, reivindicada.
Me movi sem pensar, roçando meu focinho contra sua mão. Ela ofegou, os olhos arregalados antes de suavizarem. Seus dedos se abriram e deslizaram devagar pelo meu rosto, pela minha pelagem espessa.
Ela aceitou meu toque.
Meu peito rugiu de satisfação.
O cheiro dela se aprofundou, aquecido pelo que eu só poderia descrever como conforto. Ela não sabia, mas já estava respondendo a mim, ao meu chamado silencioso, à promessa invisível que meu lobo já havia feito.