Capítulo 10 Presentes (II)

Sirena riu:

- Lembrei daquela vez que ele cortou a sua boca.

- Isto faz seis anos – não contive o riso – Fiquei uma semana de castigo.

- E a outra vez? – ela questionou – Hum, lembrei! Quando vocês tinham quatro anos.

- Não lembro de Nona ter contado para alguém. Era um segredo. – Estreitei os olhos, não me recordando de aquele episódio ter saído da fazenda Palmer.

- Ela não contou para mamãe, mas eu fiquei sabendo.

- E por que... Não contou para mamãe?

- Porque eu não gosto muito de contar as coisas para ela.

Nos encaramos e Sirena alisou meu rosto e deu-me um beijo na ponta do nariz:

- Que seu ano seja maravilhoso, assim como todos os outros que virão – suspirou – Parece que foi ontem que você nasceu... Uma garotinha tão pequena que mal cabia nas roupinhas – sorriu – E os cabelinhos eram escuros.

- Depois virei "cabeça de fósforo" – revirei os olhos.

- Acho que era inevitável! – Ela riu.

- Por que você nunca casou, Sirena? – Me senti à vontade naquele momento para perguntar.

- Porque... Tenho que ajudar a mamãe a manter a casa e cuidar de você. – Apertou o meu nariz, de forma divertida.

- Nunca se apaixonou?

- Não! – ela levantou da cama, ficando séria – Eu trouxe um presente para você.

- Além do bolo? – Fiquei surpresa, levantando ansiosa.

Sirena me entregou um envelope:

- Tome! Faça algo divertido com isto.

Abri o envelope e tinha dinheiro dentro. A olhei e devolvi:

- Não posso aceitar.

- Como não? – Estreitou os olhos, confusa.

- Você trabalha todos os dias, até nos finais de semana. Não posso pegar o seu dinheiro! Sei o quanto se esforça e abre mão de tantas coisas para tê-lo.

Sirena sorriu e me entregou de volta:

- Eu tenho um objetivo nesta vida: trabalhar e guardar dinheiro. Porque assim como todo mundo, também tenho um sonho e quero realizá-lo.

- Qual é o seu sonho?

- Talvez algum dia eu compartilhe com você. Mas por hora, saiba que tenho dinheiro e por isto estou te dando esta quantia.

- Não é pouco! – a olhei, enquanto contava brevemente o valor que tinha ali.

- Você não merece pouco, meu amor! – Me deu outro beijo.

Embora ela tivesse dito que não lhe faria falta, fiquei sem jeito de pegar. Sirena passava a vida trabalhando e parecia errado ficar com aquilo.

- Vá se divertir com Ryan. Aproveitei a noite! – Piscou e foi saindo.

- Eu... – A olhei confusa, fingindo não entender.

- Eu sei que você sai escondida à noite – sussurrou, sorrindo – Mas não se preocupe que nunca irei contar.

- Não contará?

- Por que eu faria isto?

- Porque é... Adulta e estou fazendo algo errado?

- Vou te contar um segredo – ela virou-se para mim – Não sou tão adulta assim.

- Mas você já tem 32 anos.

- Quando chegar nesta idade verá que somos ainda crianças, cheias de sonhos bobos e impossíveis – Sorriu – Apenas pense bem e não faça besteiras.

- Obrigada pelo dinheiro.

- Compre um vestido bonito! – Sugeriu e saiu, fechando a porta.

Um vestido bonito! Como comprar um vestido bonito se minhas pernas quase tinham mais cabelos do que as de Ryan?

Pus uma calça jeans, camiseta, tênis e estava penteando os cabelos quando ouvi a batida na janela. Abri e pulei-a, sendo amparada por Ryan.

- Achei que iria se arrumar! – Ele riu, enquanto me analisava.

- Eu me arrumei!

Ryan meneou a cabeça, sem dizer nada. Olhei-me enquanto caminhávamos até a estrada. Fiquei triste porque ele pareceu decepcionado com a minha roupa. E embora eu falasse sobre praticamente tudo com Ryan, não me senti a vontade para perguntar o que ele esperava que eu vestisse para aquela noite.

Eu sabia que ele se envolvia com as garotas mais bonitas da escola. E todas usavam roupas bem curtas e decotadas. Mas Ryan sempre soube que eu não era como elas e nunca se importou com o meu jeito. Estaria ele vergonha de sair comigo agora, só porque eu não era como as outras?

Pegamos um táxi e para minha surpresa o destino era uma pequena boate que havia na cidade vizinha.

- Se tivesse me avisado, eu teria vestido algo mais apropriado! – Reclamei ao observar o letreiro neon do lugar.

- Para onde achou que iríamos? – Ele me encarou.

- A casa na árvore?

Ryan riu:

- Não acha que já estamos crescidinhos o bastante para eu levá-la para sair na casa na árvore?

- É o nosso lugar!

- Precisa conhecer pessoas novas. E se entrosar.

- "O segredo, querida Alice, é rodear-se de pessoas que te façam sorrir o coração."

- Se não abrir o coração para deixar outras pessoas entrarem, nunca saberá se elas poderão fazê-la sorrir com o coração, querida "Taylice". – Brincou.

- Sou feliz no meu mundinho pequeno, que é o país das maravilhas.

- Seu mundinho está longe de ser o país das maravilhas e você sabe muito bem disto! – Ele me olhou seriamente e pegou minha mão, levando-me para a entrada da boate.

- Eu não tenho uma autorização para entrar. Sabe que minha mãe jamais assinaria.

- Eu fiz uma.

- Como assim?

- Copiei a assinatura de dona Úrsula. – Falou sem arrependimentos, apresentando as duas folhas de papel na portaria, onde nos autorizaram a entrar.

Assim que vi as luzes coloridas brilhando no teto me senti no verdadeiro país das maravilhas. Haviam tantas pessoas que mal dava para andar.

Ryan foi abrindo caminho entre os desconhecidos que bebiam, conversavam e nos cantos se beijavam. Apertei sua mão com força, com medo que ele me perdesse ali. Corria o risco de nunca mais nos encontrarmos entre aquela multidão.

Descemos um degrau e chegamos numa pista de dança. Me senti horrível com aquela roupa e tive vontade de bater em Ryan por não ter me dito que iríamos naquele lugar. Eu poderia ter me ajeitado melhor e colocado pelo menos uma blusa ao invés da camiseta. E uma calça jeans menos surrada. E teria aberto mão do tênis por uma bota.

Ryan começou a dançar e eu fiquei parada, como uma estátua. Eu não sabia dançar.

- Vamos, dance, Taylice. – Começou a se mover no ritmo da dança, fazendo caras e bocas que me fizeram gargalhar – Eu sei que você gosta de dançar.

- Gosto de dançar quando estamos só nós dois! Eu tenho vergonha!

- Eu sei que você consegue! – Pegou meus ombros, forçando-me a movê-los.

Comecei a rir e Ryan disse no meu ouvido, para ser escutado entre a música extremamente alta:

- Espere aqui que já volto!

- Não me deixe sozinha! – Implorei.

- Vou buscar uma bebida. E então você vai dançar. E não se preocupe, eu jamais a deixaria aqui sozinha.

Se tinha uma pessoa que eu confiava na vida, era o meu amigo. Aliás, eu confiava mais em Ryan do que em qualquer outra pessoa.

O movimento do reflexo das luzes coloridas do teto para a pista, faziam minha roupa brilhar. Abri os braços e comecei a observá-las brincando com a minha pele, ora ficando azuis, ora vermelhas e ora verdes. Aquilo era simplesmente incrível.

Ryan voltou minutos depois, com uma bebida.

- O que é isto?

- Apenas beba. Se sentirá mais confiante depois.

- Eu nunca bebi nada alcoólico! – gritei para ser ouvida.

- Para tudo existe uma primeira vez. Sua primeira vez bêbada é hoje! – Sorriu e me fez abrir a boca e engolir um grande gole da bebida adocicada que desceu queimando a minha garganta.

Depois daquele copo eu bebi mais três. E então descobri que eu sabia dançar muito bem... Até melhor que Ryan.

            
            

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