Capítulo 9 Presentes

- É só... Um bolo! – o sorriso morreu nos lábios de minha irmã.

- Não precisava ter gastado dinheiro com isto. Eu já tinha feito um para ela.

- Mas não tem cobertura! – Aleguei.

- Não gosto de comemorar aniversários e vocês sabem muito bem disto.

- Pode... Deixar que comemoramos só nós. – Sirena disse com a voz fraca e minha mãe abriu a boca para revidar quando eu tentei amenizar:

- Mãe, todas as garotas da escola têm festas grandiosas de aniversário. Não vamos brigar por causa de um bolo com cobertura, não é mesmo?

- Eu... Vou querer o bolo que a senhora fez, dona Ursula. – Ryan sentou-se à mesa – Parece estar delicioso!

Logo minha mãe deu um de seus raros sorrisos e pegou o bolo da janela, até esquecendo que estava quente. Quando minha irmã puxou o canto de "parabéns a você" Ryan a acompanhou, mas mamãe, embora presente, ficou calada e imóvel. Realmente ela era avessa a comemorações, de qualquer tipo.

Fiquei olhando para minha irmã e meu melhor amigo, sem saber que reação esboçar. Eu amava fazer aniversário porque sempre ganhava um presente legal de Ryan e da família dele. Mas odiava ficar daquele jeito, sendo o centro das atenções.

Quando enfim acabou a cantoria, Sirena cortou o primeiro pedaço de bolo com cobertura e me entregou.

- Neste você não vai pôr os pés pelo menos. – Ryan debochou, lembrando da nossa festa conjunta de primeiro ano de vida, a qual tantas vezes olhávamos as fotos.

- Mas vou pôr o dedo! – Pisquei e passei o dedo na cobertura de brigadeiro, saboreando meu doce preferido.

Comemos o bolo e logo Sirena foi tomar banho. Ela tinha recém chegado do trabalho. Mamãe foi para a cozinha, certamente limpar algo que já estava limpo. Ela fazia tudo, menos sentar ou descansar. Passava o dia limpando, bordando, costurando ou lendo a bíblia. E só parava exatamente às 21 horas, quando dormia. E no dia seguinte, 6 horas da manhã, estava de pé novamente, fazendo com que o aroma de café passado impregnasse os quartos. E nem dava para brigar, porque (ao menos) o café dela era saboroso.

Sirena não voltou para a sala de jantar e mamãe foi dormir quando deu o seu horário. Então Ryan pegou o embrulho e veio até a mesa, me entregando.

Sorri e abri, rasgando tudo de uma vez, ansiosa. Era um livro de Alice no País das Maravilhas, versão adulta.

O olhei, confusa.

- Eu não li – ele confessou – Mas achei interessante uma versão adulta, já que você tem todas as demais.

- Se minha mãe ver isto ela me mata.

- Por isto eu só lhe dei agora. Esconda num lugar seguro. – Sugeriu.

- Acha que tem algo sobre... – olhei para os lados – Sexo? – sussurrei.

- Eu não tenho ideia – ele deu de ombros – Mas se tiver... Você pelo menos saberá um pouco como funciona. – Usou um tom de voz tão baixo quanto o meu.

- Na minha cabeça Alice e o Chapeleiro sempre foram apaixonados. – Suspirei.

- Por isso sempre queria que eu me vestisse de chapeleiro? – Fez careta, rindo.

- Claro que não, seu bobo. – Imediatamente me veio a imagem dele no banheiro com a calça arriada botando o pênis na Branca de Neve e abaixei o olhar, envergonhada e enojada.

- Está... Tudo bem?

- Eu acho que sim. – Levantei – É hora de você ir embora!

- Eu vim até aqui vê-la e é assim que me trata? E ainda lhe trouxe o seu livro favorito!

- Meu livro favorito é Alice no país das Maravilhas, não na versão adulta.

- Mal agradecida! – Direcionou o rosto para frente, quase encostando a face na minha.

Ryan estava tomando corpo de homem. E me perguntei quanto tempo ele ainda cresceria, já que tinha passado de mim na altura há muito tempo. Seus olhos azuis pareciam ficar cada vez mais expressivos e até os lábios estavam ficando maiores e carnudos. Eu já tinha ouvido algumas pessoas se referindo a ele como "um garoto de traços marcantes". Ele tinha uma mandíbula bem definida e os cabelos castanhos claros já faziam um tempo que não viam um corte.

- Quando você vai cortar os cabelos? – me ouvi perguntando, do nada.

Ele riu:

- Está achando ruim?

- Prefiro quando estão mais curtos.

- Pois saiba que as garotas preferem assim. Fico mais charmoso. – Ajeitou os fios, de forma debochada.

- Ah, seu convencido! – dei um tapinha no peito dele.

- Vamos sair hoje à noite?

- Sabe que eu não posso. – Olhei para ver se ninguém estava escutando a gente.

- Você nunca pôde. E ainda assim sempre saiu. – Ele riu.

- Mas sabe que posso me complicar com a minha mãe se ela souber.

- "Entenda os seus medos, mas jamais deixe que ele sufoque os seus sonhos". Acho que li isto em algum lugar. – Provocou.

Respirei fundo e dei um passo para trás:

- Pegou pesado, Chapeleiro!

- "Eu não sou louco, minha realidade é apenas diferente da sua". – Me brindou com um sorriso.

- Você decorou todas as falas do Chapeleiro?

- E eu tinha alguma outra alternativa e não ser me transformar nele?

- Bem, meu sonho nunca foi sair por aí com você na noite do meu aniversário, mas não tenho nada melhor para fazer. – Brinquei – Então... Vou para o meu quarto, enquanto espero um tempo para ter certeza de que todos realmente estarão dormindo.

- Irei para a minha casa, me arrumarei e passo aqui para buscá-la. – Deu um beijo na minha testa e se foi.

Tomei um banho e quando cheguei no meu quarto, Sirena estava sentada na minha cama. Me olhou e sorriu:

- Você está ficando com corpo de mulher!

- Eu... Acho que não muito. – Fiquei envergonhada, sentindo as bochechas pegarem fogo.

- Isto é inevitável, Tayla. Você vai crescer.

- Eu não queria! – suspirei – Conforme os anos vão passando, sinto o coelho branco passando mais depressa com seu relógio, me dizendo: "Está atrasada! Está muito atrasada!"

- Você não está atrasada. Tudo acontece no tempo que tem que ser.

Suspirei e sentei-me na cama ao lado de minha irmã, ainda com a toalha enrolada no corpo:

- Eu ainda nem beijei de verdade. – Confessei.

- De verdade? – ela riu – E o que seria um beijo de mentira?

- Os que eu e Ryan trocamos – falei, sem jeito, lembrando dos episódios de quando éramos crianças – Isto aconteceu... Duas vezes.

            
            

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