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Acordei tarde. O sol já estava alto, filtrado pelas cortinas do meu quarto, e mesmo assim, parecia que o dia estava coberto por uma sombra. Tinha dormido pouco - se é que tinha realmente dormido. Cada vez que fechava os olhos, revivia o estampido do tiro, o rosto apavorado do homem, o jeito como Justin me olhou depois.
Sentei na cama devagar, como se qualquer movimento brusco pudesse despertar de novo aquela lembrança. Peguei o celular: três mensagens da Mariana, uma do Ethan perguntando se eu estava bem. E nada do Justin.
Desci pra cozinha. Meu pai estava no quintal consertando algo no carro, e o cheiro de óleo e ferrugem invadia a casa. Quando ele me viu, levantou a cabeça e sorriu.
- Dormiu até agora, princesa? - perguntou, limpando as mãos no pano. - Chegou tarde ontem. Onde você foi mesmo?
- Na casa da Mariana - respondi, forçando um tom casual. - Maratona de filmes.
Ele assentiu, satisfeito, e voltou a mexer no capô.
Mariana chegou pouco depois do almoço. Entrou sem bater, como sempre, com uma expressão preocupada e a fala acelerada.
- A gente precisa conversar. Sério, Carla. Aquilo de ontem... você tem noção? O cara levou um tiro. Um tiro. Na nossa frente!
- Eu sei, Mari - murmurei. - Eu sei o que vi.
- E você não tá surtando? Porque eu tô surtando! Aquilo não é normal. O Justin não é normal. E você... você ainda tá tentando achar isso tudo ok.
- Eu não acho que tá ok - rebati. - Só não sei como reagir. É como se tivesse sido puxada pra esse mundo... e agora eu tô dentro.
Mariana me encarou por um tempo. Depois suspirou, derrotada.
- Ele vai foder com a tua vida Carla. Se não for com um tiro, vai ser com outra coisa.
Mais tarde, perto das três da tarde, recebi uma mensagem dele.
Justin: Tá em casa? Tô passando aí.
Mas não respondi.
Meu peito apertou só de ler, como se aquelas palavras carregassem um peso que eu não estava pronta pra segurar. Apaguei a tela, respirei fundo e deixei o celular de lado. Mariana estava certa. Eu precisava de um tempo pra pensar. Só que eu deveria saber que Justin não era o tipo de pessoa que lida bem com silêncio.
Era quase cinco da tarde quando ouvi o barulho do motor. Olhei pela janela e o vi: parado em frente à minha casa, encostado na moto, com os braços cruzados e a expressão cerrada. O cigarro pendurado entre os dedos, já esquecido.
abrir o portão, ele já estava vindo em minha direção.
- Tá surda? - perguntou, direto, com os olhos faiscando. - Eu te mandei mensagem.
- Eu vi. Mas eu...
- Mas o quê, Carla? - ele cortou, mais alto. - Custava responder?
- Eu precisava de tempo pra pensar - disse, tentando manter a calma. - O que aconteceu ontem foi pesado demais. Você atirou em alguém.
- Ele encostou em você! - ele explodiu, aproximando-se mais. - E eu faria de novo. Só que você acha o quê? Que pode ficar me ignorando como se nada tivesse acontecido?
- Eu não te ignorei! - rebati, firme. - Eu tô tentando entender o que tá acontecendo. Comigo, com você. Com isso tudo.
- Isso tudo é simples - rosnou ele. - Você é minha. Só ainda não entendeu isso.
- Eu não sou nada sua, Justin - disse baixo, mas firme. - E se você acha que pode mandar em mim... tá enganado.
Ele ficou em silêncio por um momento. Passou a mão no rosto, como se tentasse se controlar, mas os olhos ainda estavam carregados de raiva.
- Sobe na moto.
- Não.
- Carla... - ele deu um passo à frente, ameaçador.
- Se você me obrigar, só vai provar que tudo que dizem de você é verdade - falei, encarando-o.
Ele parou. Me olhou por longos segundos, até que a raiva começou a se transformar em algo mais contido. Passou a língua pelos lábios, respirou fundo e soltou um meio sorriso amargo.
- Você é teimosa pra cacete.
Virou de costas, chutou o chão com a bota e montou na moto.
- Quando decidir parar de fugir, você sabe onde me encontrar - disse, antes de acelerar e sumir rua abaixo.
Fiquei parada no portão, tentando entender por que aquele alívio parecia tão misturado com um vazio que doía.
E o pior de tudo... é que, mesmo depois daquele surto, parte de mim sabia: isso não tinha acabado. Nem de longe.