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Capítulo 2
Eliza Altheron
As lágrimas escorriam pelas minhas bochechas, mas meu rosto estava impassível. Meus olhos mantive fixos nele.
O homem dirigia como se eu nem estivesse ali, como se a morte dos meus pais, o sangue nas minhas roupas, a dor latejando no peito... tudo fosse apenas mais um dia do seu trabalho sujo.
Mas ele sabia que eu o encarava, vi diversas vezes ele me olhando. Só não sabia o que estava por vir.
Meu coração martelava no peito. Uma parte de mim pedia calma, estratégia. A outra gritava por justiça.
A arma pesava na cintura.
Minhas mãos se moveram antes que a razão impedisse. Peguei a arma e, num gesto rápido, encostei o cano na lateral da cabeça dele.
- Olhe pra mim! - gritei. - Olhe pra mim e me diga a verdade! Quero saber por quê!
Ele não se virou de leve e continuou dirigindo. Nem piscou. Só manteve os olhos na estrada como se nada tivesse acontecido.
- Me diga! Por que matou meus pais? E porque ele assinou minha execução?! Quem é você? Por que eles morreram? - exigi.
Minhas palavras saíram como socos. Desesperadas.
Ele ficou em completo silêncio.
Foi então que falou com a voz baixa, controlada:
- Se quiser morrer, pode atirar. Antes, eu jogo esse carro do penhasco e nenhum de nós verá a luz novamente. Ou - ele continuou, sem pressa - pode guardar essa arma, esperar até chegarmos na sua casa e decidir se quer viver ou morrer.
- Casa? Que casa? Você destruiu tudo o que planejei! Destruiu minha vida!
Furiosa, tirei a arma da cabeça dele e bati com força no apoio do banco, perdendo o controle.
- Covarde. Frio. Desgraçado!
Então eu vi.
Um carro preto atrás de nós, tinha janelas escuras, não pertencia à nossa comitiva. Não era da minha família. Não era do internato, mas eu o reconheci.
O mesmo carro que ficava parado no outro lado da rua nas tardes em que eu caminhava pelos jardins. Eu achava que era paranoia, mas agora ele estava ali, nos seguindo.
- Aquele carro tá seguindo a gente... - falei baixo, quase pra mim mesma.
- Eu sei - ele respondeu sem hesitar.
E naquele instante, tudo fez sentido. Eles não queriam apenas me tirar do internato, queriam mesmo me apagar. Talvez usar meu corpo antes.
Se aquele carro nos alcançasse, talvez não houvesse outra chance. Talvez nem esse homem estranho fosse capaz de impedi-los.
Olhei o velocímetro. O carro diminuía a velocidade para entrar em uma curva. Era agora.
Puxei a maçaneta, abri a porta e me joguei.
O impacto me arrancou o ar. Rolei no chão de terra, sentindo o ombro rasgar contra o chão, os joelhos queimarem, a visão escurecer, mas não parei. Me arrastei até a vegetação densa à beira da estrada. Precisava sumir da vista deles.
Mas ele era mais rápido. Muito mais.
Antes que eu pudesse levantar, ele girou o carro de maneira extremamente louca, fazendo um barulho imenso dos pneus. Então desceu, me agarrou pelo braço e me empurrou contra o tronco de uma árvore, forte o suficiente pra me imobilizar sem me machucar.
Seu corpo era uma parede. Seu cheiro, fumaça, metal e madeira. Sua voz, um trovão contido.
- Você é burra ou só quer morrer mais cedo? - ele rosnou, os olhos faiscando a centímetros dos meus.
- Eu vi aquele carro! Eles querem me matar! Você devia estar do meu lado! Mas também quer me matar! Todos querem, afinal!? - gritei com o pouco de ar que ainda me restava.
Ele não respondeu de imediato. Apenas respirou fundo, os olhos percorrendo meu rosto com raiva... e algo mais.
Alguma coisa brilhou ali por um segundo. Um lampejo de surpresa. Como se ele não esperasse que eu fosse tão... impulsiva.
- Aquele carro tá ali porque eu quis - ele disse, com os dentes cerrados. - Precisávamos confirmar quem estava nos seguindo. Se havia mais deles. Você estragou tudo, princesa. Agora eles vão sumir na próxima curva e a gente perde a chance de descobrir o esconderijo.
Eu pisquei, confusa.
- Você queria ser seguido? É mesmo um louco!
- O chefe quer todos mortos - ele disse, como quem comenta o tempo. - Mas não adianta matar um rato e deixar o ninho.
Meu estômago virou.
- Eu sou a isca? É isso?
Ele se afastou um passo, como se minha indignação fosse uma piada.
- Você é a herdeira de Joseph. A última peça viva da mesa. Eles vão te caçar até o fim.
- E eu vou matá-los antes disso. Mas pra isso eu preciso saber onde estão. E preciso que descanse a porra da bunda no banco do carro e me deixe trabalhar.
Ele passou a mão pelos cabelos, irritado, e chutou o chão, levantando poeira.
- Era só mais uma curva... mais uma maldita curva, caralho! E teríamos eles ao alcance.
- Mas não - ele cuspiu a palavra - Você tinha que bancar a heroína.
Senti o calor subir no rosto.
- Eu tentei sobreviver! Eu vi aquele carro e achei que você estava me levando direto pra eles!
- Eu podia ter matado você dez vezes desde o portão do internato - ele rebateu, se aproximando de novo, o rosto perto demais. - Mas não matei. Sabe por quê?
- Porque você precisava de mim viva? - retruquei, tentando manter a voz firme.
Ele me olhou.
Longo. Como se estivesse avaliando até onde eu conseguia ir com aquilo. Depois sorriu com um canto só da boca. Frio, perigoso.
- Porque se eu tivesse matado você... teria sido fácil demais. E também não fui contratado pra isso.
Seu olhar desceu para a minha boca por um segundo. Rápido, mas eu vi. E meu coração traiu meu ódio com um tropeço.
- Como não foi contratado? Claro que foi.
Ele estendeu a mão, a mesma que antes me empurrou contra a árvore. Dessa vez, com calma.
- Vamos. Antes que alguém volte pra checar se conseguiu te matar e eu resolva dar um empurrão.
"Grosso!" - pensei.
Eu hesitei por um instante. Então deixei que ele me conduzisse de volta ao carro.
E eu ainda queria respostas. Respostas que só ele parecia ter. Então voltei, mas não porque confio.
Voltei porque a guerra tinha acabado de começar - e eu precisava sobreviver até o fim dela.