Capítulo 7 Boato

Capítulo 7

Eliza Altheron

O carro parou em frente à casa grande e silenciosa. As luzes da varanda iluminavam a entrada e a silhueta de Samuel, meu pai, surgiu ali, como uma sombra rígida esperando por mim.

Liam saiu primeiro. Deu a volta e abriu minha porta, o rosto sério, quase inexpressivo, como se nada tivesse acontecido minutos atrás. Eu desci, as pernas ainda bambas, o toque dele latejando entre minhas pernas como uma memória viva que não queria morrer.

Samuel veio em nossa direção, o cenho franzido de preocupação.

- Onde estavam? - perguntou, a voz dura, desconfiada.

Antes que eu pudesse abrir a boca, Liam respondeu, casual:

- Ela saiu - deu de ombros como se fosse nada, como se não tivesse me feito gritar de prazer encostada no capô de um carro minutos atrás - Mas já expliquei como as coisas funcionam aqui. Pode ficar tranquilo.

O olhar de Samuel endureceu ainda mais, e eu senti o peso dele sobre mim, investigando, tentando encontrar algo errado. Mas eu apenas baixei os olhos, me fazendo de cansada.

- Eliza, você sabe que é importante ficar aqui dentro - ele disse, a voz grave, quase paternal. - Lá fora... é perigoso. E casar com Liam também vai te manter segura. Você entende, não é?

Minha garganta apertou. Eu só balancei a cabeça, sem confiar na minha voz. Tudo que eu queria era subir, me trancar no quarto e tentar esquecer o calor que ainda queimava sob minha pele.

- O dia foi longo - murmurei. - Eu só quero descansar.

Samuel me olhou por um momento longo demais, como se quisesse dizer algo. Mas no fim apenas assentiu, com relutância.

- Vai descansar, minha menina.

Eu mal esperei. Subi as escadas, sentindo os olhos deles nas minhas costas. Quando cheguei ao topo, parei um instante para espiar pela fresta da escada. Vi Liam saindo pela porta, sem nem olhar para trás.

Ele não ia dormir aqui.

Uma pontada estranha atravessou meu peito, algo entre raiva e decepção.

"Droga Eliza! Ele é um assassino. Matou seus pais. É seu algoz!"

Fechei a porta do quarto atrás de mim, tentando afastar a imagem dele, mas era inútil. Tudo em mim ainda pulsava com o toque bruto de Liam, com a lembrança dos dedos dele dentro de mim, da boca suja sussurrando promessas indecentes contra minha pele.

Deitei na cama, encarando o teto, tentando me distrair.

Mas só conseguia lembrar do cheiro dele. O calor dele. O jeito como meu corpo se moldava no dele como se tivesse sido feito pra aquilo.

Passei as mãos pelo próprio corpo, envergonhada, tensa. Cada centímetro da minha pele parecia pedir por ele.

Suspirei, frustrada, virando de lado.

- Idiota... - sussurrei para mim mesma, sentindo o rosto queimar. - Esquece esse monstro...

.

No dia seguinte a criada pessoal apareceu pouco depois que eu terminei de me arrumar. Era uma mulher de aparência suave, com o cabelo preso num coque apertado e olhos atentos, que me estudavam com uma delicadeza estranha.

- Eu sou Ágata, senhorita - ela disse, fazendo uma pequena reverência. - Vou cuidar da senhorita daqui em diante.

Tentei sorrir, mas estava nervosa demais para disfarçar. Minhas mãos não paravam de brincar com a barra do vestido, e Ágata percebeu na hora.

- Está tudo bem? - ela perguntou, inclinando a cabeça.

Respirei fundo. Eu precisava saber, antes que enlouquecesse.

- Quais são... as regras daqui? Sobre casamento... virgindade... essas coisas?

Os olhos dela se arregalaram, e eu vi a tensão tomar conta do seu rosto. Ela se aproximou, como se temesse que alguém nos ouvisse.

- A senhorita... não sabe? - murmurou, baixinho. - Ai, meu Deus! Me diz que ainda é virgem!

Senti minhas bochechas queimarem de vergonha. Baixei os olhos e respondi, quase sem voz:

- Sim... infelizmente.

Ágata suspirou, claramente aliviada, levando a mão ao peito.

- Ainda bem! - ela disse. - Aqui é complicado... muito complicado. Tudo é feito com honras. Você não pode não sangrar na noite da festa do casamento.

Arqueei as sobrancelhas, confusa.

- Da festa?

Ela assentiu.

- Sim. Primeiro você assina os papéis, mas a festa é depois... às vezes no final de semana, às vezes só no final do mês, depende da família. É na festa que acontece a consumação. E o noivo tem que apresentar a prova.

Meu coração falhou uma batida.

- Prova? - repeti, quase sem entender.

Ágata fez que sim com a cabeça, com uma expressão tensa.

- O lençol... O noivo precisa mostrar que você era pura. A própria máfia americana manda presentes para a família da noiva e para o noivo quando isso acontece. É um símbolo de respeito e honra.

Minha cabeça girava. Eu mal conseguia raciocinar.

"Nossa..." - pensei, sentindo meu estômago se revirar.

Então era isso. Não teria mais nada com o Liam.

Não podia.

E, pra ser sincera, depois de tudo, eu nem queria mais me sentir daquele jeito de novo... quente, fora de controle... não quando sabia que aqui, um erro desses podia custar muito mais do que só um coração partido.

Ágata percebeu meu choque e se aproximou ainda mais, abaixando a voz.

- Eu sei que é muita informação de uma vez só - disse, com um olhar quase de pena. - Mas é melhor você saber agora do que errar depois.

Assenti, sem conseguir disfarçar o aperto no meu peito.

- Aqui, tudo o que você faz é observado - ela continuou, com um tom grave. - Desde a forma como anda, fala, se comporta... até como olha para os homens.

- Mas eu não... eu nem... - tentei argumentar, gaguejando de nervoso.

Ágata deu um meio sorriso, compreensiva.

- Eu acredito. Mas eles são rigorosos demais. Se alguém interpretar errado... pode complicar para você e para o seu futuro casamento.

Futuro casamento. As palavras ecoaram na minha cabeça, pesadas.

- A mulher precisa ser discreta, recatada... obediente - ela disse, com uma expressão amarga. - Sempre usar roupas que cubram ombros e joelhos. Evitar ficar sozinha com rapazes, mesmo parentes. E nunca discutir com um homem em público.

Respirei fundo, sentindo como se estivesse sufocando.

Ágata se aproximou ainda mais, num sussurro:

- E... nunca demonstre sentimentos por quem não deve. Mulher apaixonada é vista como mulher fraca. E mulher fraca... vira moeda de troca.

- Moeda de troca...? - perguntei, a voz falhando.

Ela assentiu com tristeza.

- Casamentos, alianças, negócios... a senhorita entende, não é?

Meu corpo ficou tenso, um nó se formando no meu estômago. "Liam..." pensei. Eu mal suportava a ideia de esquecê-lo. Ainda sentia o toque dele, a lembrança dele viva em mim.

Eu baixei a cabeça, engolindo em seco.

Ágata suspirou.

- Olha... eu já sei quem será o seu noivo.

Arregalei os olhos, meu coração disparando.

Ela olhou em volta, como se temesse ser ouvida, e depois disse baixinho:

- É o Liam.

Senti meu mundo girar. Era como se o chão tivesse sumido sob meus pés.

- O quê...? - consegui balbuciar, sem acreditar.

Ágata segurou minha mão com firmeza.

- Escuta... você precisa se controlar. Não pode demonstrar isso agora. Não pode olhar para ele diferente dos outros. Vai parecer desespero, paixão proibida... e isso pode fazer o casamento ser cancelado. E aí... - ela hesitou, apertando minha mão - ...você pode ser prometida para outro, alguém bem pior.

Minhas pernas tremiam.

- A única chance que você tem é se manter calma, comportada, recatada - ela insistiu. - Fingir que não sente nada. Deixar que tudo aconteça naturalmente, do jeito que eles querem ver. A mulherada da casa morreria pra ficar com ele, é um homem lindo, só que ninguém daqui teve coragem.

- Porque?

- Existe um boato na cidade. Uma moça que ficou com ele e foi encontrada morta, cheia de sangue sobre a cama. Nua, se é que me entende...

Eu assenti, mas a verdade era que dentro de mim tudo gritava. Será que ele me mataria também? Meu Deus! Como vou casar com um assassino? E pior... Como posso ainda ter uma faísca de curiosidade dentro mim?

Se eu quisesse ficar com ele... teria que jogar o jogo.

Ágata sorriu de leve, como quem entende.

- Você vai conseguir, Eliza. Confia em mim. Ele não parece tão ruim perto de você.

Eu respirei fundo e balancei a cabeça, tentando acreditar nisso também.

                         

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