Ela teve que voltar para a cobertura. Era o último lugar na Terra onde queria estar, mas precisava desempenhar seu papel por mais alguns dias. E precisava fazer as malas.
Ela se moveu pelos cômodos opulentos como um fantasma. Sistematicamente, reuniu cada joia, cada bolsa de grife, cada presente caro que Guilherme já lhe dera. Eram símbolos de um amor que se tornara uma prisão e, agora, eram seu bilhete de saída.
Ela vendeu tudo para um comprador discreto que não fez perguntas e pagou em dinheiro. A quantia era substancial. Era o suficiente para uma nova vida, para o tratamento de Davi, para a liberdade deles. Ela sentiu uma satisfação sombria. Ele havia pago por sua dor em todos os sentidos da palavra. Ela pegou o que precisava e doou o resto para um abrigo para mulheres vítimas de abuso.
Ela estava limpando a última de suas gavetas quando seus dedos tocaram uma pequena caixa de madeira gasta. Ela a abriu. Dentro, aninhado em uma cama de veludo desbotado, havia um par de cavalos de madeira esculpidos à mão. Ela os fizera para Guilherme em seu primeiro aniversário, passando semanas lixando e polindo a madeira até ficar perfeitamente lisa.
Ela se lembrou da expressão no rosto dele quando os deu a ele. Ele ficara genuinamente tocado. Ele os manteve em sua mesa de cabeceira por um ano, um símbolo de algo real em seu mundo de artifícios brilhantes.
Agora, estava enfiado no fundo de uma gaveta, esquecido. Como ela.
Sem pensar duas vezes, ela caminhou até a lareira, jogou a caixa e observou as chamas consumirem o último resquício de seu amor.
Quando se virou para sair, dois dos funcionários da casa lutavam para carregar uma enorme fotografia emoldurada para a sala de estar. Era a foto de noivado deles, a que ela rasgara em pedaços em um acesso de raiva um mês antes, depois de encontrar o batom de Kátia no colarinho de Guilherme.
Guilherme prometera consertá-la e emoldurá-la novamente. "Precisamos dela na sala de estar, Alice", ele dissera, com a voz impaciente. "Mostra uma frente unida."
"Senhora", disse um dos homens, "o Sr. Rizzo quer saber onde a senhora gostaria que isso fosse pendurado."
Alice encarou a foto. Seu próprio rosto, sorrindo brilhantemente, seus olhos cheios de uma esperança que agora estava morta. O rosto de Guilherme, bonito e possessivo, seu braço firmemente em volta dela. A foto era uma mentira mesmo quando foi tirada.
Ela se lembrou daquele dia. Estava de coração partido, mas forçara um sorriso para a câmera. Guilherme ficara no celular o tempo todo, sussurrando e rindo com Kátia, que supostamente estava "coordenando a logística" do escritório. Ele nem sequer olhou para Alice até que o fotógrafo teve que pedir. Foi uma memória dolorosa e humilhante.
Ela olhou para os rostos sorridentes na moldura e soltou uma pequena risada sem alegria.
"Jogue fora", disse ela.
O funcionário a encarou, confuso. "Senhora?"
"Você me ouviu", disse ela, sua voz fria e clara. "Coloque no lixo."
Ela passou por ele sem olhar para trás, deixando a mentira perfeita e sorridente para ser levada com o resto do lixo.