No carro, Guilherme massageou as têmporas. Sentia uma dor de cabeça se aproximando. A imagem de Alice, pálida e tremendo na piscina, continuava a piscar em sua mente. Deixava um gosto amargo em sua boca.
"Você está bravo comigo, Guilherme?", Kátia perguntou, sua voz pequena e tímida.
Ele não respondeu.
Ela tentou tocar seu braço, mas ele se afastou bruscamente, agarrando seu pulso. Ele a encarou, realmente a encarou, pela primeira vez em semanas. O olhar inocente e de olhos arregalados parecia um pouco ensaiado demais.
"Aquele medalhão", disse ele, sua voz baixa. "Era mesmo da sua avó?"
A atmosfera no carro ficou gélida.
"Claro que era", disse Kátia, seus olhos se enchendo de lágrimas na hora certa. "Não vale muito, eu sei, mas significava o mundo para mim." As lágrimas transbordaram, traçando caminhos por suas bochechas.
A determinação de Guilherme vacilou. Ele soltou o pulso dela e a puxou para um abraço. Estava cansado de brigar, cansado do drama. Só queria que as coisas fossem fáceis.
"Desculpe", ele murmurou em seu cabelo. "Foram dias estressantes." Ele pensou nos olhos frios de Alice, nos gritos de Davi. Precisava de uma distração.
"Vou te levar ao haras amanhã", disse ele. "Você pode montar na Estrela."
As lágrimas de Kátia pararam instantaneamente. Ela se afastou, seu rosto radiante. "Sério? O cavalo que você deu para a Alice? Eu posso?"
"Você pode fazer o que quiser", disse ele, um sentimento possessivo e feio agitando-se em seu peito. Ele daria a Kátia tudo o que um dia dera a Alice. Ele a substituiria, a apagaria, até que tudo o que restasse fosse essa nova e adoradora garota.
Kátia gritou de alegria e pegou o celular, tirando uma selfie deles juntos, seu rosto brilhando de felicidade.
Um momento depois, o celular de Alice vibrou. Ela estava sentada em um táxi, a caminho da clínica para ver como Davi estava. Ela olhou para a tela. Era uma mensagem de um número que ela não reconhecia.
Era a selfie de Guilherme e Kátia.
Abaixo, uma mensagem: *Ele está me levando para montar no SEU cavalo amanhã. E a propósito, aquele medalhão? Comprei numa feira por vinte reais semana passada. ;) Ele acredita em tudo que eu digo.*
Os dedos de Alice tremeram. Ela digitou uma única palavra de volta: *Aproveite*.
Então ela bloqueou o número, desligou o celular e olhou pela janela para as luzes borradas da cidade.
Ela pegou Davi na clínica. Ele estava dormindo no banco de trás, agarrado a um pequeno bloco de madeira. Parecia tão frágil. Ela fez um voto silencioso. Ela o levaria para longe. Ela o protegeria.
Na manhã seguinte, duas boas notícias chegaram. Seus novos passaportes e documentos de identidade estavam prontos para retirada. E um e-mail de uma clínica neurológica suíça confirmou que eles aceitariam Davi em seu programa de renome mundial. O e-mail mencionava uma possível bolsa de pesquisa que poderia cobrir as despesas, mas a inscrição era competitiva e exigiria uma análise separada e demorada.
Alice chorou de alívio. Era um milagre. Uma tábua de salvação.
Ela só precisava voltar à cobertura uma última vez. Havia algumas coisas de sua mãe que ela não podia deixar para trás, e queria se despedir de Heitor, o chefe de longa data da equipe da casa dos Rizzo, um velho gentil que sempre lhe mostrara uma compaixão silenciosa.
Ela acomodou Davi no hotel do aeroporto, prometendo voltar em algumas horas. Então pegou um táxi de volta para a gaiola dourada.
Ela estava empacotando as cartas antigas de sua mãe quando Heitor invadiu o quarto, seu rosto pálido de pânico.
"Sra. Medeiros! A senhora tem que ir para o haras! Agora!"
"O que foi, Heitor?"
"É o Sr. Rizzo", disse ele, torcendo as mãos. "E a Sra. Rodrigues. Ela... ela alega que a Estrela a derrubou. O Sr. Rizzo vai... ele vai matar o cavalo."
O mundo de Alice parou. Não a Estrela. Não sua linda e gentil égua.
Ela não esperou para ouvir mais. Voou para fora do quarto, desceu pelo elevador e para a rua, chamando um táxi com um aceno frenético. Seu coração batia em seu peito, um tambor selvagem e aterrorizado. *Por favor, esteja bem, por favor, esteja bem, por favor, esteja bem.*