Ela abriu a galeria de fotos dele. Era um santuário. Centenas de fotos de Beatriz. Fotos espontâneas de reuniões de família, capturas de tela de redes sociais, fotos que ele devia ter tirado quando ninguém estava olhando. Beatriz rindo, Beatriz falando, Beatriz apenas existindo.
Havia apenas três fotos de Lara. Todas eram fotos de grupo onde ela por acaso estava perto de Beatriz.
Então ela encontrou o aplicativo de notas. Era um diário. Um registro de sua obsessão.
"A flor favorita dela é o lírio branco."
"Ela odeia café, mas ama chá Earl Grey."
"Hoje ela usou um vestido amarelo. Parecia o sol. Dante é o homem mais sortudo do mundo. Eu o odeio."
Continuava por páginas, um catálogo meticuloso da vida de outra mulher, intercalado com suas próprias anotações agonizantes sobre amá-la de longe.
Enquanto ela estava ali, absorvendo o escopo completo e patético de sua ilusão, ouviu a porta da frente se abrir no andar de baixo. O Sr. e a Sra. Monteiro estavam de volta de sua viagem de fim de semana.
Ela não conseguia respirar. Deixou o celular cair e fugiu do quarto, um grito silencioso preso na garganta.
De volta ao seu próprio quarto, aquele que sempre pareceu emprestado, ela finalmente deixou a represa se romper. Ela caiu no chão, o corpo sacudido por soluços silenciosos e sem lágrimas. Não era apenas um coração partido. Era uma humilhação profunda e celular que fazia sua pele arrepiar.
Quando a tempestade passou, ela ficou com uma calma fria e dura.
Ela se levantou e começou a fazer as malas.
Ela foi metódica. Pegou uma mala e começou a enchê-la com as poucas coisas que eram verdadeiramente suas. As fotos antigas de seus pais. Um exemplar gasto de seu livro favorito. As roupas simples e funcionais que comprara com sua pequena mesada.
Tudo o que os Monteiro já lhe deram - os vestidos de grife, as joias, os sapatos caros - ela juntou em uma grande pilha no meio do quarto. Encontrou o mapa estelar que Arthur lhe dera no observatório e o jogou em cima. Depois, adicionou a flor seca que ele lhe dera no primeiro "encontro".
Ela estava expurgando sua vida da influência deles, peça por peça.
Nesse momento, bateram à sua porta. Era a Sra. Monteiro.
"Lara", disse ela, a voz ríspida e profissional, os olhos varrendo a pilha de artigos de luxo descartados com desdém. "Pare com essa tolice. Seu pai e eu temos algo a discutir com você. No escritório. Agora."
Ela não perguntou por que os olhos de Lara estavam vermelhos. Ela não se importava.
Lara limpou rapidamente o rosto, a máscara familiar de compostura voltando ao lugar.
"Claro", disse ela.
No escritório formal, com sua arte caríssima e silêncio sufocante, o Sr. Monteiro foi direto ao ponto.
"Nós arranjamos um casamento para você."
Lara o encarou, sem compreender.
"Com Caio Salles", ele continuou, como se discutisse uma transação de ações. "O magnata da tecnologia de Florianópolis. Um homem brilhante. É uma união muito vantajosa para a família."
"Mas... por quê?", Lara perguntou, a voz pequena e quebrada.
"Ele é paraplégico", acrescentou a Sra. Monteiro, com um toque de aversão na voz. "Um acidente de carro há alguns anos. Mas a empresa dele está prestes a ter um avanço tecnológico importante, e uma parceria seria inestimável para a divisão de tecnologia das Empresas Monteiro."
Eles não estavam mais usando apenas suas emoções. Estavam vendendo-a. Corpo e alma.
"Você é nossa filha adotiva, Lara", disse o Sr. Monteiro, os olhos como lascas de gelo. "Você tem um dever para com esta família. Nós a acolhemos quando você não tinha nada."
Ela se lembrou do dia em que a adotaram. Uma jogada de marketing calculada depois que seus pais, dois cientistas brilhantes, morreram numa explosão no laboratório causada por equipamento defeituoso fornecido pelos Monteiro. Os Monteiro abafaram a história, adotaram a filha órfã e se pintaram como salvadores. Sua vida inteira tinha sido uma transação.
Ela olhou do rosto frio do Sr. Monteiro para o rosto desdenhoso da Sra. Monteiro. Depois, pensou em Dante, que escolheu uma fusão em vez dela, e em Arthur, que a usou como substituta para outra mulher.
Não havia mais nada para ela aqui. Nenhum amor. Nenhuma família. Apenas uma série de traições.
"Quando é o casamento?", ela perguntou, a voz desprovida de qualquer emoção.
A Sra. Monteiro pareceu surpresa, depois satisfeita com sua rápida conformidade. "Na próxima semana. Já fizemos os arranjos. Você voará para Florianópolis amanhã."
Era uma sentença. Uma sentença de prisão perpétua. E Lara, sem nada a perder, aceitou. Este era o preço da caridade deles.
De repente, Arthur invadiu a sala, o cabelo ainda úmido.
"Do que vocês estão falando? Um casamento? A Lara está comigo!", ele declarou, agarrando o braço dela.
"Não seja ridículo, Arthur", sua mãe retrucou. "Isso é negócio."
"E isso é pessoal", Arthur respondeu, os olhos selvagens. "Ela me ama!"
Ele a puxou para o corredor, o aperto firme. "Lara, diga a eles", ele insistiu, a voz um sussurro desesperado. "Diga a eles que você não vai fazer isso. Nós podemos ficar juntos."
Lara olhou para o rosto frenético dele, o rosto de um homem tentando impedir que seu brinquedo favorito fosse tirado. Ela não sentiu nada. Uma parte dela, a parte pequena e ingênua que ele havia manipulado com tanta perícia, já estava morta.
No momento em que a porta do escritório se fechou atrás deles, ele a virou e pressionou a boca contra a dela.