Passou a noite inteira expurgando a cobertura de todos os vestígios de Bruno Barreto. Cada foto emoldurada deles foi retirada, o vidro quebrado, as imagens rasgadas em pedaços. Cada presente que ele já lhe dera - presentes indiferentes e obrigatórios de aniversários e feriados - foi jogado em sacos de lixo.
Os ternos feitos sob medida em seu armário, os perfumes caros em sua cômoda, os livros em sua mesa de cabeceira - tudo se foi. Ela trabalhou com uma fúria metódica, uma satisfação sombria crescendo a cada item que descartava. Ao amanhecer, o apartamento estava estéril, meio vazio, um espaço oco que finalmente refletia a verdade de seu relacionamento.
Bruno voltou na manhã seguinte, esperando lidar com mais um de seus "episódios". Ele entrou e parou abruptamente, seus olhos percorrendo a sala de estar despojada.
"Que diabos é isso?", ele exigiu, a voz afiada de irritação.
"Estou limpando", disse Clara, a voz calma. Ela estava sentada no sofá, tomando café, a mão engessada apoiada no colo.
"Você ainda está de birra por causa de ontem?", ele zombou. "Eu disse que cuidaria da Kaila. Você não precisa fazer um escândalo."
"Isso não é um escândalo", ela respondeu, sem olhá-lo. "Estou apenas me livrando de coisas que não preciso mais."
Ele estreitou os olhos, estudando-a. Assumiu que era uma nova tática, outra jogada desesperada para chamar sua atenção. Estava tão acostumado a vê-la lutar por ele que não conseguiu reconhecer que ela finalmente havia parado.
"Suas ameaças não funcionam comigo, Clara. Não me importo se você jogar fora todas as minhas coisas", disse ele friamente.
Ela finalmente se virou para olhá-lo, um sorriso fraco e curioso nos lábios. Agora que o amor se fora, ela sentia uma estranha sensação de desapego. "Tenho uma pergunta para você, Bruno."
Ele esperou, irritado.
"Por que você concordou com este noivado? O verdadeiro motivo."
"Eu já te disse", disse ele, acenando com a mão com desdém. "Nossas famílias. Foi uma boa decisão de negócios."
"Uma decisão de negócios", ela repetiu suavemente. Um peão. Era tudo o que ela sempre fora para ele. A constatação nem doía mais. Era apenas um fato, frio e duro.
Ela respirou fundo, as palavras se formando em sua língua. O noivado está desfeito.
Mas antes que pudesse falar, o celular dele tocou.
Sua expressão, que era uma máscara de irritação, suavizou-se instantaneamente. A mudança foi tão abrupta, tão completa, que foi como assistir a uma pessoa diferente emergir.
"Kaila", ele murmurou no telefone, a voz uma carícia baixa e gentil. "Você está bem? Dormiu bem?"
Ele ouviu por um momento, de costas para Clara. "Não se preocupe, estarei aí em breve."
Ele passou por ela na sala de estar, indo em direção a uma pequena caixa antiga na lareira. Abriu-a e tirou um colar de pérolas. Era um presente que Kaila havia admirado, um que ele comprara para ela e deixara aqui.
Ele havia voltado pelo colar de Kaila. Não por ela.
A última e microscópica partícula de dúvida desapareceu. Acabou. Verdadeiramente, finalmente acabou.
Uma risada amarga escapou de seus lábios, seguida por uma única lágrima silenciosa que traçou um caminho por sua bochecha machucada.
Ela descansou, depois se preparou para o Gala Esplendor anual naquela noite. Era um dos maiores eventos do calendário social de São Paulo. Ela escolheu um deslumbrante vestido preto com as costas nuas, um vestido que gritava confiança e desafio.
No baile, a cena que ela esperava a aguardava. Bruno estava lá, e Kaila se agarrava ao seu braço, radiante em um colar de diamantes que Clara sabia que custava mais do que um carro pequeno.
Seu coração deu um tremor familiar e doloroso, mas ela o forçou a se acalmar. Era apenas um reflexo, o membro fantasma de um amor há muito morto.
Bruno mimava Kaila abertamente. Ele lhe trazia champanhe, ajustava seu xale quando ela tremia e ria de suas piadas, seus olhos cheios de uma luz que ele nunca, jamais, mostrou a Clara.
Os sussurros a seguiram enquanto ela se movia pela multidão.
"Olhe para ele, ele nem tenta mais esconder."
"Pobre Clara. Ela é uma piada. Todo mundo sabe que ele só a está usando pelo nome da família."
"Ouvi dizer que ela está enlouquecendo. Um amigo de um amigo disse que ela teve um colapso completo na semana passada. Dou seis meses para ela acabar em um sanatório."
As palavras flutuavam ao seu redor, afiadas e cruéis. No passado, elas a teriam cortado até o osso. Naquela noite, pareciam distantes, como o barulho de outra sala.
Não vou enlouquecer, pensou ela, uma fria determinação se solidificando dentro dela. Vou me vingar.
Ela terminaria o noivado. Cortaria todos os laços. Faria com que ele visse o que havia jogado fora.
Precisando de um momento de silêncio, ela saiu para uma das grandes varandas com vista para as luzes da cidade.
Um momento depois, uma voz pingou veneno atrás dela. "Ainda tem coragem de mostrar o rosto depois que mandei te espancar?"
Era Kaila.
"Pensei que você estaria em casa, chorando no travesseiro", Kaila zombou, aproximando-se. "Mas acho que você já está acostumada com a humilhação."
"O Bruno só te mantém por perto pelo nome da sua família", Kaila continuou, a voz um sussurro cruel. "Ele mesmo me disse. Ele te acha chata. Previsível."
Clara se virou para encará-la, a expressão indecifrável.
"Meu nome é Clara Gouveia", disse ela, a voz firme e clara. "Era meu nome antes de conhecer o Bruno, e será meu nome muito depois que ele for uma nota de rodapé na minha vida. Você, por outro lado, não é nada sem ele."
Ela deu um passo mais perto, seus olhos se fixando nos de Kaila.
"Você é uma parasita, Kaila. Uma parasita bonita e gananciosa. Mas parasitas não sobrevivem sem um hospedeiro. Ele nunca vai se casar com você. Você nunca terá um título, nunca terá um nome. Você sempre será apenas a amante, o segredinho sujo."
Ela sorriu, uma curva lenta e fria de seus lábios.
"Agora me diga, qual de nós é mais patética?"