Estava feito. Eu estava acabada. Não havia mais nada da mulher que amou Heitor Scottini. Ele a arrancou de mim, pedaço por pedaço doloroso.
Uma memória surgiu. Minha mãe, fraca e frágil em sua cama de hospital após o incidente no galpão. Ele a colocou lá. Sua saúde já frágil se despedaçou.
O telefone na minha mesa de cabeceira tocou, estridente e exigente. Era o hospital.
"Senhorita Moraes? É sobre sua mãe. A condição dela piorou. Ela precisa de um transplante de pele de emergência. O órgão doador está disponível, mas precisamos do seu consentimento para proceder imediatamente."
"Sim", eu disse sem hesitar, minha própria dor esquecida. "Façam. Custe o que custar, apenas salvem-na."
Vesti algumas roupas e corri para o hospital, meu coração batendo com um terror familiar. Sentei-me do lado de fora da sala de cirurgia, as paredes brancas e estéreis se fechando sobre mim.
De repente, as portas da sala de espera do centro cirúrgico se abriram. Um grupo de homens de terno preto invadiu, liderado por um dos tenentes de Heitor.
"O que vocês estão fazendo?", exigi, pulando de pé. "Vocês não podem entrar aí!"
"Não estamos aqui por você", disse o homem, me empurrando com tanta força que caí. "Precisamos da pele doadora. A Sra. Neves sofreu um acidente terrível. Ela precisa mais."
Olhei incrédula. "Vocês estão loucos? Minha mãe vai morrer sem isso!"
Nesse momento, eu a vi. Jasmim. Ela estava no final do corredor, apoiada em muletas, um sorriso presunçoso no rosto.
"Esse é o ponto, querida", ela articulou silenciosamente.
Olhei pela janela da porta da sala de cirurgia. Eles estavam lá dentro, discutindo com os cirurgiões, tentando pegar fisicamente o cooler contendo o órgão doador. Vi minha mãe na mesa, seu corpo sendo sacudido no caos.
Uma raiva primal explodiu no meu peito.
Voei para a sala de cirurgia, um grito selvagem rasgando meus pulmões. Empurrei os homens para longe da mesa, me posicionando na frente do corpo da minha mãe como um escudo.
"NÃO TOQUEM NELA!", rugi, meus olhos em chamas.
A comoção o trouxe. Heitor apareceu na porta, seu rosto uma máscara de aborrecimento frio.
"Qual o significado disso?", ele perguntou.
Seus homens apontaram para mim. "Senhor, ela não quer ceder a pele doadora para a Sra. Neves."
Jasmim mancou para frente, fazendo uma performance magistral de fragilidade dolorida. "Está tudo bem, Heitor. Eu posso esperar. Não quero que a Aline fique chateada. Eu só... vou ter que viver com as cicatrizes."
Os olhos de Heitor endureceram. Ele deu um aceno curto para seus homens. "Tirem-na do caminho."
Eles agarraram meus braços, seus apertos como faixas de ferro.
"NÃO!", gritei, lutando com todas as minhas forças. "Heitor, por favor! Ela está morrendo! O médico disse que ela precisa agora! Por favor!"
Ele nem sequer olhou para mim. Virou-se para Jasmim, sua expressão suavizando. "Vamos. Eu cuido disso."
Ele começou a se afastar, parando na porta. "Mantenham-na aqui", ele disse aos guardas que me seguravam. "Mas certifiquem-se de que a velha não morra. Seria... inconveniente."
Ele saiu.
Eles me seguraram firme, minhas lutas frenéticas inúteis. Através do vidro, observei com horror enquanto eles pegavam o cooler. Vi o cirurgião levantar as mãos em derrota.
E então eu ouvi.
O bipe longo, constante e devastador do monitor cardíaco.
Beeeeeeeeeeeeeeep.
Ecoou no silêncio súbito e ensurdecedor.
Os guardas me soltaram. Tropecei para frente, minhas pernas dormentes.
Ela se foi.
O último pedaço do meu coração, a única pessoa que já me amou incondicionalmente, se foi.
E ele a tinha matado.