Enquanto eu estava sentada em um banco do lado de fora do necrotério, segurando uma caixa pequena e pesada, meu celular vibrou. Era uma mensagem de vídeo. De Jasmim.
Eu abri.
Ela estava no que parecia ser um quarto de hotel, vestindo uma lingerie preta transparente. A câmera se moveu, e lá estava Heitor, desabotoando a camisa, seus olhos escuros com uma fome que eu conhecia muito bem.
Ele a encurralou contra uma parede, sua boca se chocando contra a dela. Os sons eram grotescos, íntimos. Seus gemidos falsos e os rosnados guturais dele.
Minha mente estava entorpecida, mas uma parte de mim, uma parte pequena e teimosa, ainda sentia a pontada de dor.
Minha mãe estava morta. Seu corpo nem estava frio. E ele estava com ela. Comemorando.
Fechei o punho, minhas unhas cravando na palma da mão até sangrar.
Meu celular vibrou novamente. Uma mensagem de texto. De Heitor.
Jasmim está com fome. Pegue a massa favorita dela no Fasano e traga para o Four Seasons. Ela ficou muito assustada com seu surto no hospital. Este é o seu pedido de desculpas.
Comecei a rir. Era um som horrível e quebrado. Ele estava exigindo que eu servisse a mulher que efetivamente assassinou minha mãe, como um pedido de desculpas pela minha dor.
Ele nem sabia que ela estava morta. Ele não se deu ao trabalho de verificar.
Desliguei o telefone. Terminei os arranjos, meus movimentos robóticos. Comprei a massa. Dirigi até o hotel.
Este era o fim. Ele tinha tirado tudo. Agora, eu tiraria a mim mesma.
Bati na porta de sua suíte penthouse. Ele abriu, parecendo irritado.
"Por que demorou tanto?"
Estendi a sacola, meu rosto uma máscara em branco. "Aqui."
Seus olhos caíram sobre minhas mãos, sobre as marcas vermelhas e cruas em minhas palmas onde minhas unhas haviam cravado. Um brilho de algo - inquietação? - cruzou seu rosto.
"Aline...", ele começou, estendendo a mão para mim.
Eu recuei, um recuo violento e involuntário. "Não me toque."
Ele congelou, sua mão pairando no ar. Um olhar perigoso entrou em seus olhos. "O que você disse?"
"Eu disse", repeti, minha voz seca e morta, "não me toque."
Ele me encarou, seu maxilar se contraindo. "Você ousa ter repulsa de mim?"
Eu não disse nada. A imagem do vídeo, de suas mãos no corpo dela, estava gravada em minha mente. Senti-me enjoada.
Seu rosto se contorceu de raiva. Ele me agarrou, me jogando contra a parede, sua boca esmagando a minha em um beijo brutal e punitivo. Lutei, mas ele era forte demais.
"Você está apenas fazendo birra por causa da sua mãe", ele rosnou contra meus lábios. "Ela está bem. Vou conseguir os melhores médicos para ela, o melhor tratamento. Vou compensá-la. Agora pare com essa bobagem."
Ele se afastou, seus olhos brilhando. "Mas seus ataques de nervos precisam ter um limite, Aline. Cruze-o novamente, e você descobrirá o que são consequências de verdade."
Olhei para ele, meus olhos vermelhos e vazios. Ele não sabia. A ironia era tão espessa que eu poderia engasgar.
O que mais ele poderia fazer comigo? O que era mais aterrorizante do que o inferno em que eu já estava?
De repente, a porta da suíte se abriu.
Meia dúzia de policiais invadiu. "Ninguém se mexe!"
Um oficial se adiantou, seus olhos percorrendo a sala. "Estamos investigando um incidente no Hospital das Clínicas. Uma paciente, Iara Moraes, morreu devido à interferência ilegal em um procedimento cirúrgico."
Meus olhos dispararam para Jasmim, que se encolhia atrás do sofá. Até ela parecia chocada por eles estarem ali. Ela não esperava por isso.
Então Heitor fez o impensável.
Ele deu um passo à frente, apontando um dedo diretamente para mim.
"Foi ela", ele disse, sua voz fria e firme. "Ela fez isso. Ela estava histérica e causou a perturbação que levou à morte de sua mãe."
Eu o encarei, minha mente incapaz de compreender a traição. Minha respiração falhou. Minha voz era um sussurro rasgado.
"Heitor... o que você está dizendo?"
Ele se aproximou, me puxando para um canto, longe da polícia. Seu sussurro era apenas para meus ouvidos.
"Jasmim não pode ter ficha criminal", ele sibilou. "A família dela é muito rigorosa. Isso a arruinaria. Mas você... você não tem nada. Ninguém. Eu sou seu dono. Posso te sustentar pelo resto da sua vida. Eu te tiro daqui em uma semana, talvez duas. Apenas uma advertência. Seja uma boa menina e assuma a culpa por ela."
O mundo ficou em silêncio. Tudo que eu conseguia ouvir era o sangue correndo em meus ouvidos.
Meu coração não apenas se partiu. Virou pó.
Olhei em seus olhos, procurando por um vislumbre do homem que um dia amei. Não havia nada. Apenas crueldade fria e calculista.
Ele viu minha expressão. Ele viu a devastação final e absoluta. Ele recuou, por um segundo, um tremor percorrendo-o antes de desviar o olhar.
Então ele se virou para a polícia. "Eu tenho imagens de segurança do hospital. Isso provará tudo o que eu disse."
Claro que ele tinha. Ele fabricaria qualquer evidência necessária para protegê-la. Para me sacrificar.
Meu sangue gelou, depois ferveu. Uma risada, aguda e frágil, escapou dos meus lábios.
Uma palhaça. Eu era uma palhaça patética e ridícula em seu circo doentio.
Eu amei o homem errado. E paguei por isso com tudo o que eu tinha.