Ele desceu da carruagem com a graça estudada de quem sabe o peso que carrega em cada gesto. Alto, imponente, com o olhar seguro e um sorriso que tantas vezes a havia feito acreditar em ilusões, o homem aproximava-se como se fosse dono de tudo ao redor. O noivo prometido, aquele que, por anos, havia fingido ser seu guardião e amante, mas que não passava de uma serpente envenenada escondida sob pele de príncipe.
Seu coração apertou-se. A memória de suas mãos frias a empurrando para a ruína voltou como uma lâmina, mas desta vez não houve lágrimas. Havia, em seus olhos, apenas a clareza gélida de quem já não se deixava enganar.
- Minha querida - ele disse ao subir os últimos degraus, inclinando-se para beijar-lhe a mão. - Está ainda mais linda do que me lembrava.
Na vida anterior, aquele simples gesto teria arrancado-lhe um sorriso tímido, teria feito seu coração disparar e acreditar que o destino lhe sorria. Agora, ela conteve o impulso de recuar e permitiu o toque, mas seus olhos permaneceram frios, observando cada detalhe, cada nuance da expressão dele.
- É bom vê-lo novamente - respondeu, a voz suave, mas firme, como se fosse uma atriz em sua melhor atuação.
Ele ergueu os olhos, tentando decifrá-la, e por um breve segundo pareceu surpreso. Havia algo diferente nela, algo que não se encaixava na imagem da noiva ingênua que ele conhecia. Mas logo o sorriso perfeito retornou, ocultando qualquer suspeita.
Durante o almoço, o salão foi tomado por risadas e conversas animadas. O pai dela, orgulhoso, falava dos negócios em expansão, enquanto a mãe comentava sobre os preparativos para o noivado. O noivo traidor fingia interesse, elogiando cada detalhe, lançando olhares ternos para a noiva como se ela fosse seu mundo. Mas ela sabia. Sabia que, por trás de cada palavra doce, escondia-se a promessa secreta feita à falsa filha - a impostora que, naquele momento, talvez estivesse sorrindo em algum canto, acreditando-se vencedora de uma batalha que nem havia começado.
Ela observava em silêncio, deixando que a encenação continuasse. Queria gravar em sua mente cada gesto dele, cada mentira bem colocada, para um dia poder destruí-lo com as próprias armas.
Quando a refeição terminou, caminharam juntos pelos jardins. Ele segurou-lhe o braço com delicadeza, conduzindo-a entre as flores recém-regadas.
- Parece cansada - comentou, a voz suave, quase preocupada. - Espero que não esteja sobrecarregada com os preparativos.
Ela sorriu, um sorriso que não alcançou os olhos.
- Estou bem. Apenas refletindo.
- Refletindo? - Ele arqueou uma sobrancelha. - Sobre o quê?
Ela parou diante de uma roseira e tocou uma pétala vermelha. O coração batia acelerado, mas sua voz permaneceu firme.
- Sobre como as aparências podem enganar.
O silêncio entre eles durou um segundo a mais do que deveria. Ele a observou, o sorriso vacilando por uma fração de instante, antes de recuperar a compostura.
- Que pensamento curioso para uma jovem prestes a se casar.
- A juventude aprende rápido quando precisa - respondeu ela, erguendo o olhar para o dele, que tentava sondá-la.
Ele riu, mas o som pareceu vazio. Aproximou-se mais, baixando a voz.
- Você sempre foi diferente das outras. Talvez seja isso que mais me fascina.
Ela conteve o impulso de cuspir-lhe a verdade na cara: que o único fascínio que ele nutria era pelo poder que sua família representava, e que seu coração já estava entregue à falsa filha. Mas respirou fundo. A vingança precisava ser construída com paciência, tijolo por tijolo.
Ao entardecer, quando ele finalmente se despediu, inclinou-se outra vez para beijar-lhe a mão. Dessa vez, ela não apenas permitiu, como também inclinou-se ligeiramente para que ele acreditasse em sua docilidade. O jogo precisava continuar.
Mas, quando a carruagem se afastou, o olhar dela escureceu. O sorriso da serpente não a enganaria mais.
Retornou ao quarto e trancou-se sozinha, abrindo novamente o caderno onde rabiscava planos. Escreveu em letras firmes:
"Não me apaixonarei novamente. Não cairei na farsa. Vou proteger meu pai, minha mãe, e... vou encontrá-lo."
A lembrança do homem em coma, do amigo de infância que jurara estar ao lado dela, veio como um sopro de esperança. Enquanto o traidor tramava pelas sombras, ela se fortalecia na luz da determinação.
E assim, naquela noite, selou em silêncio o pacto com si mesma: nunca mais seria a noiva enganada. Seria a herdeira verdadeira, e seu legado começava a ser escrito naquele instante.