Naquela manhã, a Sabrina entrou na sede da Castellani Group pela primeira vez. O prédio erguia-se como uma muralha de vidro contra o céu cinzento, e cada janela refletia o poder de um império construído sobre ferro e petróleo. Homens de terno a observavam com curiosidade enquanto ela atravessava o saguão. Alguns cochichavam, outros apenas desviavam o olhar.
O diretor financeiro, Sr. Barreto, veio recepcioná-la com um aperto de mão frio.
- Senhora... - fez uma pausa, como se tivesse dificuldade em pronunciar o título. - Curadora. Bem-vinda.
Ela manteve a postura impecável.
- A partir de hoje, todos os relatórios de fluxo de caixa, contratos vigentes e balanços devem chegar diretamente à minha mesa. Quero auditoria imediata em todos os setores.
O homem pigarreou, desconfortável.
- Isso pode... atrasar o andamento das operações.
- Então atrase. - O tom dela não deixou espaço para réplica. - Prefiro uma empresa lenta, mas íntegra, a um império corroído por ratos.
Ele engoliu seco, assentindo.
Nos corredores, executivos murmuravam. Muitos sabiam, no fundo, que estavam enredados em negócios obscuros com os tios de Gael. Agora, a presença daquela mulher significava risco. A primeira reunião do conselho foi convocada para o mesmo dia, numa tentativa clara de enfrentá-la.
Na sala de reuniões, uma mesa longa e oval brilhava sob as luzes frias. Os tios de Gael já estavam sentados, com expressões cínicas e copos de água intocados. Assim que ela entrou, os olhares se fixaram nela como lâminas.
- Não sabia que orfanatos davam aulas de administração - disse um dos tios, o Sr. Domingos, em tom de deboche.
Ela ergueu o queixo.
- Aprendi no lugar mais cruel: a vida. E, pelo visto, vou ter que ensinar alguns de vocês a diferença entre negócios e roubo.
Os murmúrios cessaram. Navarro, ao lado dela, depositou sobre a mesa uma pilha de documentos.
- Aqui estão as primeiras irregularidades encontradas: transferências não autorizadas, consultorias fantasmas e contratos superfaturados. - A voz dele era gelada. - Tudo isso será encaminhado ao juiz responsável pela curatela.
O rosto dos tios endureceu.
- Você não vai conseguir parar o que já está em movimento - retrucou Domingos, o veneno escorrendo pela língua.
Ela inclinou-se para frente, o olhar firme.
- Acredite, senhor Domingos, já parei. O juiz bloqueou todas as transações suspeitas. E qualquer passo que derem agora será interpretado como crime.
O silêncio que se seguiu foi denso. Alguns executivos esconderam sorrisos discretos. Outros, apavorados, evitaram encarar a nova curadora.
Ao fim da reunião, ela retornou ao hospital. O peso do dia a acompanhava, mas, ao entrar no quarto de Gael, sentiu-se estranhamente leve. Aquele lugar, apesar das máquinas e da quietude, tornara-se seu refúgio.
Sentou-se ao lado dele, tirando os sapatos para relaxar.
- Hoje enfrentei seus lobos, Gael. - Sua voz soou cansada, mas vitoriosa. - Eles tentaram me devorar com sarcasmos e ameaças, mas já não me assusto com dentes à mostra. Fiz o que precisava ser feito. Segurei suas rédeas por você.
Apertou a mão dele.
- Você me vingou quando eu já estava morta. Agora é minha vez de te proteger enquanto está preso nesse sono. - Um sorriso triste escapou. - É engraçado... eu sempre achei que não tinha ninguém, mas agora percebo que nunca estive tão acompanhada.
Por um instante, jurou sentir a mão dele esquentar sob a sua. Aproximou-se mais, encostando a cabeça no colchão.
- Durma, Gael. - sussurrou. - Quando acordar, encontrará tudo no lugar. E, se não encontrar... juro reconstruir peça por peça.
As máquinas continuaram seu ritmo constante. Mas, por trás das pálpebras fechadas, uma memória se agitou na mente de Gael: o som da voz dela, o cheiro de flores no orfanato, o toque suave de uma promessa feita sob estrelas. Ele não podia mover-se, mas sentia. E cada palavra dela era uma âncora, puxando-o de volta do fundo escuro onde estivera preso.
Enquanto isso, do lado de fora, os tios tramavam. Domingos atirou o copo de uísque contra a lareira, furioso.
- Aquela garota acha que pode nos derrotar.
- Já derrotou uma parte - murmurou o outro, mais cauteloso. - Precisamos de outra estratégia. Se ela realmente se casar com ele, estará protegida pela lei.
Domingos apertou os punhos.
- Então vamos garantir que esse casamento nunca aconteça.
O fogo da lareira refletiu em seus olhos, prenunciando o próximo movimento da guerra.
Naquela noite, de volta à mansão da própria família, Sabrina abriu novamente seu caderno. No topo da página escreveu:
"Etapa seguinte: Preparar o casamento."
Suspirou, sabendo que essa decisão traria julgamentos, ataques e desprezo. Mas também sabia que seria o muro entre Gael e seus predadores.
Ao fechar o caderno, olhou para a lua pela janela.
- Que venham - murmurou. - Eu já morri uma vez. Não tenho mais medo de perder.