Capítulo 6 Rainha Salma

Sophia Hayes

A raiva tomando conta do meu corpo era quase insana, eu queria muito que o tom condescendente do Hendrix não me afetasse, mas afeta. Ele dizia "faça o que você quiser" que soava exatamente como "nós dois sabemos o que você vai fazer, exatamente o que eu estou dizendo para fazer.".

E essa coisa paternalista era estranha vindo dele, já que ele claramente adorava me mostrar o quanto pularia entre as minhas pernas em outras circunstâncias.

Maldito homem contraditório!

Contudo, deixei que ele fosse embora e olhei para a mesa que me apontou, espaçosa, iluminada, longe do corredor e muito melhor do que a minha mesa atual. Soltei um suspiro teimoso e comecei a organizar as minhas coisas para ocupar meu novo lugar.

A mesa ao lado do meu novo parceiro.

Sim, sentar ao lado dele vai ser difícil, a minha concentração será afetada pelo simples fato de estar sentada ao lado dele, quando, eu gostaria claramente de sentar nele.

Com tudo organizado. Olhei ao redor e segurei os arquivos que o Harrison me passou mais cedo. - Que estranho chamá-lo pelo nome. Bom parece outras das minhas pequenas indiscrições. - Sorri para mim mesma e sai do escritório do FBI levando os arquivos comigo. - E sim, eu sabia que isso não era permitido.

Tomei um longo banho quente, há dias eu não funciono bem, sempre falta algo na minha rotina. Comendo quando estou a ponto de um desmaio, uísque é o meu novo melhor amigo, dormindo somente se eu correr na esteira por uma hora ou bater no saco de areia por até não sentir meus braços.

Pulei novamente o jantar.

Encarei os arquivos que não deveriam estar aqui sobre a minha mesa de jantar. Era sábado e eu não queria ter que voltar ao Hoover em pleno no domingo, só porque as regras dizem que eu não poderia tirar arquivos de investigações em andamento do prédio,. Bem, eu não resisti a ficar longe de tudo aquilo por 24 horas.

Coloquei um moletom por cima de uma calcinha box, e enchi minha maior caneca de café disponível e comecei a fazer tudo de novo. Dormir tem sido difícil desde que recebi a mensagem do meu pai. Por mais que eu minta para os outros, eu sei o que aconteceu, o que me fez ignorar sua ligação, e o que me impediu de ouvir sua mensagem pelos dois dias seguintes.

Que só ouvi o que ele disse, quando recebi a ligação do seu comandante, Thomas Braxton, que agora era o meu comandante, me contando sobre a batida, sobre o tiroteio, sobre ele não resistir aos ferimentos.

Para quem eu estava mentindo?

Eu estava mentindo para muitas pessoas nas últimas semanas. E estranhamente eu estava sendo honesta com uma única pessoa, e que a Deusa me ajude, eu estava tentando não ser. Mas os olhos dele tinham uma maldição escondida em algum lugar que ao me fitar, me encarar, eu podia sentir seus dedos por todo o meu cérebro, esquadrinhando, e mesmo assim havia algo que eu não contei.

Não porque eu queria esconder, mas porque achei irrelevante.

"...A Rainha Salma tinha tudo o que se poderia desejar, um reino que amava e que a amava de volta, um pai amoroso que a enchia de carinho e a mimava como uma princesinha e Diego, o amor de sua vida..."

Essa era uma parte da história que meu pai costumava me contar, não era um conto de fadas comum, era uma lição de que o amor pode te cegar, mas não pode te fazer aceitar a crueldade daqueles de dizem te amar, e que: um coração que sangra é mais forte do que um que já parou de bater... Eu sabia que havia algo mais em tudo isso, a mensagem era muito específica para ser ignorada, mas sem querer parecer maluca, eu não disse nada, até agora.

IC; Salma Regina Velasquez,

Repeti esse nome na minha mente por horas depois de ler no relatório, voltei naquela mensagem várias vezes. Por que o meu pai me lembrou de uma história que não ouvia desde a infância? Só por que sua informante confidencial tinha o mesmo nome da personagem principal ou ele queria que eu encontrasse a informante?

Com a cabeça cheia de dúvidas fiquei sem saber qual o meu próximo passo, eu não poderia simplesmente chegar na informante confidencial do meu pai e perguntar para ela o que ela disse ou fez, que o levou a morte(?)

Olhei as horas. E percebi que perdi realmente a noção do tempo hoje, passava das 22h. Suspirei e olhei para fora, uma chuva fina caía deixando tudo um pouco mais triste. Eu precisava de uma bebida, mas ainda não jantei. Me sentir confusa não era o ideal, eu não sabia o que deveria fazer primeiro. Se eu deveria jantar, eu não sentia nenhuma fome, por que jantaria se não estou com fome?

Voltei para o quarto encarando meu reflexo no espelho, a rotina estava me deixando um pouco apática. Não era normal que eu me visse assim, eu sempre curti o fato de estar bonita, ser uma mulher com traços exóticos. Era ruim quando se tratava de fazer amigos, crianças e adolescentes podem ser cruéis, mas eles só dizerem em voz alta aquilo que os adultos ao seu redor dizem a portas fechadas.

Eu sabia que era uma mulher bonita. Tenho belos olhos, grandes e amarelados, não amendoados, eles têm a cor de âmbar, com a luz certa, eles cintilam. Lábios carnudos, com formato de coração, em um rosto com formato diamante. Barriga chapada, seios fartos, durinhos, assim como um bumbum redondinho e empinado, em quadris largos e pernas torneadas definidas por todos os exércitos que me obrigo a fazer.

Tirei o moletom pesado e suspirei com a preguiça de me vestir e encarei o closet. Coloquei um jeans e um coturno, mas a má vontade me fez vestir o moletom com capuz novamente apenas para não ter que usar um sutiã. Prendi o cabelo no topo da cabeça como de costume, dei uma última olhada no espelho e não estava bom, mas era como eu me sentia no momento.

Peguei o telefone e as chaves do carro, encarando os arquivos espalhados em cima da mesa, eu não tenho amigos em Washington com quem eu poderia conversar, e mesmo que tivesse, eu não poderia discutir uma investigação em andamento com um civil. Então resolvi ir até o mercado mais próximo, pegar alguma coisa para pôr no micro-ondas e umas cervejas para não ter que tomar a outra metade da garrafa de uísque que eu conveniente escondi no armário do banheiro para não ficar na minha frente.

Já dirigindo o nome não saia da minha cabeça, Salma, a rainha Salma. Percorri tranquilamente todo o caminho até o Eastern Market 24h na 7th com a North Carolina Ave, mas logo a chuva ficou mais forte e eu corri para entrar no mercado. A imagem deplorável de uma solteira em pleno sábado à noite. Lasanhas congelada, pizzas e dois packs de cerveja, era tudo o que eu precisaria para os próximos dias.

Paguei sob o olhar entediado da caixa que deveria estar feliz por que havia alguém com a vida mais deprimente do que a dela nessa cidade.

Queria não ter que concordar com ela, mas provavelmente era verdade. Segui de volta para o carro, e por algum motivo o arquivo estava ali, no banco do passageiro. O nome ricocheteando na minha mente, a voz embargada do meu pai naquela mensagem. O seu enterro quase vazio. Nosso último encontro cara a cara, tudo isso gritava dentro da minha cabeça, por mais que eu odiasse admitir isso eu precisava falar com alguém, e esse alguém tinha nome, sobrenome e endereço.

Dirigi até a H Street NE. Sem saber exatamente o que queria fazer, observei a luz acesa. Batendo os dedos nervosos no volante do carro, tentando decidir se era sensato fazer o que eu estava pensando. Mas era óbvio que não era sensato, nenhum pouco, caralho, era até mesmo um pouco ridículo, mas sem saber qual o próximo passo, nem todas as cervejas desta cidade seriam capazes de me fazer dormir hoje à noite.

Peguei uma das sacolas de papel com pizzas e um dos packs de cerveja, coloquei o arquivo debaixo do braço e corri até o número 1468, no exato momento a chuva se transformou em uma tempestade.

            
            

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