Capítulo 7 O que mais você pode querer de mim

Quatro meses depois...

A vida havia tomado outro rumo, não perfeito, não fácil, mas finalmente respirável. Comecei a trabalhar em uma clínica pequena, humilde, mas honesta, e aquilo me garantia o básico em casa. Minha irmã ajudava com o que podia, pagando a própria faculdade e o cursinho da nossa caçulinha. Meu pai, graças a Deus, começava a mostrar sinais de melhora depois da troca do marca-passo. Ainda vivia com medo de perdê-lo, mas cada passo que ele dava era uma vitória.

Agora eu estava ali, no supermercado, na área de fraldas, escolhendo o que seria melhor para o quarto aniversário da minha pequena Isabelle. Quatro meses... um piscar de olhos e uma vida inteira mudada. Enquanto pegava xampu, fraldas e um pacote de lenços umedecidos, lembrava da confusão que minha segunda irmã fez ao saber por Angelina. Ela contou os detalhes sobre Rafael. Tiana quase colocou o hospital inteiro abaixo, gritando que dormi com o juiz dentro de um avião.

Precisei tapar a boca dela com a mão, enquanto ela berrava:

- VOCÊ FEZ O QUÊ, BELLE? COMO ASSIM AQUELE HOMEM PODEROSO E RICO É O PAI?

E todos os enfermeiros olhando. Passei vergonha por três gerações minhas.

Suspirei só de lembrar.

Segui para o corredor dos produtos de limpeza, distraída, pensando nas contas, no leite da Isabelle, em como minha tia Rosemary devia estar planejando arrancar dinheiro de mim agora que Rafael reapareceu - porque sim, Angelina falou que ele ligou, solicitou informações, e ela jurou que não disse nada.

Minha tia, por outro lado... aquela cobra de língua fina e bolso profundo, essa sim devia ter vendido até meu endereço em troca de um pix miserável. Peguei um amaciante, virei o carrinho para seguir para o açougue e. E foi ali. Bem ali. Meu coração congelou no peito. Meus dedos pararam de se mexer. Minha coluna ficou rígida. O desgraçado do Mário estava parado diante de mim. O homem que destruiu minha vida, o homem que me fez sangrar por dentro, o homem que me tirou tudo que eu tinha de bom.

Ele caminhou até mim, aparentemente mais magro, mais abatido... mas não menos repugnante.

- Belly... - sua voz saiu arrastada, baixa, como se tivesse ensaiado arrependimento no espelho.

- Desculpa. Eu... juro que não havia outra alternativa. Procurei você. Fiz de tudo. Tenho algo importante para te falar, por favor, me escuta...

Meu corpo inteiro latejou de repulsa. A mão tremia no cabo do carrinho.

- Você não deveria estar aqui. - Minha voz saiu trincada, fria.

- Não chega perto de mim.

Ele deu mais um passo. Meu estômago virou.

- Sei que fui imprudente... - continuou, passando a mão pelo rosto suado.

- Mas eu não tinha escolha. Eu... contratei um detetive particular.

Meu sangue gelou.

- O quê? - perguntei, a voz engasgada entre medo e fúria.

- Ele começou a trabalhar hoje. - Mário ergueu o rosto, ansioso.

- E eu tive sorte. Ele descobriu seu endereço, descobriu onde você trabalha... E quando soube que você estava aqui, eu larguei tudo. Vim direto.

Meu coração acelerou tão rápido que a visão ficou turva por um instante.

- Por quê? - perguntei, apertando o carrinho como se fosse me sustentar.

- O que você quer comigo? O que mais você pode querer de mim depois de tudo?

Ele respirou fundo, deu um passo mais perto - e eu recuei dois.

- Belly... é sobre a criança.

Meu corpo congelou inteiro.

Como um estilhaço na garganta, tentei falar:

- Que criança?

Os olhos dele escureceram. O mundo girou.

- A sua. - disse ele, firme. - Descobri que você teve um bebê. Precisa de ajuda?

- Não preciso de sua ajuda!

Eu me sentia péssima e não queria escutá-lo, muito menos olhar na cara dele, pois Mário me lembra o pior de tudo na minha vida. Principalmente do meu filho! Vejo que o maldito continua o mesmo, não deixou de ser bonito, porém mudou bastante fisicamente e aparentemente está maduro. Seu aspecto físico é forte, seu olhar é estranho olhando para mim, o que me faz sentir desconfortável. Mário sempre foi bonito e foi o motivo pelo qual me apaixonei pela primeira vez. Foi o jeito gentil dele me tratar então não poderia ver o tão podre que ele era.

Quanto mais o vejo, sinto que volta aquele maldito passado e então sonho com meu filho Davi que se estivesse vivo estaria comigo. Porém, se o meu sogro e ele iriam tirar o meu menino que está no céu, sei que foi da vontade de Deus. Quando perdi o meu menino e então eles trouxeram o meu Davi enrolado em um pano, nem consegui ver a tonalidade de sua pele pálida e os lábios roxos e foi a última vez que beijei a bochecha do meu pequeno.

A minha gravidez foi tão complicada e a relação com o pai dele foi a pior de todas Quantas vezes me sentava na cadeira de balanço e acariciava minha barriga imaginava o rostinho do meu filho e até sonhava com o futuro em que ele estaria ao meu lado. Minha depressão por perdê-lo me levou a momentos dos quais queria não estar viva.

Mário me toca, sinto nojo e o maldito desconforto e ele que usa seu terno negro e exala a riqueza perante mim e todos os demais olhando o que está acontecendo.

- Não, não, toque em mim!

- Mário, se voltar a me procurar novamente, pois te juro que vou chamar a polícia! - Falei sentindo nojo dele e de tudo que vivemos, então sem pensar duas vezes. Saindo do supermercado correndo, ele me alcançou e começou a falar comigo na rua.

Digo que quero assinar o divórcio, coisa com a qual estava completamente de acordo, então combinamos um encontro. Foi quando ele falou que tinha algo para me dizer e se arrepende do que aconteceu entre nós dois. Mas quando ele foi atender o celular, fingiu ir embora e fiquei escondida ao lado de fora do supermercado.

Quando o vi de longe que ele estava me procurando, colocou a mão na cabeça e então pegou o celular e atendeu a ligação. Espero e então vi que entrou em um carro extravagante e luxuoso vermelho. Respirei fundo sentindo o leite materno vazando na minha camisa. Meus seios estão grandes e doloridos e sei que é a hora de ir para casa para amamentar minha pequena.

Tinha que levar as compras, ao esperarem por mim. Quanto a Mário, vou deixar ordens para que o porteiro não deixe que ele entre não é permitido! Voltei ao supermercado comecei a pegar tudo que iria levar para casa e o mais rápido possível entreguei à moça o cartão de crédito e foi aí que consegui entrar em um táxi. Estava tremendo tanto que não conseguia parar de pensar no que aconteceu e foi então que paguei o taxista ao chegar em casa. Saí do táxi e as meninas estavam me esperando para ajudar com as compras.

-Belly? Ei, o que aconteceu? Nossa, nossa você está gelada, irmã, o que aconteceu...

- Mário aquele desgraçado voltou e está me chamando.

Angelina disse que iria sair, eu fiz isso para dar um basta nessa situação.

Ele não desistiu e voltou a me procurar e fez acampamento na frente da minha porta, era um inferno vê-lo todos os dias.

- Só quero conversar - Mário disse, dando meio passo à frente.

- Conversar? - Minha risada foi amarga.

- Você acha mesmo que tenho algo para conversar com você? Você destruiu tudo o que eu tinha. Você... e o seu pai.

Ele começou a abrir a boca para responder, mas Angelina veio por trás e me puxou levemente pelo braço.

- Vem, entra aqui - ela sussurrou, me protegendo como sempre fazia.

Mal entramos em casa, a porta se abriu novamente. Era minha outra irmã, Letícia, chegando do trabalho. Trazia uma sacola de pão na mão e o crachá ainda pendurado no pescoço.

-Cheguei! Cadê minha sobrinha...? - Ela parou no meio da frase quando viu Bellinha no meu colo. Seus olhos brilharam. - Meu Deus... ela é perfeita! Chegou perto, tocou os dedinhos da menina e deu um gritinho animado.

- Olha essa princesa! Que coisa mais linda, meu Pai do céu!

Angelina, lógico, não perdeu tempo.

- Letícia, você não está entendendo - ela começou, mexendo as mãos como quem vai soltar uma bomba. - O mundo é pequeno... pequeno DEMAIS. Adivinha quem é o pai dessa criança?

Letícia piscou, confusa.

- Hã?

Angelina apontou com o queixo para mim, depois para a porta, onde Mário ainda tentava fingir que não estava ouvindo.

- Sabe quem? O homem que está lá fora. O homem que ela achou que nunca mais fosse ver. O homem que... - fez suspense - é o pai da Bellinha.

Letícia arregalou os olhos.

- O QUÊÊÊ?! - O grito dela ecoou pela casa, assustando até Bellinha, que se agarrou mais forte ao meu ombro.

Ela correu para perto de nós, completamente chocada.

- Irmã, tem certeza? Nossa... que mundo pequeno esse! O que você vai fazer agora que descobriu isso? Vai atrás dele? Vai falar a verdade para o pai da menina?

Senti meus olhos queimarem. Respirei fundo, como se confessar aquilo fosse tirar um peso de milhões de toneladas do meu peito.

- Não. - Minha voz saiu baixa.

- Não vou atrás de ninguém. Não sou nada... nem ninguém... para atrapalhar a vida perfeita dele.

Letícia me olhou como se eu tivesse acabado de cometer um crime contra mim mesma.

- Como assim não é ninguém? Ele é o pai!

- Pai? - Minha risada veio trincada. - Ele nunca foi pai nem do meu Davi. Nunca se importou. Nunca me respeitou. Nunca me amou. Nunca olhou para mim como um ser humano. Acha mesmo que ele vai se importar com uma criança agora?

Letícia abriu a boca para responder, mas Angelina tocou meu braço.

- Você falou que ele tentou te tocar? - perguntou, tensa.

O arrepio de nojo subiu pela minha espinha.

- Sim. Ele colocou a mão em mim... como se tivesse o direito. Como se pudesse encostar em mim depois do que fez. E ainda com aquela cara de rico, de importante, de dono do mundo. O terno caro, o perfume invasivo... e aquele olhar sujo. O mesmo olhar de antes.

Letícia ficou vermelha de raiva.

- Juro por Deus que se esse desgraçado tocar em você de novo vou para cima dele. Nem que eu perca o emprego!

Angelina se aproximou, mais calma, mas firme.

- Irmã... você precisa decidir. Ele sabe ou não sabe da Bellinha?

Engoli seco, sentindo uma mistura absurda de medo, culpa e dor.

- Não sabe. E não vai saber.

- Mas por quê? - Letícia insistiu.

- Porque ele não a merece - falei.

- E minha filha não merece um pai como ele.

Angelina suspirou, apoiando a mão no meu ombro.

- Só promete uma coisa. Não o deixe te manipular. Não o deixe te arrastar para aquele passado de novo.

Olhei para Bellinha dormindo tranquila no meu colo, alheia ao caos que a cercava.

- Não vou deixar. - murmurei.

- Meu tempo de ser destruída acabou.

Mas, do lado de fora, ouvimos passos. E a voz de Mário.

- Vou esperar você sair. A gente precisa resolver isso. Você não tem ideia do que realmente aconteceu.

            
            

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