Capítulo 2 Nunca te amei

Belly

Respirei fundo, tentando recuperar o controle.

- Basta. Você já passou dos limites - ele disse ao puxá-la pelo punho e afastá-la de mim.

Caminhei até a cômoda, abri a gaveta falsa e peguei o celular que estava escondido ali havia meses. Liguei para minha irmã, Angelina, em voz baixa para não acordar Mário, que dormia ao meu lado. Perguntei como estavam as coisas em casa. Perguntei sobre nosso pai.

- Ele piorou - ela respondeu, a voz trêmula. - Está faltando remédio. E as contas... ninguém está ajudando.

Senti o coração apertar. Mário havia jurado que cuidaria de tudo. Que nunca deixaria meu pai passar necessidade.

E foi nesse exato instante que senti a presença dele atrás de mim.

- Virou ladra desde quando? - perguntou, gelado.

Me virei devagar, segurando o celular com firmeza.

- Eu só queria auxiliar o meu pai. Você mentiu para mim, Mário.

Ele arqueou a sobrancelha, com aquele desdém que sempre me cortava por dentro.

- Eu te perguntei mil vezes se estava tudo certo - continuei, sentindo minha voz embargar.

- Você dizia que sim. Dizia haver pago os remédios. Que havia depositado o dinheiro. Tudo mentira?

Meu bebê se mexeu dentro de mim, como se sentisse o medo que me atravessava.

Ele explodiu.

- E por que você estava no meu cofre? - gritou.

- Isso é roubo! Coisa da sua laia, né?

- Não estou roubando nada - respondi, firme.

- Você é meu marido. O que você tem, eu também tenho direito.

Ele deu uma risada curta, cruel. Enxuguei as lágrimas e comecei a discar um número. Ele avançou para arrancar o celular da minha mão, mas gritei:

- Meu pai precisa de mim, Mário!

Vou ajudá-lo, mesmo que eu tenha que passar por cima de você! A gargalhada dele ecoou pela casa. Segurou meu cabelo e me arrastou pelos corredores até o porão. O lugar que ele usava como castigo. Sempre escuro. Sempre gelado. Sempre humilhante. Bati na porta, chamei. Quando ele voltou, o rosto estava tomado por desprezo.

- Você é minha mulher - disse.

- Mas nunca se comportou como tal. Sabe quantas vezes você me envergonhou? Tive que ir sozinho naquela festa da faculdade... acabei levando uma qualquer da rua. E quer saber? Ela ainda faz melhor que você. Na cama, você é um gelo.

O impacto das palavras dele queimou. Levantei a mão e dei um tapa no rosto dele. Por um instante, vi nos olhos de Mário algo que me gelou a espinha: vontade de me matar.

O impacto das palavras dele queimou como se tivessem sido cuspidas em brasa sobre a minha pele. A raiva veio antes do medo. Levantei a mão e acertei um tapa no rosto dele, um estalo seco que ecoou pelo corredor. Ele não recuou. Nem piscou. Somente inclinou o rosto de volta para mim, como um animal irritado analisando sua presa. Por trás da frieza, vi algo que me gelou inteira: uma sombra de fúria homicida.

Uma vontade real de me matar.

- Você ficou louca? - murmurou, aproximando o rosto do meu, tão perto que senti o cheiro ácido do álcool e da arrogância dele. - Vai levantar a mão para mim agora?

Dei um passo para trás, mas ele me seguiu, dominando o espaço.

- Não me encoste - avisei, com a voz trêmula, mais por instinto de defesa do que por coragem.

Ele riu. Uma risada curta, venenosa, que fez meu estômago virar.

- Coragem agora, é? - perguntou. - Só porque carrega esse filho acha que pode me enfrentar?

Levei a mão à barriga, como se pudesse protegê-lo daquela voz que cortava.

Foi então que ele inclinou a cabeça, o sorriso torto surgindo devagar.

- Você acha que eu te amo? - sussurrou.

Aquela pergunta soou quase como uma provocação cruel.

- Responde, vai - insistiu.

- Porque você realmente acreditou nisso, não foi?

Ele deu uma risada soprada pelo nariz, debochada.

- Nunca amei. - A voz saiu baixa, precisa, mortal.

- Nunca. Nem por um segundo. Só te aguentei por causa do velho. E agora só está aqui por causa desse bebê.

Senti a garganta travar. Engoli seco. Tentei falar, mas o ar não conseguia. Ele afastou o rosto do meu ouvido e me analisou de cima a baixo, como se eu fosse algo descartável. Uma coisa. Não uma pessoa.

- Sabe qual é o pior? - disse, cruzando os braços.

- As mulheres da rua... aquelas que você vive julgando... todas elas valem mais que você.

Meu coração afundou.

- Elas sabem valorizar o meu dinheiro sendo safadas e as melhores na cama - continuou, sorrindo com desprezo.

- Sabem provocar, sabem entregar alguma coisa. Na cama, elas são vivas. Ardentes. Têm sangue.

Aproximou o rosto do meu com nojo.

- Você? Você é uma boneca fria. Um corpo sem vida. Nem tesão dá.

Eu queria responder, mas as palavras morreram na minha garganta.

- Nem quando eu tentava - ele disse, balançando a cabeça como se tivesse pena de mim. - Nem quando eu me esforçava para sentir alguma coisa. Nada. Não dava vontade. Você apagava qualquer desejo.

Olhou minha barriga com um desdém que feriu mais que o tapa que eu havia dado nele.

- E para piorar... - Ele apontou com o dedo.

- Até estria você já tem aí.

Fez um gesto de desgosto, como se aquilo o enojasse.

- Sério... Olha isso. Que tipo de mulher vira isso aqui tão nova?

Senti a pele arder, o rosto queimar. Instintivamente, coloquei a mão na barriga, tentando cobri-la. Ele riu.

- Não adianta esconder. Eu já vi.

Sua voz ficou ainda mais cruel:

- Nem a beleza que um dia achei em você existe mais. Acabou. Desapareceu. Se é que um dia esteve lá de verdade.

Dei um passo para trás, mas minhas costas já estavam contra a parede. Ele se aproximou de novo, impondo o corpo sobre o meu.

- Você é um lixo - disse devagar, como se quisesse que cada sílaba entrasse fundo. - Nada mais que isso.

Os olhos dele me atravessaram como facas.

- E ainda assim... - Ele deu um sorriso pequeno, sádico. - Mesmo sendo esse lixo, ainda carrega o meu filho. Única utilidade que você teve.

- Você é uma interesseira - continuou, dando um passo ainda maior na minha direção, me forçando a recuar até minhas costas baterem na parede.

- Uma pobrezinha que vivia atrás do que é meu. Não se engane. Você sempre soube disso.

Fechei os punhos com tanta força que minhas unhas perfuraram a palma da minha mão. Senti o sangue quente escorrer entre meus dedos, mas não ousei abrir a mão. Era a única maneira de não desmoronar ali na frente dele.

- Nada do que você demonstrou no começo era real? - perguntei, a voz quebrada, mais um sussurro do que uma pergunta.

Ele arqueou a sobrancelha, como se minha dor fosse uma piada descartável. No começo, você estava tão desesperada por atenção que foi fácil demais - respondeu.

- Eu só te usei.

Meu peito apertou. A dor subiu pela garganta como um soluço preso.

- Eu... eu te amava - consegui dizer, mesmo sabendo que admitir isso só alimentaria a crueldade dele.

E alimentou. Vi isso no brilho satisfeito que passou pelos olhos dele.

- Pois é. - Ele sorriu, largo, cruel.

- Pena que eu nunca senti nada.

Aproximou o rosto do meu ouvido e completou:

- E quando essa criança nascer, dou um jeito de me livrar de você.

Passou a mão pelos cabelos, cheio de si, bonito por fora e apodrecido por dentro. A raiva tomou conta de mim. Xinguei tudo o que pude. Ele somente sorriu. E então me empurrou. Perdi o equilíbrio. Caí. A última imagem antes do escuro foi ele parado no alto da escada, mãos na cabeça, me chamando, mas eu já não conseguia ouvir nada. Acordei no hospital. E ali me contaram. Meu filho não resistiu.

Meu Davi, meu menino que nunca respirou, que nunca ouviu minha voz e que morreu antes de ter um nome. A dor... não existe palavra capaz de alcançá-la, era uma ferida aberta que latejava dia e noite. Afundei em uma depressão que parecia um buraco sem saída, um lugar escuro onde o ar era pesado demais e os dias não tinham cor. Passava horas encarando o berço que eu mesma havia montado com esperança e amor, segurando as roupinhas que jamais veriam seu corpo, sentindo o cheiro do tecido novo enquanto meu peito implodia por dentro.

Cada silêncio da casa era um lembrete cruel do que eu havia perdido.

Enquanto eu tentava respirar entre os destroços, Mário começou a dormir fora, como se eu fosse uma sombra incômoda que ele precisava evitar. A indiferença dele me quebrava um pouco mais a cada dia, e quando completei dezenove anos, decidi fugir. Era isso ou morrer ali dentro. Eu não tinha mais forças, não tinha mais luz, só uma vontade desesperada de sobreviver.

Mas antes de conseguir ir embora, recebi a ligação da polícia.

Mário havia sido preso por agredir uma prostituta, e ela só não morreu porque dois homens interferiram. Lembro do peso do telefone na minha mão, do frio que percorreu meu corpo, como se o mundo repetisse que eu nunca saía de perto da violência. Fui à delegacia pela última vez.

Olhei para ele através das grades, tão pequeno, tão ridículo, e disse adeus. Ele nem entendeu, mas também não precisava. Eu só virei as costas e saí, e essa foi a primeira vez que senti algo parecido com liberdade.

Com a ajuda da minha tia, fui para o México.

Comecei a trabalhar, a respirar de novo, mesmo que com dificuldade. Reconstruí o que sobrou de mim, pedaço por pedaço, tentando não olhar muito para trás. Seis anos se passaram e, ainda assim, tentam me pintar como ladra. Jamile sempre me odiou, e a mãe dela armou tudo com calma, como quem tece uma armadilha perfeita. E agora estou aqui novamente, colocando minhas roupas às pressas na mala, sentindo meus dedos tremerem, o coração bater rápido como se quisesse pular do peito.

- Preciso sair antes que o pior aconteça. Aquele delegado é tão perigoso quanto elas.

            
            

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