Capítulo 9 Minha esperança em meio a tristeza

Belly

Porém, quando dei meu último passo rumo à porta, pronta para ir embora com meu orgulho ferido, escutei minha chefe me chamar novamente.

- Espera, Belly... - virei devagar, surpresa.

- Eu não vou registrar sua saída como justa causa. - Ela ajeitou os óculos, tentando parecer firme.

- Vou colocar como pedido seu. Assim você não perde seus direitos trabalhistas.

Aquilo mexeu comigo. Não mudava o fato de eu estar sendo injustiçada, mas... era um gesto. Antes que eu pudesse agradecer, ela continuou:

- Tenho uma amiga. O filho dela é... importante. Muito importante. - disse com uma ênfase estranha.

- Mas ele não se cuida. Vive à base de besteira, refrigerante, fritura... e a gastrite dele está num nível preocupante.

Ela suspirou fundo, como quem já perdeu noites pensando nisso.

- Ela quer alguém que cuide da alimentação dele. Mas não só dele... de toda a família. - Me encarou, firme.

- Se você tiver interesse, posso indicá-la. É um emprego muito melhor do que este aqui. Melhor salário, melhor estrutura. Mas é... exigente.

Meu peito se acalmou por alguns instantes. Eu entendia o lado dela. Ela é reservada, discreta, e nunca gostou de confusão, qualquer envolvimento que manchasse o nome da clínica era um risco que ela não aceitaria correr. Infelizmente, meu coração apertou ao pensar nas meninas, nas conversas na hora do almoço, nas risadas, na cumplicidade que criamos. Isso eu sentiria falta.

- Eu aceito. - disse decidida.

- Onde encontro essa amiga?

Ela me passou nome, endereço, regras e disse que faria uma carta de recomendação. Mal consegui dormir naquela noite. Pensava na oportunidade, na necessidade, na vida da minha filha. E no medo de dar tudo errado outra vez. Na manhã seguinte, já estava pronta, ansiosa, rezando para que esse fosse o recomeço que eu tanto precisava.

Com o dinheiro contado na carteira, comprei de última hora uma calça jeans preta. Peguei uma camisa simples de algodão, dobrei as mangas e coloquei uma bolsinha pequena de lado. Prendi meu cabelo num rabo de cavalo e passei maquiagem leve, só para parecer com cara de alguém que dormiu oito horas, mesmo tendo dormido somente três.

Antes de sair, olhei para minha filha dormindo e cruzei os dedos. "Pela mamãe, meu amor. Que hoje dê certo."

Quando cheguei ao endereço, quase perdi a respiração.

- Em casa? - murmurei para mim mesma. - Isso é uma casa...?

Não. Era uma mansão. Luxuosa, imensa, com uma piscina na frente que parecia cenário de novela. A quantidade de seguranças era... sufocante. Parecia que eu estava entrando em outro planeta. Eles solicitaram meus documentos, referências, carta da minha chefe. Examinei tudo duas vezes antes de entregar. A mulher da portaria conferiu tudo e só depois de quase uma hora me deixou entrar.

"Se é difícil entrar aqui, imagina trabalhar..."

Sentei-me numa cadeira elegante, mas desconfortável pela ansiedade. Uma mulher saiu antes de mim, segurando uma pasta contra o peito e com os olhos marejados. Parecia destruída. Senti um arrepio.

"Meu Deus, onde eu vim parar..."

- Próxima? - chamou uma funcionária.

Respirei fundo, apertei a mão e entrei. Lá dentro, sentada atrás de uma mesa enorme, estava ela: a madame. Folheava a agenda com uma concentração que me fez prender a respiração. A energia dela era forte. Fria. Imponente. A primeira regra que ela anunciou, sem nem levantar os olhos, deixou-me rígida:

- Aqui, roupas devem seguir o padrão da casa. Nada vulgar. Nada chamativo.

Depois vieram as perguntas: experiência, rotina, horários, referências.

Eu respondia tudo com educação e firmeza.

Quando entreguei a carta da minha ex-chefe, algo mudou.

A mulher ergueu o rosto, leu a carta inteira, levantou da cadeira e caminhou até mim.

Meu coração quase saiu pela boca.

Mas ela estendeu a mão.

- Você está contratada.

Eu quase desabei ali.

Ela continuou, entregando um papel grosso, como um contrato.

- Estas são as regras da casa. Leia com atenção.

Regras da Mansão

1 - Não é permitido usar roupas vulgares. Deve-se estar sempre apresentável e em uniforme ou roupas discretas durante o serviço.

2 - Não deve conversar com os patrões sem necessidade. Qualquer dúvida deve ser dirigida à administração da casa.

3 - Não aceito atrasos. Horários devem ser cumpridos. Somente assim o pagamento será integral.

Engoli seco.

Era rígido... mas era a minha chance. E eu faria tudo pela minha filha.

- Sim, senhora - respondi. - Vou cumprir cada regra.

A mulher continuou falando como se estivesse discursando para um auditório lotado, enquanto eu lutava contra o sono que insistia em pesar nas minhas pálpebras. Foi num piscar mais demorado que senti a baba escorrer pelo canto da minha boca. Abri os olhos num susto quando ela praticamente explodiu meu nome no ar, chamando minha atenção.

Pedi desculpas na mesma hora, com a voz ainda arrastada.

- Esses dias foram... ocupadíssimos. Trabalhei demais na clínica, cuidando da casa, da minha filha... quase não tenho dormido - expliquei, tentando justificar minha vergonha.

Ela me lançou um olhar tão gelado que parecia dizer: "Eu lá quero saber da sua vida?"

- Se você tiver qualquer problema quanto a isso... já que é nutricionista... - ela ergueu uma sobrancelha, impaciente.

- Solicito somente discrição absoluta sobre tudo que verá e ouvirá nesta casa.

Hum... barraco existe nas melhores famílias. Mas família rica... ah, isso é babado internacional, pensei enquanto ela continuava falando, com aquela postura de rainha da Inglaterra. Volto minha atenção para a mulher elegante. Ela é tão bonita que até me dá ódio. Pele impecável, sem um defeito. Cabelos pretos lisos que parecem de novela. Um vestido que valia mais do que meu salário inteiro. E ainda por cima com aquele ar soberano de quem come brisa de manhã e ouro no jantar.

Ela pigarreou, chamando de novo minha atenção.

- Quero mudar todo o cardápio da casa. Quero organização, rigor e uma dieta séria. Meu filho está noivo e teremos um casamento em breve - disse, como se eu fosse sua consultora pessoal de realeza. - Minha nora viajou há dois dias, e preciso que você mantenha tudo em ordem até o retorno dela.

Eu somente sorri e concordei com a cabeça. Ela olhou o celular umas dez vezes, suspirou irritada e então voltou a me encarar.

- Como eu disse, meu filho é chato. Muito chato. E teimoso. Antes de firmarmos qualquer contrato, você vai precisar da aprovação dele.

Meu sorriso sumiu.

- Ele não quer nutricionista. Ele não queria que eu contratasse você. Para ser sincera, Belly, você é a vigésima tentativa. Vinte. - Ela me fitou com um olhar cansado. - A gastrite dele está me tirando o sono. Preciso muito que ele aceite. Então... se conseguir convencê-lo, começa hoje mesmo.

Vigésima nutricionista? Misericórdia. Esse homem devia ser o próprio demônio em forma de gastrite.

A mulher ajeitou o vestido perfeito, exibindo mais uma vez a elegância irritante. Devia ter uns quarenta e poucos anos, mas parecia que o tempo tinha medo de encostar nela. Pele branca, olhos castanhos intensos, cada passo dela era um desfile silencioso de poder e controle.

- Venha comigo - ela solicitou, fazendo um gesto com a mão.

Acompanhei-a pelos enormes corredores da mansão, tentando não parecer impressionada - mas como não ficar? Cada canto parecia saída de revista. No caminho, ela continuou ditando regras como se estivesse me treinando para entrar numa ordem secreta:

- Pontualidade é obrigatória. Não precisa dormir na casa, a não ser em algumas noites específicas. - Ela virou o rosto na minha direção.

- E seja sempre discreta. Não interfira em assuntos familiares e não dê opinião sem ser solicitada. Aqui, silêncio vale ouro.

            
            

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