Belly
Eu concordava com tudo enquanto caminhava... mas por dentro só tinha uma pergunta: se a entrevista foi intensa, cheia de regras e etiquetas, como será conhecer o filho infernal dela? Isso eu iria descobrir. Quando chegamos ao final do corredor, ela parou diante das escadas e fez um gesto firme.
- Suba. Vá até o quarto três. É o que fica ao lado de um vaso com palmeiras americanas. - Apontou com o queixo.
- Entre e fale com ele. Neste exato momento, está deitado verificando o notebook. Você precisa convencê-lo.
Ela disse "boa sorte" como quem joga uma sentença, sem nem tentar sorrir. Em seguida, virou-se e chamou outra mulher. As duas se afastaram caminhando lado a lado, conversando como se eu tivesse deixado de existir.
- Senhora, eu... - tentei chamá-la.
Mas ela já estava longe demais.
Suspirei. Essa situação definitivamente não era normal. Mas a necessidade era maior que o bom senso, e eu precisava muito desse emprego. Então tudo o que fiz foi seguir a tal palmeira - que, sinceramente, eu nem sabia que inferno era. Mas quando cheguei, lá estava: um vaso enorme, luxuoso, com uma palmeira tão verde que nem parecia de verdade. As bordas douradas do corredor refletiam a luz e quase me cegavam.
Quarto três.
Respirei fundo, bati na porta três vezes. Uma voz masculina respondeu, e com a permissão dele, entrei.
Só que ele não estava na cama como a mãe havia dito. O notebook estava ali, aberto em cima da colcha, mas o dono dele... no banheiro.
O quarto era enorme, impecável. Havia papéis espalhados pela cama, pela mesinha lateral, até pelo chão. Documentos, anotações, planilhas... aquele homem trabalhava MUITO. Como ele demorava, sentei-me numa cadeira. Nenhum sinal dele. Levantei de novo, fui até a janela e fiquei olhando a paisagem. Do lado de fora, a mansão parecia ainda maior, quase um castelo moderno, cercado por jardins enormes e impecáveis.
- Desculpa... você quem é?
A voz veio tão perto do meu ouvido que me arranquei do chão. Girei rápido demais e dei uma cabeçada no rosto dele. Caímos no chão juntos, eu por cima, ele olhando para mim com os olhos arregalados, claramente tentando entender o que estava acontecendo.
E quando vi o rosto dele... meu mundo girou.
- Vo... vo... você... - gaguejei, perdida naquele par de olhos que eu conhecia bem demais.
Era ele. O juiz. O cara rico e bonitão pai da minha filha. Merda. Eu estava ferrada.
- Eu quem? - ele disse, ainda com as mãos apoiadas no chão e o rosto próximo ao meu, os olhos fixos nos meus como se tentassem decifrar minha alma.
Saímos daquele enrosco constrangedor. Ele se levantou primeiro, passando a mão nos cabelos daquele jeito gostoso que sempre me desmontou. Depois me olhou de cima a baixo, confuso e irritado.
- Quem você é? E o que está fazendo no meu quarto?
Abri a boca para responder, mas ele foi mais rápido. Seus olhos caíram nos papéis que estavam nas minhas mãos.
- Ah... ótimo. - Ele riu sem humor. - Nutricionista.
Virou de costas, frustrado.
- Se está aqui a pedido da minha mãe, vou repetir: não quero. - A entonação dele era de ordem, não de pedido. - Pode ir. Não tenho tempo para essas bobagens de... nutricionismo.
Ele bufou.
- Merda... Mãe não desiste. - Passou a mão no rosto. - Eu não sou um menino. Sou capaz de me virar sozinho. E você? - Ele se virou com impaciência.
- O que ainda está fazendo aqui? Eu já disse que não vou aceitar tratamento nenhum!
Foi aí que a minha paciência simplesmente acabou. Pouco me importava se eu ia perder essa vaga. Eu tinha uma filha para criar, contas para pagar, e a arrogância dele não ia me parar.
- Escuta aqui - comecei, firme.
- Sou mãe. Tenho uma filha. Eu não estou aqui para te agradar. Estou aqui para TRABALHAR. E você pode ser teimoso, mimado, o rei do castelo... não me importa. Vou fazer meu serviço.
A expressão dele mudou. Ele me encarou como se eu tivesse acabado de desafiá-lo para uma batalha.
- Até mais tarde - falei, mantendo meu rosto erguido.
- A gente ainda vai se ver hoje.
Saí do quarto com o coração nas mãos, tentando respirar, tentando processar tudo. Ele realmente... não tinha lembrança alguma de mim. Nem um lampejo. Nada.
- O que foi que fiz agora? - sussurrei para mim mesma, com a voz embargada.
Se ele não lembra... então eu não posso forçar nada. Não posso exigir, cobrar, muito menos revelar. O melhor e o mais seguro é trabalhar, sobreviver e criar minha filha. Só isso. Mas a pergunta que mais me dilacerou veio logo em seguida, como uma lâmina fria atravessando meu peito: E se um dia eu contar? E se ele descobrir? Eles são ricos, poderosos, influentes... e se resolverem tirar a minha filha de mim?
- Não... não. - Levei a mão ao peito, apertando a blusa como se pudesse segurar meu coração ali dentro.
- Isso não vai acontecer de novo. Eu não vou passar pelo mesmo inferno.
A lembrança do meu primeiro casamento, das ameaças, das pressões, da perda, me fez sentir náuseas. Não... não posso correr esse risco. Minha filha é tudo o que eu tenho.
Desci as escadas com as pernas gelatinosas, como se fossem feitas de água. Minha mente girava, meu estômago revirava, e eu ainda sentia, maldita memória sensorial, o corpo dele colado ao meu quando caímos no chão. O peso dele, a respiração perto demais do meu rosto, o perfume que eu jamais consegui esquecer. Era exatamente o mesmo cheiro. O mesmo que um dia me fez desmoronar.
E pior... os nossos lábios quase se tocaram. Se eu não tivesse virado tão rápido... se eu tivesse respirado diferente... se... Sacudi a cabeça, tentando expulsar a imagem. Eu não podia pensar nisso. Não podia sentir isso. Eu estava reunindo forças para solicitar água, ar, qualquer coisa que me devolvesse a sanidade, quando a mãe dele apareceu diante de mim como um furacão elegante.
- Não sei o que você fez - disse ela, com um sorriso satisfeito e olhos levemente arregalados -, mas meu filho aceitou os seus serviços.
- O quê? - Senti meus olhos se abrirem na mesma hora.
- Muito bem, venha comigo, senhorita Belle. - Ela virou-se, como se fosse óbvio que eu a seguiria.
- Temos que fechar o contrato. Você conseguiu ter a confiança dele. O emprego já é seu.
Minha boca secou. Minhas mãos ficaram frias. Confiança? Daquele homem? Como? Em que parte? Tínhamos quase nos matado na cabeçada! Ela caminhou rapidamente, elegante, impecável, dona do mundo.
- Agora espero que faça um bom trabalho... Vamos falar do salário e do contrato - completou, enquanto me guiava por um corredor enorme e silencioso.