Eu me lembrei de quando eu era uma criança, aos doze anos. Bruna, com seu sorriso doce e seus olhos inocentes, me ajudava a arrumar meu uniforme para o treino de esgrima. "Você vai ser a melhor, Eliza," ela dizia, sua voz melodiosa.
Mas, toda vez que eu vestia aquele uniforme, minha pele começava a queimar. Era uma sensação de formigamento, de coceira, de ardência. Eu ignorava, pensando que era apenas a minha "sensibilidade" que me atacava. Eu me esforçava nos treinos, mas a dor e a fraqueza me derrubavam. Eu desmaiava no campo de treinamento, e os outros me olhavam com pena. "Ela é tão delicada," eles diziam. "Tão fraca."
O mestre de esgrima balançava a cabeça, impaciente. "Eliza, você precisa ser mais forte. Você é uma Covilhã!"
Bruna, minha irmã "preocupada", me trazia um chá de ervas, sempre com um sorriso doce nos lábios. "É para te ajudar a ficar melhor, Eliza," ela dizia. "Para te dar forças." Eu bebia o chá, confiando nela. Mas, ao invés de melhorar, eu só piorava. Minha garganta arranhava, minha visão ficava turva, meus músculos doíam.
Um dia, em um treino de caça, eu escorreguei. Bruna estava ao meu lado. "Cuidado, Eliza!" ela gritou, mas eu senti um empurrão. Eu caí de um penhasco, rolando para o fundo de um vale rochoso. Eu quebrei o braço, e a dor me consumiu. Eu passei a noite inteira encolhida em uma caverna, febril, quase morrendo.
A equipe de busca me encontrou no dia seguinte. Eu estava com febre alta, delirando. Bruna chorava, abraçada a Lorenzo. "É culpa minha!" ela soluçava. "Eu deveria tê-la protegido! Ela é tão fraca!"
Ela se tornou a heroína, a que se preocupava com a irmã "doente". E eu me tornei o fardo, a que precisava ser protegida. Bruna foi elogiada por sua "lealdade" e "amor abnegado" por mim, enquanto eu era internada no hospital, minha saúde se deteriorando a cada dia. O médico, o mesmo que diagnosticara minha "fraqueza congênita", me deu mais ervas, as mesmas que Bruna me dava.
Eu percebi, com um arrepio de horror, que Bruna estava me envenenando. Lentamente. Metódicamente. Desde os doze anos. O uniforme de esgrima impregnado de prata, a queda "acidental" do penhasco, o chá de ervas... tudo fazia sentido agora. Ela estava me matando. Ela estava roubando minha vida, gota a gota.
Eu senti a mensagem de Lorenzo, uma pontada de raiva e impaciência que atravessou o laço. Mas eu estava fraca demais para responder. E, sinceramente, eu não me importava mais. Ele ainda achava que era drama. Ele ainda achava que eu estava brincando.
Eu ri, uma risada rouca e sem humor. Aquele homem nunca me amou. Nunca. E agora, ele estava me pedindo para pedir desculpas à mulher que me envenenou por anos. Que patético.
Eu calculei o tempo. Menos de dois dias agora.
Na tarde do dia seguinte, uma batida suave na porta. Eu não esperava ninguém. Eu me arrastei até a porta, o corpo doendo a cada movimento. Era um jovem, um entregador, segurando uma tigela fumegante.
"A senhora pediu uma sopa de ervas?" ele perguntou, sua voz suave e gentil. "É para a sua saúde, disseram."
Eu não havia pedido nada. Mas o cheiro da sopa, cheio de ervas frescas e legumes, era tentador. Eu estava faminta, e o cheiro era tão reconfortante. Eu aceitei, minhas mãos tremendo.
"Muito obrigada," eu disse, as lágrimas brotando em meus olhos. Ele era uma alma gentil em um mundo de crueldade.
"Não se preocupe, senhora," ele disse, com um sorriso. "Espero que ajude."
Ele estava prestes a ir embora, quando a porta da pousada se abriu com um estrondo. Bruna entrou, deslumbrante em um vestido preto justo, um sorriso vitorioso em seus lábios. Ela me viu com a tigela de sopa e seus olhos escureceram.
"Eliza, Eliza, sempre causando problemas, não é?" ela disse, sua voz melíflua. Ela empurrou o entregador, que deixou cair a tigela. A sopa quente se derramou sobre minhas mãos, queimando minha pele já sensível. Eu gritei de dor.
"Sua cobra!" o jovem entregador gritou, seus olhos cheios de raiva.
Bruna riu. "Ops. Que pena. Mas não se preocupe, Eliza. Isso é apenas o começo." Ela se virou para o entregador, seu rosto endurecido. "Um dos membros do conselho foi demitido, Eliza. Adivinhe por quem? Por mim. Eu sou a nova força do clã Caetano. E você? Você é apenas uma traidora. Uma fraqueza. Você é a desgraça."
Eu caí no chão, as mãos queimadas, o corpo em choque. O mundo parecia desmoronar ao meu redor. Eu era uma desgraça. Eu era um nada. Eu era uma maldição para todos.
"Por que, Bruna?" eu sussurrei, a voz quebrada. "Por que você me odeia tanto?"
Bruna se agachou ao meu lado, um sorriso perverso em seus lábios. "Porque você tinha tudo, Eliza. Você tinha o noivado, a família, o império. E eu? Eu não tinha nada. Você não merecia o que tinha. Você era fraca demais para isso. E eu nasci para ter tudo isso. Eu nasci para ser eu."