"A mãe dos herdeiros deve ser estabilizada primeiro", era Bernardo, sua voz mais próxima agora, mais nítida. "Cíntia e os meninos são primordiais. Amélia... ela é secundária. Apenas a mantenham viva, se puderem."
Meu fôlego engatou, uma nova onda de dor, mais fria e profunda do que qualquer ferida física, me invadindo. Secundária. Mantenham-na viva, se puderem. Ele havia priorizado Cíntia, de novo. Ele me deixou para morrer, de novo.
"Mas Sr. Hodge", a voz de um médico protestou fracamente, "os ferimentos dela são fatais. Ela precisa de intervenção imediata."
"Minha decisão está mantida", a voz de Bernardo era firme, resoluta. "A profecia do guru deve ser protegida acima de tudo. Ela entendeu os riscos. Ela trouxe isso para si mesma. As energias negativas..." Sua voz se perdeu, engolida pela distância. Ele estava se afastando. De novo.
Eu estava total e completamente sozinha. Abandonada. Meu coração, já estilhaçado, se partiu em fragmentos irreparáveis. O calor do meu corpo, o último lampejo de esperança, se esvaiu, deixando para trás um vácuo gelado. Ele não se importava. Ele nunca se importou. Ele era um monstro envolto em charme, e eu era apenas um dano colateral em sua busca distorcida pelo destino.
A escuridão me consumiu mais uma vez.
Horas, ou talvez dias, depois, lutei para voltar à consciência. O mundo ainda estava embaçado, mas as bordas afiadas da dor haviam se tornado uma dor latejante. Minha cabeça estava enfaixada, meu corpo uma tapeçaria de hematomas e pontos. Tentei me sentar, mas meus músculos protestaram, fracos e sem resposta.
Uma mão, surpreendentemente gentil, estendeu-se, oferecendo um copo de água. "Calma, Amélia", disse uma voz familiar. "Não se esforce."
Bernardo.
O nome era uma maldição em meus lábios. Meus olhos se abriram de repente, ardendo com uma fúria que momentaneamente eclipsou a dor. Ele estava sentado ao lado da minha cama, seu rosto pálido, um olhar assombrado em seus olhos. Ele tinha um pequeno curativo na mão, um corte minúsculo comparado à ruína do meu corpo.
Minha mão voou para cima, atingindo o copo, fazendo-o cair no chão. Água e cacos de vidro se espalharam pelo piso estéril. "Não me toque!", sibilei, minha voz rouca e trêmula. "Fique longe de mim!"
Ele recuou, seu olhar caindo para sua mão sangrando, depois para o vidro quebrado. Sua expressão era indecifrável, uma mistura de choque e algo que eu não conseguia decifrar. "Amélia Levine", ele disse, sua voz baixa, usando meu nome completo, uma ocorrência rara que sempre sinalizava seu descontentamento. "Você está sendo irracional. Eu vim ver se você estava bem."
Irracional? Ele me abandonou para morrer naquela montanha, priorizou outra mulher, e agora ele ousava me chamar de irracional? A memória de sua ordem aos médicos, "Mantenham-na viva, se puderem", ecoou em meus ouvidos, uma zombaria cruel de sua atual pretensão de preocupação.
"Bem?", cuspi, lágrimas de raiva e agonia escorrendo pelo meu rosto. "Eu pareço bem para você, Bernardo? É assim que 'bem' se parece depois da sua limpeza espiritual? Depois que você me deixou para morrer?" Eu me ergui, ignorando a dor lancinante, meus olhos queimando nos dele. "Saia! Saia da minha vista! Eu não quero te ver, te ouvir, ou respirar o mesmo ar que você nunca mais!"
Ele estremeceu, um tremor sutil percorrendo seu corpo. "Amélia, eu entendo que você está chateada, mas você precisa se acalmar. Eu vim ver como você estava. O que mais você espera?"
O que mais eu esperava? Um pedido de desculpas? Remorso pelas vidas despedaçadas, pela crueldade deliberada? Não. Eu não esperava nada dele. "Eu espero que você desapareça, Bernardo. Apenas suma. Você me perdeu no momento em que escolheu Cíntia. Você me perdeu no momento em que sacrificou nossos filhos pelas mentiras do seu guru doente. Você me perdeu no momento em que deixou aquela pedra me atingir."
Um lampejo de algo - aborrecimento, talvez, ou um medo nascente - cruzou seu rosto. Ele ficou ali, congelado, olhando para mim, para a fúria que ardia em meus olhos. A mulher que antes fora tão gentil, tão complacente, se foi. Substituída por uma casca de raiva e quebrantamento. Ele parecia perplexo com essa transformação, com essa Amélia que ousava desafiá-lo. Ele parecia acostumado ao meu sofrimento silencioso, à minha submissão silenciosa.
Ele ficou ali, uma estranha sensação de inquietação se instalando sobre ele. Ele sempre esteve no controle, sempre teve as respostas. Mas agora, enfrentando minha fúria desenfreada, minha rejeição absoluta, ele parecia à deriva. Seu mundo cuidadosamente construído, baseado em profecias e poder, estava de repente tremendo. Ele se lembrava da Amélia quieta e gentil, sempre buscando sua aprovação, sempre se submetendo às suas decisões. Esta Amélia, cuspindo veneno, exigindo sua ausência, era uma estranha aterrorizante.
Nesse exato momento, seu telefone vibrou. Ele olhou para a tela, sua expressão suavizando quase imediatamente. Era Cíntia. Sua atenção, mais uma vez, foi completamente desviada.
"Bernardo, meu amor", a voz de Cíntia, doentiamente doce, cantou do telefone, alta o suficiente para eu ouvir. "Como está a Amélia? Estou tão preocupada com ela. Espero que ela não esteja muito chateada com os arranjos da casa. Estamos pensando em redecorar a suíte principal, sabe, pelo bem dos meninos. Cores mais vibrantes, menos... apagadas."
Menos apagadas. Sua alfinetada sutil ao meu estilo artístico, à elegância silenciosa que eu preferia, não passou despercebida. Foi outro insulto calculado, outra afirmação de seu domínio. O rosto de Bernardo, um momento atrás refletindo um lampejo de algo parecido com confusão, agora endureceu em uma máscara de decisão. Ele assentiu, quase imperceptivelmente, sua mente já longe, já planejando uma nova decoração para o quarto que um dia foi nosso.
Ele guardou o telefone no bolso, seus olhos encontrando os meus uma última vez. Não havia pedido de desculpas, nem remorso, apenas uma finalidade fria e dura. "Amélia", ele disse, sua voz desprovida de todo calor, "eu tomei minha decisão. Estou seguindo em frente com Cíntia e nossos filhos. Você, é claro, permanecerá minha esposa, por uma questão de decoro. Mas nossa vida íntima, nossos espaços compartilhados, acabaram. Enviarei instruções sobre sua residência contínua aqui. Você não deve mais entrar na suíte principal sem permissão, e você respeitará a posição de Cíntia nesta família."
Ele se virou e saiu, deixando-me sozinha na sala silenciosa e estéril. As palavras ecoaram em meus ouvidos, um toque de finados para tudo o que eu antes prezava. Minha vida íntima. Nossos espaços compartilhados. Acabaram. Ele não apenas me deixou para morrer, mas também selou meu destino, condenando-me a um inferno em vida, amarrada a ele como uma esposa troféu, enquanto ele vivia sua vida "predestinada" com Cíntia.