"Bernardo, meu filho", a voz do guru, sedosa e ressonante, cortou meus pensamentos. "Seu foco está fragmentado. A energia ao seu redor está perturbada." Ele gesticulou em direção ao meu celular, que eu estava segurando sob minhas vestes. "Seu apego a distrações terrenas impede seu progresso espiritual."
Rapidamente guardei o celular, um lampejo de irritação, depois vergonha, me invadindo. Eu o estava verificando constantemente em busca de respostas de Amélia. Mas não havia nenhuma. Minha última mensagem, uma notificação seca de sua alta e minha "bênção" para sua paz espiritual, permanecia não lida. Uma sensação estranha e oca se instalou em meu peito. Ela sempre respondia. Sempre.
"Perdoe-me, mestre", murmurei, baixando a cabeça. "Minha mente está... inquieta."
Ele apenas assentiu, seus olhos penetrantes. "O verdadeiro caminho raramente é fácil, meu filho. O universo nos testa. Seu futuro, seu destino, agora está manifesto. Abrace-o."
Abrace-o. Olhei para Cíntia, que estava sentada recatadamente ao meu lado, segurando Orion, que resmungava baixinho. Ela parecia cansada, mas radiante. Ela era a escolhida. A predestinada. A mãe dos meus herdeiros. Então, por que eu sentia essa inquietação persistente e incômoda? Por que o rosto furioso e de coração partido de Amélia continuava a invadir minhas meditações?
"Bernardo?", Cíntia sussurrou, sua voz suave, preocupada. "Você está bem? Você parece... distraído."
Forcei um sorriso, reprimindo o tremor perturbador em meu estômago. "Apenas contemplando a sabedoria do guru, minha querida. O caminho é longo." Minhas próprias palavras soaram vazias até para mim.
Por que eu me sentia assim? Eu tinha tudo o que sempre quis. Os filhos gêmeos, a linhagem segura, a bela e complacente Cíntia. Amélia era um problema, uma fonte de energia negativa, agora felizmente removida através de uma limpeza necessária (embora talvez excessivamente zelosa). Minha vida deveria ser perfeita. No entanto, havia esse vazio, essa ausência incômoda que se recusava a ser preenchida.
Orion começou a chorar, um lamento agudo e penetrante que quebrou a solenidade da câmara. Cíntia pareceu aflita, tentando acalmá-lo, mas seus choros só aumentaram. Ela olhou para mim, seus olhos arregalados e desamparados. "Bernardo, eu... eu não sei o que há de errado com ele."
Uma onda de impaciência me invadiu. Peguei o bebê dela, balançando-o, tentando desajeitadamente acalmá-lo. Enquanto segurava o pequeno pacote, seus choros diminuíram lentamente. Olhei para seu rosto, tão inocente, tão pequeno. Ele era um Hodge, meu filho. No entanto, um pensamento estranho, não solicitado e indesejado, insinuou-se em minha mente. Ele era tão pequeno, tão frágil. Tão diferente dos bebês robustos e saudáveis que Amélia quase carregou. Os bebês que eu...
Balancei a cabeça, horrorizado com o pensamento. O que eu estava pensando? Isso era o destino. Isso era perfeito.
"Sabe", disse Cíntia suavemente, interrompendo meus pensamentos perturbadores, "Amélia mencionou algo perturbador antes de partir. Ela disse... ela disse que poderia pegar alguns de seus pertences pessoais. Coisas preciosas. Por despeito, suponho. Acabei de me lembrar. Espero que ela não tenha levado nada muito importante." Seus olhos estavam arregalados, inocentes, mas um brilho sutil e astuto cintilava neles.
Meu sangue gelou. Amélia. Pegando minhas coisas? Por despeito? Tinha que ser um acesso de raiva, uma birra final e infantil. Ela não iria embora de verdade. Não a Amélia. Ela era grata, dependente. Ela me amava. Ela estava apenas reagindo porque não conseguia aceitar a vontade divina do guru. Ela estava jogando um jogo, tentando chamar minha atenção. Ela perceberia seu erro, voltaria rastejando.
"Ela não vai levar nada", eu disse, uma certeza fria em minha voz. "Ela só está com raiva. Ela vai voltar." Imediatamente liguei para o gerente da minha propriedade. "Não permita que Amélia entre na casa. Ela não deve levar nada sem minha permissão explícita. Ela está agindo irracionalmente."
Uma calma estranha se instalou sobre mim. Amélia estava apenas sendo difícil. Ela voltaria. Então, eu a perdoaria, a guiaria gentilmente de volta ao seu lugar, e talvez, eventualmente, ela pudesse até ser autorizada a ensinar os meninos sobre suas rosas. O pensamento, inesperadamente, trouxe um lampejo de calor ao meu peito.
Passei os dias seguintes com Cíntia e os meninos, isolando-me do mundo exterior, imergindo-me na ilusão de minha família perfeita. Passamos horas no templo, oferecendo orações, buscando bênçãos. Eu até pedi ao guru para consagrar um amuleto especial, um pequeno e intrincado medalhão, para Amélia. Um sinal de perdão, um convite silencioso para retornar. Imaginei sua surpresa, seu alívio, quando o recebesse. Ela entenderia. Ela veria que eu ainda me importava, que estava disposto a trazê-la de volta ao rebanho, embora em meus termos.
Imaginei suas lágrimas, seus pedidos de desculpas, sua gratidão. Minha raiva, eu disse a mim mesmo, estava desaparecendo. Eu estava até preparado para ignorar seu surto violento. Afinal, o guru havia dito que seu espírito estava perturbado. Eu seria magnânimo. Eu a salvaria.
Finalmente, sentindo uma sensação de compaixão benevolente, reativei minhas comunicações. Abri meu celular, esperando uma enxurrada de mensagens desesperadas, talvez até uma mensagem de voz chorosa. Meu dedo pairou sobre o contato dela. Nada. Nenhuma mensagem. Nenhuma chamada perdida. Nenhum sinal dela.
Meu coração batia forte, um pavor súbito e inexplicável me dominando. Isso não estava certo. Esta não era a Amélia.