– Ok. Aí está a prova que minha irmã é uma psicopata. – Ela soltou uma risadinha.
– Certo. Voltando... – revirei os olhos. – Eu gosto dele.
– Você já disse isso... – cantarolei.
– Ele é perfeito.
– Não é não. O nariz dele é meio tortinho... – apontei para meu nariz, querendo explicar melhor. Ela fez uma careta.
– Malu! Você nem ao menos se esforça pra gostar dele.
– Me desculpe, mas se espera que eu saia por aí dizendo o quão meu 'cunhado', você nem faz ideia do quão estranho é dizer isso, é maravilhoso... Desista.
– Tudo bem, não estou esperando que virem super amigos... agora. – fiz uma careta antes essa possibilidade. – Mas você pode tentar conhecê-lo melhor.
– Não tem como conhecer ele melhor. Eu já conheço. – Bem demais até.
– Como não?
– Oras... Hãn... – procurei pensar numa boa resposta, estava difícil. – O nariz dele é torto, já sei tudo que me interessa saber em um garoto.
– Quer dizer que Alexandre é seu amigo porque o nariz dele é retinho?
– Óbvio. Eu me relacionar com gente de nariz torto? – ironizei, fazendo graça. – Aff, que espécie de pessoa eu seria?
– Me diz que você ta brincando.
– Mas é claro que não! – tentei ocultar meu sorriso debochado por trás do livro.
– Maluu! – Ceci chioou.
– Ai Ceci. Vamos parar com essa conversa? – Estava cansada disso.
– Amanhã é o encontro entre namorado, namorada e irmãs chatinhas. E eu estou preocupada.
– Não se preocupe. Serei uma dama.
– É disso que tenho medo. Você não vai ser uma dama. – Ceci me conhecer bem demais, na maioria das vezes era um saco. Ela era um saco. Teimosa, insistente e chata. – A última coisa que você vai ser é uma 'dama'.
– Eu estou com fome e ficando irritada com essa conversa. – Decidi cortar o assunto, que estava se estendendo demais. A opção suicídio parecia cada vez mais agradável. Tudo pra não precisar ouvir as insistências de Ceci. – Depois nos falamos.
– Não, vamos continuar agora.
– Maria Cecília. Se continuarmos essa conversa, amanhã vai ser o pior encontro da sua vida! – ameacei. – E você sabe que sou mesmo capaz disso.
– Tuudo bem. To saindo! Bom apetite.
– Obrigada.– Ela se levantou da cama e foi para a porta. Antes de sair ela se virou para mim.
– O nariz dele não é torto!
– Continue se iludindo... – Ela mostrou a língua antes de sair. Eu ri baixo antes de morder meu sanduíche. Começando a pensar nele. Tomei um gole de coca. Irritada comigo mesmo. Não conseguindo impedir os pensamentos e aquela constatação. – Droga! Ela tem razão... O nariz dele não é torto.
Continuei sentada no sofá, totalmente tensa, enquanto Ceci terminava de se arrumar. Karol estava sentada ao meu lado, me olhava curiosa e volta e meia mexia no rabo-de-cavalo cuidadoso que Ceci fizera e que brigaria muito se fosse desfeito, preferia nem pensar no escândalo que essa possibilidade acarretaria.
– Karol, para de mexer nesse cabelo. – Ceci apareceu, já arrumada. Vestia uma saia e uma camiseta estampada que se assentava bem ao corpo, nos pés uma sandália plataforma. Olhei um all star surrado e minha camiseta de banda velha. Eu estava sendo humilhada antes mesmo de sair de casa.
Ouvimos uma batida na porta, Karol toda alvoroçada correu para atender. Me limitei a olhar para a televisão, vendo o reflexo dele na tela escura. Meu coração se rebelou e eu tentei me controlar. Tentei não me importar.
– Estão prontas? – A voz dele fez os cabelos da minha nuca se arrepiarem, quando ele estava tão longe parecia tão mais fácil, agora tê-lo perto, ter uma certeza tão firme de sua presença e proximidade, como sua voz, era quase enlouquecedor. Controlei o impulso de correr, de fugir daquele lugar.
– Claro. Vamos, Malu? – Me levantei, olhando para o chão. Passei por eles, e parei em frente a um carro. Um gol prata. Olhei para o céu e o sol acabou machucando meus olhos.
– Podem entrar.
– Não sabia que você tinha carro. – Ceci disse, sorrindo satisfeita.
– É, comprei alguns meses depois das férias do ano passado. – enrijeci, me lembrando que ele tinha me dito que faria isso mesmo. Comprar um carro com suas economias. Mas ele mencionar as férias passadas parecia ter sido dirigido a mim, não a ela. Karol abriu a porta do carro antes de mim e entrou rapidamente lá dentro. Fechando a porta com estrondo. – Acho que ela gostou...
– Ela sempre gosta. Acho que o que ela mais gosta nos namorados da minha irmã são os carros. Ela é uma Maria gasolina. – Eu disse, entrando em seguida no carro. E pouco me lixando se estava sedo cruel ou não. Todo o carro estava impregnado com o cheiro de Igor. Para me distrair, ajudei Karol a arrumar o cinto enquanto o casal se sentava silencioso nos bancos da frente. Ceci me fuzilou com os olhos e eu fiz uma careta, dando de ombros.
Por alguns minutos todos ficaram em silêncio, mas depois Karol começou a puxar assunto e; antes que eu pudesse me dar conta, estavam os três conversando bem animados enquanto eu só observava. Olhei para Karol, que tinha os olhinhos brilhando e sorria enquanto Igor falava algo sobre o planetário. Mais uma estava conquistada. Era perfeito! Minha ironia podia me sufocar de vez, eu pensava.
– E você? Gosta de estrelas, Malu?– Igor perguntou, me olhando pelo retrovisor. Me perguntei qual era o problema dessa criatura.
– Não. Não gosto.
– Que mentirosa. Ela gosta sim. Ela disse isso uma vez. – Ceci interrompeu. E eu soube que daria merda.
– Eu nunca disse que gostava.
– Disse sim. Você não se lembra? Você estava dormindo, no sítio do marido da D.Betty. Você sussurrou enquanto dormia. "As estrelas parecem tão bonitas. Tão bonitas porque você esta aqui comigo...". Eu sempre quis saber quem era que estava com você no sonho.
– Cala a boca, Ceci! Essa é uma informação que não poderia ser dividida de modo algum!
– Por quê? – Ela disse, se divertindo com meu rubor. Desgraça! – Ah não se faz de durona porque você é uma manteiga derretida.
– Cecília! Cala. A. Boca. – rangi, querendo desaparecer.
– Uh. Que estresse. Não acha, Igor? – Igor nem sequer se mexeu, somente me olhou pelo retrovisor. Afundei no banco do carro, tentando desaparecer da sua vista. Amaldiçoando com todas as forças minha irmã e seu namorado.
Peguei meu celular, colocando meus fones de ouvido com raiva. E liguei a música na maior altura. Somente para abafar o som da conversa deles, querendo esquecer a cena constrangedora de poucos minutos atrás, esquecer o jeito como Igor me olhou. Como eu, se lembrando de um certo dia no Planetário, aposto. E agora... Agora ele estava levando a minha irmã a conhecer aquele lugar. Tentei não me importar, sequer pensar. Apenas me limitei a encostar a cabeça no vidro do carro sacolejante. Sentindo a cabeça doer, meus ouvidos já haviam se acostumado com o som da música, mas a situação parecendo cada vez mais insuportável.
***
No final das contas, o passeio não foi tão ruim. Principalmente pelo fato que quando entramos no planetário cheio eu dei um jeito de desaparecer. Sumi de perto deles, de toda seu divertimento e fiquei andando sem rumo. Observando as coisas legais desse Planetário, que era muito maior do que o outro que eu fui. Muito mais interessante, moderno, gigante e bonito.
Acabei parando em um corredor interessante no meio das minhas andanças, era escuro, mas com luzes pequenas bem localizadas. Parecendo o céu estrelado. Segui por ele, sabendo que deveria ser um local proibido, pelo menos por enquanto a essa hora. Acabei naquelas salas com um grande telão e uma maquete gigante e bem realista do Sistema Solar. Devia ser o lugar onde faziam a apresentação sobre o Sistema Solar e essas coisas.
– Está vazio, talvez isso signifique que você não pode ficar aqui. – A voz de Igor me fez dar um pulo no meu lugar. Olhei em volta, no lugar vazio, constrangida.
– Ops. – O encarei, constrangida por ser pega em flagrante, que me olhava sem desviar o olhar. Cruzei os braços, voltando a minha postura séria e hostil. – Como me achou?
– Sabia que você devia estar isolada. Então pensei nesse lugar. – Ele saber disso, me incomodou ainda mais.
– Porque veio atrás de mim? – Ele meio que olhou os pés, seu rosto adquirindo um tom conhecido de constrangimento. A compreensão me inundou. – Minha irmã pediu, não foi?
– Foi. É... Vamos a uma lanchonete.
– Claro... Vai na frente. – cruzei os braços, apontando o caminho com a cabeça. – Eu vou depois.
– Na verdade... Eu me ofereci pra te procurar. – Não pude evitar a surpresa quanto a isto, muito menos a pergunta que se seguiu:
– Por quê?
– Eu preciso conversar com você. – Ele deu um passo a frente, me fazendo recuar dois passos.
– Não temos nada pra conversar.
– O jeito que você está lidando com as coisas está me matando, Malu!
– O jeito que estou lidando com as coisas? – ri irônica. – O que eu queria que eu fizesse? Saísse por aí dizendo que estou feliz com tudo isso? Você quer a minha benção agora?
– Isso é ridículo.
– O que quer que eu faça então? – Não conseguia entendê-lo. Entender o que ele queria. Será que não via que isso era estupidamente doloroso?
– Pare de me tratar como se eu fosse um monstro, como se eu não tivesse sentimentos...
– Então você tem sentimentos, mas não se importa com o dos outros? É isso? – ri irônica novamente. Começando a ficar com mais raiva ainda.
– Pare de fazer isso. Por favor... – Ele implorou, baixinho.
– Fazer o que? Ser sincera?
– Não está sendo sincera. Está sendo cruel.
– Owwn. Coitadinho. Eu sou a menina malvada, muito má. Sem coração... A bruxa perversa desse conto de fadas inútil que você esta tentando viver. – Minha voz parecia se tornar cada vez mais hostil. – Eu sou a cruel que destrói todas as suas tentativas de ser bonzinho com ela. Porque você... Oh... você é incrível! Um ótimo cara! Nunca magoou ninguém.
– Pare de fazer isso, de jogar isso na minha cara. Eu me lembro do que aconteceu sabia? Eu me lembro de tudo! Sei que fui imbecil. Mas já passou. Então pare com isso! E principalmente... Pare de falar e agir como se eu não tivesse te amado!
– Então pare de agir como se eu continuasse te amando! – gritei, sentindo os olhos embaçados. Mas a raiva e o orgulho maiores do que tudo, do que toda a mágoa. – Porque eu tenho uma surpresa bombástica pra você... Eu não dou a mínima pra você. Eu te odeio! Só quero você longe, ok? Bem longe!
Tentei passar por ele, mas ele segurou meus braços com força. Me fazendo o olhar nos olhos. Ele arfava, também com raiva. Então sorriu, um sorriso sarcástico.
– Você me odeia com tanta intensidade quanto ainda me ama?
– O que?! – gritei, horrorizada. A pergunta dele me pegara de surpresa, fazendo minhas pernas fraquejarem. – O que está dizendo?
– Que você é uma mentirosa. Você é uma mentirosa hipócrita. Não superou droga nenhuma! Porque se tivesse superado, não ficaria tão nervosa. Não ligaria a mínima pra nossa história anterior, porque eu não faria alguma diferença na sua vida. Se você tivesse superado, seria indiferente a mim. Nem daria bola pra mim. Mas eu posso sentir esse ódio em você, forte, intenso e vívido, proporcional ao quanto você se importa. Mesmo você tentando se fazer de indiferente, dá pra sentir sua fúria só de me olhar. E isso me dá a certeza que eu ainda afeto você. Me dá a certeza que você ainda me ama.
Com a mão livre, por puro impulso, lhe dei um tapa. Que fez eco por toda a sala vazia. Ele me soltou e eu cambaleei para trás. Chocada com suas palavras. Chocada porque isso era verdade. Ver que eu concordava com isso me deixara cada vez mais surpresa, cada vez mais... Magoada com tudo isso. Não tive forças nem para negar tudo o que ele me disse. E nem poderia. Quando consegui encontrar minhas pernas no meio de todo tremor que eu era, simplesmente saí correndo dali.
Entrei em casa esbaforida. Minha mãe tinha saído para jantar com seu marido, um estranho nessa casa. Então o lugar estava completamente silencioso, vazio e escuro. Subi as escadas em passos rápidos, entrando no meu quarto, todo bagunçado, e batendo a porta com força.
– Como ele se atreve a dizer aquilo? Argh! – fiquei me remoendo com isto o resto da tarde. Me sentindo cada vez irritada e fora de mim. Acabei indo tomar um banho de água super gelada para esfriar a cabeça. Esfreguei os cabelos com raiva excessiva durante o banho e fui me trocar, colocando uma roupa leve, ao contrário da minha cabeça, que pesava toneladas. A fúria dissipando lentamente enquanto eu penteava meus cabelos, mas ainda lá, presente em meu peito.
Enquanto desembaraçava meus cabelos úmidos, não pude parar de pensar no que ele havia me dito. Ouvi um barulho de carro chegando e caminhei para a janela, que dava para a entrada na casa. Vi Ceci descendo do carro, com Karol deitada em seus braços, provavelmente dormindo. Igor mantinha a expressão séria. Ceci caminhou para ele e beijou-lhe nos lábios. Assistir aquilo, presenciar aquele momento... Fora horrível. Não tinha nem como explicar. A raiva foi tamanha que apertei a escova de cabelo até os meus dedos doerem. Percebi que ele se afastou do beijo cedo demais. Ouvi Ceci acenar e, logo, ouvi a porta batendo e Ceci entrando dentro da casa. Mesmo assim continuei espiando, até que ele olhou em minha direção. Sustentei seu olhar por alguns segundos, até que seus ombros arriados me fizeram sentir ainda mais irritação. O encarei até que não aguentei o magnetismo daqueles olhos mesmos distantes e fechei a janela com força, a fazendo tremer.
Joguei a escova de lado e passei as mãos pela cabeça. Irritada comigo mesma, com ele, com toda essa situação. Antes que eu pudesse me recuperar do incidente da janela, antes que eu pudesse me recuperar do que vi. Ceci entrou no meu quarto. Tinha as bochechas vermelhas e seu olhar estava cheio de cólera.
– O que fez com ele? – Ela sibilou. E percebi que ela estava completamente descontrolada. Quando Ceci ficava irritada ela ficava simplesmente insuportável, mais do que o usual.
– Como?
– O que fez com ele? Eu vi cinco lindos dedos na bochecha dele! – engoli em seco, sem conseguir pensar em uma resposta boa o suficiente pra escapar de todo o escândalo. – Você bateu nele?
– Não sei do que está falando.
– Você bateu nele, Malu? Você é doida de fazer isso?
– Eu. Não. Sei. Do. Que. Você. Está. Falando! – neguei, já começando a me irritar profundamente. Sinceramente... Eu não merecia tudo isso. Não merecia ter que aguentar todas essas porcarias que estavam acontecendo.
– Então como você explica a marca da sua mão no rosto dele?
– Sei lá! Você é a namorada, problema seu. – Me afastei dela e ela pegou minha mão. Analisando meus dedos cuidadosamente, e se deparando com um anel antigo que eu tinha.
– Eu sabia! Sabia! No rosto dele ficou a marca de um anel, a marca do seu estúpido anel. – Uau, meu tapa tinha sido poderoso, então. Puxei minha mão com força, escondendo a mão atrás de mim. Caminhando para trás, me distanciando dela, sentindo minha cabeça latejar. Ela prosseguiu com o interrogatório. – Porque você fez isso?
– Eu não fiz nada! Você ta enlouquecendo! Quer saber... Não sou obrigada a ficar ouvindo essas porcarias. – tentei passar com ela, mas ela me segurou e me fez sentar na cama.
– Me explica o que aconteceu AGORA!
– Não tenho nada que explicar! – rebati, no mesmo tom de voz raivoso. Explicar tudo seria doloroso demais e traria ainda mais complicação no final das contas. Porque ela simplesmente não ia embora e esqueceria tudo isso, senhor.
– Você foi uma vadia e bateu nele, isso eu entendi. Eu quero saber por quê!
– Não enche, Cecília!
– É o MEU namorado. Você não pode simplesmente bater nele. Não pode. É o meu namorado. O meu!
– Caramba! Eu já entendi que ele é o seu namorado. Espero que tenha entendido também que eu ODEIO ele! – Eu disse, começando a perder a cabeça também. – Então faça um grande favor mantendo-o longe. Pensando bem, fiquem os dois longe de mim. Eu não preciso ficar aguentando uma irmã histérica e seu namorado imbecil. Eu não preciso!
– Não fale mal dele!
– Eu falo o que eu quiser! E quer saber? Cala a droga da sua boca, Cecília. Porque você não sabe de NADA ouviu? De nada!
– Então porque você não me explica?
– Porque você é egoísta demais pra entender. Só se preocupa com você e seu namorado imbecil. Deixou de ter uma irmã. Meus parabéns por toda sua inteligência em arranjar um namorado tão bom e perder a sua irmã. Agora me faz um favor? SAI DO MEU QUARTO!
– Malu...
– AGORA! – gritei, perdendo toda e qualquer paciência que eu tinha.
– Não!
– Qual parte do EU NÃO QUERO VOCÊ PERTO DE MIM. Você não entendeu? Sai daqui!– Ela continuou imóvel, me olhando com raiva. Então simplesmente a peguei pelo braço e a empurrei porta fora. Depois fechei a porta com estrondo e a tranquei.
– Malu, abre a porta!! Eu não terminei de falar com você!– Ceci gritou absolutamente histérica e batendo na porta com força.
– Pois eu já! Então... Cai fora! E para de bater na minha porta! – gritei de volta, mais histérica do que Ceci.
– MALU! ABRE A DROGA DESSA PORTA.
– MORRA! – gritei, me jogando na cama e ligando meu rádio na maior altura. Na esperança de abafar os gritos de Ceci atrás da porta. Caminhei para o banheiro, sentindo que precisava de outro banho, bem gelado. Algo que apagasse esse maldito dia, essa maldita discussão, a maldita visão do beijo dos dois. De preferência algo que apagasse aquele sentimento dentro de mim, que agora, mais do que em qualquer outro momento, parecia errado.
No dia seguinte nada havia ficado melhor, a noite de sono em nada apagara as palavras dele que ainda ecoava no meu ouvido. E a briga com Ceci continuava me deixando irritada. Eu estava sem falar com ela desde a briga, um pouco de paz finalmente, mas volta e meia alguém vinha bater na porta do meu quarto, tentando me convencer a sair.
Alguém bateu na porta mais uma vez, como sempre rebati a batida de forma ríspida e adorável:
– Vai embora!
– Pensei que você estivesse com saudades minhas. – A voz de Alexandre me fez sorrir involuntariamente. Levantei da cama, abrindo a porta e me deparando com um sorriso enorme dele. Estava mais bronzeado e eu diria ainda mais alto. Os cabelos, antes bem mais compridinhos, estavam super curtos. Seu rosto ficara mais bonito e menos infantil desse jeito. Mas o sorriso ainda era o mesmo. – Então... Quanto tempo vou ter que esperar pelo seu abraço?
– Idiota. – Ele veio até mim, me puxando em um abraço super apertado. O apertei de encontro a mim, o cheiro de perfume caro em sua roupa me deixaram mais calma, gostava dessa familiaridade, sentira falta disso. – Senti sua falta.
– Eu também. – confessei. O peguei pela mão, o fazendo se sentar na minha cama. Ele olhou ao redor, a sobrancelha franzida para minhas revistas jogadas pelo canto, pelas roupas saltando das gavetas e sapatos espalhados.
– Nunca vai arrumar esse quarto?
– Nunquinha. Eu me acho na minha bagunça... E nem ta muito desorganizado.
– Claro que não está... – Ele ironizou um pouquinho. – Então, você me pareceu apreensiva da ultima vez que falei com você. E olhando agora vejo que tem mesmo algo te incomodando. O que aconteceu? – olhei para ele, confusa. Ainda me assusta ver como ele me conhece tão bem. Melhores amigos assustam. Ainda mais quando são igual o Alexandre, super observadores e perceptivos. Suspirei antes de responder.
– Seria mais fácil você perguntar o que não aconteceu.
– Não tenho hora pra chegar em casa. – Ele se esparramou na minha cama e eu revirei os olhos de seus modos folgados.
– Ele voltou. – Ele me olhou surpreso com meu mistério, mas logo seus olhos se encheram de compreensão. Decidi soltar a bomba de vez. – Ele está namorando com a Ceci.
– Como é que é? – Ele se sentou, os olhos arregalados. Surpreender Alexandre sempre era divertido, mas dessa vez fora tristemente melancólico. Então comecei a explicar. Falando o quanto essa situação toda me irritava. Contei exatamente tudo, até as palavras de Igor. Só não admite que eu ainda não tinha esquecido. Era difícil para mim mesma admitir, imagina pra ele ouvir. Enquanto eu falava, Alexandre sempre perguntava, ou dava sua opinião. E isso era reconfortante. Ver que ele se importava.
– Ceci está sendo uma idiota. Está me tratando mal e isso me irrita. – Eu havia acabado de contar o que da nossa discussão. Ele agora não dizia nada. – To quase dando na cara, dela. É Sério.
– Ela é sua irmã. – Ele disse baixinho. Parecia estar absorvendo tudo.
– Mais um motivo pr'eu bater nela.
– Não fique tão brava com ela, você sabe como ela fica quando empaca nesses relacionamentos. Ela é a Ceci, oras! – olhei para Alexandre, indignada.
– Não acredito que esta tentando defender ela. Tudo bem que você tem essa super paixonite por ela. É absolutamente normal, já que vocês dois são iguaizinhos. Trocam de namorados como trocam de roupas... – Era completamente óbvia a queda que Alexandre tinha por Ceci. Mas acho que ela nunca o olhou como algo mais. E ele também nunca me falou sobre a paixonite dele e eu nunca forcei também. Respeitava o espaço dele e seus olhares mal disfarçados pela minha irmã. Porém, me irritava ver quando ele tomava partido dela desse jeito, principalmente quando eu precisava de seu apoio. – Mas eu sou sua melhor amiga! Não pode me trocar pela sua paixãozinha, ok? Isso está no contrato de amizade. Tenho certeza.
– Como você sabe que... – Ele coçou a cabeça.
– Eu sei de tudo. – murmurei, irritada. Ele riu de leve, olhando com uma cara insondável.
– Você sabe que sou péssimo nos conselhos... Não pira. Não grita. Não me bata. Muito menos me mate... Mas acho que você devia tentar ser amiga dele.
– O QUE? – O sol afetou muito a cabeça desse garoto... Só pode!
– Sei que é complicado, bem difícil... Mas não faça isso por ninguém mais além de si mesma. Isso machuca você, essa história inacabada com dele. Seja amiga dele, o supera... Sei lá. Talvez virar amiga dele ajude você a esquecer, a aprender lidar com ele. Talvez ajuda a passar. Tenta, pode te fazer bem. Fazer bem a todo mundo.
– Eu não quero tentar e pode até fazer bem pra alguma pessoa... Mas pra mim não! – A possibilidade era absurda. – Sem chance. E isso não está aberto a mais discussões.
– Tudo bem, tudo bem. Se quer se fazer difícil, se faça. – Ele voltou a se deitar na minha cama. – Mas no final você sempre concorda comigo.
– Sua modéstia é admirável. Talvez o mundo dos mortos queira conhecê-la também!
– Não seja chata. – Ele riu, tacando uma almofada na minha cara. – Não quer saber das minhas férias?
– Garotas, garotas, garotas, garotas, garotas... E ah... Deixa eu ver... Garotas! – Férias tão óbvias que chegavam a ser entediantes.
– Uau. Você é boa nisso.
– Obrigada. – sorri, irônica.
– Vamos, vai tomar um banho que nós vamos sair. – Não estava afim dos passeios de Alexandre.
– Eu não quero sair. – choraminguei, abraçando a almofada mais próxima.
– Mas eu quero.
– E daí? Chama outra pessoa. – cruzei os braços, indicando com o queixo o celular dele, provavelmente a lista de contatos cheias de garotas esperando algum convite. –Não deve ser difícil pra você arranjar companhia.
– Tem razão, é muito fácil eu arranjar alguém pra sair, mas... Eu quero sair com você. – Ele me puxou da cama, me guiando para o banheiro. – Eu posso ver o mofo se formando no seu braço. Anda, vamos tomar um arzinho. Almoçar e tudo o mais.
– Não seja chato... – gemi.
– Vê se não demora!
– Insuportável! – gritei, fechando a porta do banheiro, ele se limitou a rir. Respirei fundo, me resignando. Talvez sair me ajudasse a me distrair. Ficar em casa não ia adiantar muito mesmo...
– Anda, Malu! – Alexandre gritou pela nonagésima vez enquanto eu me arrumava, sem dúvidas, muito paciente. Prendi os cabelos em um rabo de cavalo alto, meu rosto se destacando assim pobre de mim por isso. A ponta do meu rabo de cabelo passava meus ombros, estavam hora de cortar o cabelo novamente.
– Já estou pronta. – Apareci no quarto usando meu shorts jeans e minha blusa comprida favorita, presente de Alexandre, é claro. Ele jogou a revista de lado, me analisando malicioso e brincalhão.
– Huum, ta gatinha.
– Cala a boca! – ri baixo, ele me puxou pelo braço, entrelaçando seu braço com o meu. O olhei pelo canto do olho, curiosa. – Aonde vamos?
– Não sei. Não decidi ainda. – Descemos a escada de braços dados. Quando chegamos à sala demos de cara com Ceci e minha mãe assistindo novela. Fechei a cara para Ceci. Esta analisou Alexandre da cabeça aos pés e notei aquele olhar de curiosidade perigosa dela.
– Oi, Alexandre.
– Oi. Ceci. – Ele sorriu abertamente, daquele seu jeito charmoso para ela que devolveu o sorriso no mesmo tom. Revirei os olhos.
– Como foram as férias?
– Legais. – Ela lançou a ele seu olhar de flerte. Me perguntei se ela se lembrava que estava namorando e tinha até feito um escândalo comigo por causa disto ontem. Ceci era absolutamente inacreditável.
– Alexandre? Quero ir logo. – sussurrei no ouvido dele.
– Certo. Vamos dar uma volta, não vamos chegar tarde.
– Juízo crianças. – Minha mãe sorriu. Ela era louca pelo Alexandre.
– Claro, mãe. – sorri, puxando Alexandre pelo braço, que pareceu pensativo.
– Malu... Eu fico parecendo muito idiota perto dela?
– Você fica idiota de qualquer jeito. – respondi, de forma muito doce, é claro.
– Obrigado. – Ele passou o braço pelo meu ombro enquanto andávamos. Umas duas ruas depois da minha casa encontramos Henrique, com seu skate. Henrique era bonito, cabelos escuros, olhos verdes, magro e aquele estilo de skatista bem charmoso. Há alguns anos atrás implicávamos muito um com o outro. Claro que depois que vim mudar pra casa da minha mãe as coisas meio que mudaram. Ele passou a me chamar pra sair e ser gentil comigo. Acho que é pelo fato de que agora eu tenho seios.
– Hey, pessoas.
– Oi.
– Onde estão indo? – Ele olhou para o braço de Alexandre em meu pescoço e acabei ficando desconfortável.
– Dar uma volta.
– Com o Alexandre você vai dar uma volta, né, Malu? – sorri sem graça.
– É que eu tenho uma coisa que você não tem.
– Cérebro? – sussurrei baixinho no ouvido de Alexandre, que controlou o riso.
– Exclusividade. – Então ele beijou minha bochecha e Henrique fez uma careta.
– Ele ta tirando uma com a sua cara, Henrique. Relaxa... – sorri convidativa, fazendo com que ele sorrisse também. – Então... Onde você vai?
– Encontrar o André e alguns caras pra andar de skate. Faz tempo que você não anda com a gente. – Realmente fazia tempo, na verdade, eu não sentira tanta falta disso assim. As garotas daquele grupo nunca foram com a minha cara mesmo e eu estava meio cansada de hostilidade.
– Amanhã talvez eu vá. – disse sem muito entusiasmo, sabendo que provavelmente não apareceria por lá.
– Ótimo. Até lá.
– Até. – Ele sorriu para mim antes de virar as costas, parecendo bem mais animado agora.
– Ele gosta de você, devia sair com ele. – Alexandre comentou tentando parecer inocente.
– Nem começa. – tirei seu braço do meu ombro, fazendo uma careta.
– Seria legal... ué.
– Alexandre, meu querido tapado. Pense... O que duas pessoas fazem depois que saem juntas?
– Dão uns amassos. – Ele respondeu prontamente.
– Você me disse que eu sou quase como a sua irmã. Tudo bem pra você ele dar uns amassos em mim? – Me afastei, querendo ver sua reação. – Porque pra mim, tudo ótimo. Ele é bem bonitinho e tal...
– Pensando dessa forma... – Ele me olhou sério, a expressão concentrada. – Nunca mais chegue perto dele, ele é um tarado.
– Sabia que você ia mudar de ideia. – Eu disse, rindo.
– Malu...
– O que é?
– Promete que vai ser solteira pra sempre? Aquilo que você me disse não sai da minha mente e acho que não consigo dormir pensando em você pegando outros caras. É muito... nojento. – Ele fez uma careta engraçada, balancei a cabeça.
– Eu já fiz isso antes sabia? – Eu ri, sorrindo irônica pra ele.– E ainda faço de vez em quando.
– Maria!
– Vai dizer que não sabia? Alô. Terra chamando Alexandre.
– Acho que sou um cara muito inocente...
– Acho que você é um cara muito idiota, isso sim. – Ele riu, me puxando pro caminho que dava para praia. Morar no litoral e ainda mais perto da praia tinha suas vantagens. O vento bateu no meu rosto e eu suspirei, tranquila. Acabamos encontrando alguns amigos de Alexandre e ficamos batendo papo. Eles eram legais e bem receptivos, para minha sorte.
– Ei, Malu... – Alexandre disse, me chamando de lado. – Ta com fome? Porque eu estou. A gente podia ir a um restaurante, lanchonete ou quiosque e tal.