/0/2618/coverbig.jpg?v=37a76cacf02c19ead5a40856a24232f1)
O motorista estava me esperando exatamente como meu pai tinha me contado, entrei no carro e deixei os funcionários do jatinho pegar minhas malas. Eles demoram uns cinco minutos tirando tudo e ajeitando no carro. Assim que tudo se apronta, o motorista entra no carro e me dá um bom dia alegre, eu retribuo meio recatada. Enquanto o carro estava andando fiquei vendo por onde passávamos, tentando, inutilmente, gravar o caminho, pensei que com o sol que estava fazendo poderia ir para alguma praia assim que colocasse as coisas em minha nova casa.
Olhei para o motorista ansiosa pela primeira vez desde que cheguei e perguntei no meu português perfeito:
- Você é daqui?
- Sim, senhorita.
- Você sabe onde fica a praia?
- Aqui perto tem uma, eu poderia te levar depois que deixarmos suas coisas na casa, mas depois tenho que ir embora, seu pai me deu ordens diretas.
Sinto um gosto amargo em minha boca, é claro que meu pai fez isso, ele queria dificultar minha vida o máximo possível.
- Ah sim, muito obrigada então.
- Por nada.
Passo o resto do caminho quieta, a menção ao meu pai me deixou nauseada e irritada novamente. O motorista obviamente percebe e não fala mais nada, percebo que ele da alguns olhares de relance pelo retrovisor e só isso.
Quando chegamos em casa, percebi que minha punição tinha começado ali. Estávamos em uma rua, que era uma casa colada na outra, cada uma com uma cor diferente. Nem pareciam com casas de verdade, e sim prédios minúsculos mal construídos. A minha era uma casa azul em que a tinta estava descascando, tinha dois andares, ou já teve um dia, agora tinha uma porta no primeiro andar, e uma escada que dava em uma porta pro segundo. Olhei para o motorista confusa.
- A casa de cima é a sua. É comum em algumas regiões dividirem o primeiro e o segundo andar da casa, e alugarem para pessoas diferentes. Não se preocupe, o de baixo está vazio.
Peguei uma mala sem falar mais nada, e subi as escadas, quando abri a porta fiquei surpresa. Não acredito que meu pai tenha me colocado pra morar nesse cubículo. Era praticamente uma sala com uma cozinha junta, um banheiro minúsculo e um quarto que só tinha espaço para uma cama e um mini armário. Minhas roupas nem vão caber aqui. Como ele espera que eu viva assim?
Decido que não vou ficar aqui nem mais um segundo, jogo as malas no chão e saio da casa correndo e entro direto no carro. O motorista tinha levado as outras malas junto comigo, então ele fecha a porta assim que sai e me entrega a chave.
A viagem até a praia é rápida, daria para eu ter ido a pé, se eu soubesse onde ficava. Agradeço ao motorista, saio do carro e começo a andar no calçadão, observando a paisagem. Aqui é bem diferente do meu pais natal, é mais quente, apesar da Itália não ser o local mais fresco do mundo. Porém com o vento batendo quase não dá pra sentir o calor.
Vou para uma parte onde tem um banco e sento nele. Decido ficar aqui por um tempo só observando as pessoas passarem, tentando distrair minha cabeça. Porém é mais complicado do que eu pensei, fico dando voltas e voltas com meus pensamentos, tentando pensar em algo que me ajude a sobreviver a esse pesadelo, a eu voltar para minha casa, ou no mínimo conseguir viver uma vida decente aqui. É quando eu sou pega de surpresa, estava tão absorta em meu próprio mundo, que não reparei quando um garoto chegou e sentou do meu lado. Somente quando ele fala comigo que presto atenção a minha volta.
- Você é nova na cidade, estou certo?
Olho para ele com cara de desprezo, que tipo de pessoa chega assim e já vai perguntando sobre minha vida, sem nem um oi antes? Claramente o tipo que não recebeu bons modos. Então só digo:
- Quem é você?
- Eu já ia chegar nesse ponto. Rafael Guimarães, prazer.
- E como você sabe que sou nova?
- Bem, é uma cidade pequena. Conheço muita gente, e tenho certeza que se tivesse visto um rosto bonito desses teria me lembrado. Você ainda não me disse seu nome.
- E por que eu diria meu nome a um completo estranho?
Eu digo isso e ele começa a rir, e então reparo nele, é bonito, moreno, tem cabelos e olhos castanhos e um rosto bem definido. E agora percebo que ele está sem camisa, usa somente com uma bermuda preta e é perceptível que ele malha. É o tipo de garoto que eu beijaria sem pensar duas vezes. Mas no momento eu só queria paz.
- Você faz muitas perguntas. - Ele diz.
- É o único jeito que conheço para conseguir respostas.
- Bonita e inteligente, algo mais que eu precise saber? Além do seu nome, porque parece ser uma informação confidencial.
- Se eu te disser meu nome, você me deixa em paz?
- Deixo, mas tenho certeza que depois de um tempo, vai ser você, que não vai querer ficar longe de mim.
Eu reviro os olhos na mesma hora que ele fala isso. Ele é muito convencido, acha mesmo que eu não iria querer ficar longe dele. Eu já mandei garotos dez vezes mais bonitos e interessantes para o espaço antes. Se quisesse, poderia usar ele como se fosse minha marionete.
- Acha mesmo que eu ficaria apaixonada por você?
- Tenho certeza, te dou minha palavra que poderia ficar caidinha por mim em dois tempos. E eu sou um homem de palavra.
- Eu prefiro homens de atitude.
Ele sorri para mim, está gostando disso, sinto como se estivéssemos em um jogo em que toda palavra dita é analisada pelo adversário a procura de pistas.
O clima se quebra quando aparece um grupo de pessoas, provavelmente amigos dele, chamando-o de gado, e fazendo outras piadas que não entendo. Um dos garotos, que está com uma blusa vermelha na mão, oferece ao Rafael e fala algo em seu ouvido. Ele olha pra mim e diz:
- Vou precisar ir, mas não se preocupe, na próxima vez que eu te ver, já saberei seu nome. E lembre-se, sou um homem de palavras.
Nem tenho tempo de responder, e ele já se foi, junto com metade dos garotos que apareceram. Os vejo ao longe, cada um subindo em uma moto ou entrando em um carro, todos pintados de vermelho. Dos que ficou, um deles se aproxima de mim, ele é alto e magro, tem o mesmo tom de pele, cor dos olhos e do cabelo que eu. Ele é bonito, mas de um jeito familiar, como se já tivesse visto esse rosto antes em algum lugar. Seu corpo tem várias tatuagens, então, para não encarar, tento me concentrar em meu anel do dedo mindinho, ele é de prata com uma safira em cima, foi minha mãe que me deu, mas depois que eu cresci, ele só coube no menor dedo. Poderia ter conseguido um igual, mas não seria a mesma coisa. Vejo pelo canto do olho ele sentar ao meu lado e olhar pra mim:
- Liga para ele não, essa cidade é cheia dos gados.
- Me desculpe, não entendi.
Ele olha pra mim e ri.
- Você está rindo da minha cara?
- Claro que não, é que você é a primeira pessoa que não conhece essa expressão por aqui. É basicamente quando o cara faz de tudo pra ficar com a garota.
- Ah entendi, obrigada.
Olho para ele desconfiada, sei que não fez nada de errado, mas é da minha natureza não conseguir relaxar perto de outras pessoas. Mas ao ver sua expressão, calma e descontraída, tento me acalmar. Seria uma boa distração, ter alguém pra conversar, me mostrar a cidade uma boa hora. Não preciso virar sua amiga nem confiar nele, mas é bom manter alguém por perto caso eu precise. Então finjo relaxar e começo a sorrir.
Os amigos dele, que estão a nossa frente, começam a se sentar em uma rodinha. Eles se apresentam, mas tenho certeza que não vou me lembrar do nome deles, então nem me esforço. O garoto que está ao meu lado é o último a se apresentar entre os garotos.
- Meu nome é Matteo, mas todos me chamam de Matt.
Olho surpresa para ele.
-Então você é italiano?
O rosto dele que continha um sorriso se fecha a um riso forçado, claramente ele está tentando ser simpático. Ele responde meio secamente:
- Creio que meu pai era. Mas eu nasci e fui criado aqui com minha mãe.
- Seu pai morreu?
Logo depois de falar isso, percebo que não é uma boa ideia. Além de ser muito indelicado, é claro que ele não quer falar sobre isso.
- Aquele babaca me abandonou com minha mãe. Também abandonou meu meio irmão, o Miguel. Mas nós criamos nossa própria família.
Eu olhei de novo para o grupo, a procura do Miguel, sabia que tinha ouvido esse nome, finalmente acho ele, e percebo que ele não se parece nem um pouco com o Matt, desde o cabelo encaracolado castanho até o tom de pele cor de jambo, nenhum traço do rosto é parecido, talvez somente os olhos. Decido não fazer perguntas mais sobre isso. Até que me toco, que no meio de todos aqueles garotos, que devia ser uns 10 no total, tinha uma só garota. Olho para ela e pergunto:
- Como você consegue ficar sozinha no meio de todos esses garotos? Eu ficaria louca.
Ela levanta e olha para mim, percebo que é bem bonita. Ela tem cabelos e olhos castanhos, e a pele bem morena, era obvio que ela se bronzeava sempre. E como eu, tinha um corpo cheio de curvas, mas era mais definido, como se ela lutasse. Ela sorri, e eu percebo que os olhos dela são bem pequenos, pois quase se fecham no ato.
- Acredite, eu tenho alguns ataques de loucura por dia graças a eles.
- Pode parando, você ama a gente. – Um dos garotos fala.
- Se eu amasse mesmo não tomaria tantos calmantes durante o dia.
Ela olha para mim e fala:
- Não me apresentei, meu nome é Morena Costa.
- O meu é Milena De Angelis.
Matt vira para mim e pergunta:
- Então você é italiana? Por isso da pergunta?
- Culpada.
E começo a rir, não me sentia leve assim fazia um bom tempo. Passo a tarde conversando com eles, todos me contam histórias da infância, e sobre o dia-a-dia agitado que tem na cidade, o que me poupa de falar sobre o motivo da minha vinda. Troco telefones com alguns deles e fico ali, jogando conversa fora e rindo. O tempo passa muito rápido pois quando eu vejo, já está no por do sol, eu cheguei aqui era antes do almoço ainda. Começo a perceber outras coisas também, não como nada desde o voo, e por conta do fuso horário já estou com muito sono. Porém quando vou falar que era melhor eu voltar para casa, Rafael aparece novamente, e desta vez, ele está sozinho. Ele vem na minha direção, com um capacete de moto em sua mão. Quando chega perto, se inclina em minha direção e passa a mão em seus cabelos. Então me oferece seu capacete.
- Vamos?
Por um segundo fico genuinamente confusa.
- Do que você está falando? Para onde está querendo ir?
- Ainda não decidi, mas essa é a graça, não?
- Então você quer me levar em um passeio sem destino?
- Obviamente.
- Já descobriu meu nome?
Percebo em seus olhos que está se divertindo muito com isso, talvez esse fosse o joguinho dele, quanto mais fazemos isso, mas irritada eu fico, porém de algum modo, também fico intrigada, o que me fascina. Ele começa a sorrir.
- Não cumpri minha promessa, ainda não sei seu nome, mas posso descobrir no nosso passeio.
- Achei que fosse um homem de palavra, se nem isso é, o que te sobra?
- Um homem de atitude.
Dessa vez sou eu que sorrio, penso em mil motivos para dizer não, mas percebo que quero ir apesar de tudo. Ele me oferece o capacete mais uma vez.
- Vamos, eu não mordo, só se você quiser.
Então ele pisca para mim, fico pensando que eu poderia beijar ele, não ia fazer mal algum. E talvez esse passeio me rendesse um tour pela cidade. Porém ele ainda é um completo estranho, não sei se deveria subir na moto com ele.
- Estava indo embora para casa.
- Disse certo, estava. Agora você vai comigo. Uma voltinha não vai fazer mal a ninguém, e depois te deixo em casa.
Penso que talvez, uma volta não vá fazer mal. O irmão do Matt, Miguel, parece tenso, e com um pouco de raiva. Reparo que alguns do grupo também estão, incluindo a Morena. Começo a hesitar, pensando no motivo de tanta tensão, quando Matt vira para mim e fala:
- Você deveria ir. Rafael não vai te sequestrar no caminho, tenho certeza disso.
Percebo que, apesar de tentar parecer o mais tranquilo possível, Matt fala isso quase com um ressentimento na voz. Porém Rafael se diverte cada vez mais.
- Tem razão, eu prefiro que as mulheres vão até minha casa por vontade própria.
Olho desconfiada de um para o outro, queria muito entender o que está acontecendo, mas sei que ninguém vai me dizer se perguntar, então tomo uma decisão. Pego o capacete na mão dele.
- Tudo bem. Vamos dar uma volta, mas sem tentar nenhuma gracinha.
- E por que você quer tirar toda a graça do passeio?
Reviro meus olhos e levanto para me despedir do pessoal. Não consigo me lembrar quem é quem, mas todos foram gentis comigo, então decido os tratar do mesmo jeito. Antes de sair, Matt e Morena pedem para que eu mande mensagem assim que chegar em casa.
Ando devagar ao lado de Rafael, o caminho até a moto dele é silencioso, ele não tenta puxar assunto, e eu decido fazer o mesmo. Chegamos à moto dele, e ele pega o capacete da minha mão e chega bem perto de mim. Sinto o calor do corpo dele, ele levanta a mão e pega uma mecha do meu cabelo que está solta e coloca atrás da minha orelha, esse ato faz com que eu fique toda arrepiada. Recuo rapidamente e retiro o capacete de sua mão e coloco eu mesma em minha cabeça. Dou uma olhada com raiva para ele.
- O que eu disse sobre as gracinhas?
- Não sabia que te ajudar era uma gracinha.
- Eu sou perfeitamente capaz de colocar um capacete sozinha, obrigada.
Ele sorri, desvio o olhar para a moto vermelha dele, e percebo quão bonita ela é. Não entendo muito de motos, por isso não sei qual é o modelo, mas isso não me impede de aprecia-la. Ele fixa o olhar em mim.
- Você está com fome? Posso te levar em um lugar.
- Talvez seja melhor me levar para casa.
- Achei que já tínhamos estabelecido que sou inofensivo.
- Acho que as exatas palavras foram "não sequestrador", e além disso, ninguém é completamente inofensivo.
Ele começa a rir, e então sobe na moto.
- Você está certa, mas acredito que você nunca vai me conhecer se não tentar.
Eu aceno a cabeça novamente e subo a moto, passo os braços ao redor da cintura dele para me segurar, sinto que ele está rindo novamente. Ele vira a cabeça levemente, só o suficiente para eu ouvir o que ele vai dizer.
- Então senhorita, para onde?
- Para onde você quiser me levar.