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Ouço o Matt me chamar, porém não me movo. Continuo com o bilhete na mão, até ouvir os passos dele se aproximando de mim, então coloco o bilhete em meu bolso correndo, o mais rápido possível. Levanto meu rosto para olha-lo, tentando não parecer culpada. Ele tem uma expressão preocupada no rosto.
- Eu disse para você ficar no carro. - Matt fala.
- Eu quis ver o que estava acontecendo.
Ele olha em volta novamente, como se a qualquer momento fosse surgir uma pessoa a nossa frente. Tento achar algo para falar, mas nada me vem à cabeça. Só olho para cima, querendo logo entrar em casa e ficar sozinha, para pensar no que vou fazer.
- Você o encontrou por aqui? - Pergunto, querendo correr para dentro de casa e me trancar lá dentro.
- Não. Mas se a moto dele está aqui, talvez ele esteja por perto.
Aceno com a cabeça e olho em volta, sei que ele não está aqui, sei que ele não vai aparecer. Mas não sei se posso mostrar o bilhete a Matt. E se o que Rafael estiver me falando for verdade? E se ele puder me provar? E se ele tiver informações sobre mim que eu não sei? Eu poderia descobrir. Mas se eu contar tudo para o Matt, Rafael não vai querer me ajudar.
- Já que você olhou tudo, e não encontrou ele, acho que eu devia subir para dormir um pouco. - Falo, inocentemente.
Ele olha para mim desconfiado.
- Ainda não escureceu, e você vai dormir?
Percebo que ele está certo, o sol está se pondo agora, e então percebo quão distraída eu fiquei com o presentinho do Rafael.
- É o fuso horário, eu já estou com sono agora. - Minto.
Ele acena a cabeça.
- Entendi. Mas você não quer que eu fique, ou não quer ir comigo para minha casa? - A preocupação fica evidente em sua voz. - Não queria te deixar aqui sozinha.
- Não tem problema, eu tranco a porta quando eu entrar, e qualquer coisa eu te ligo.
Meio contrariado, ele concorda comigo e me leva até a porta de casa. Nos despedimos e eu me tranco dentro de casa, indo até meu quarto com o bilhete na mão e relendo ele várias vezes, como se eu fosse conseguir extrair alguma informação escondida.
Me jogo na cama frustrada por não saber o que fazer, fico pensando em todas as possibilidades. Se Rafael estivesse mentindo e não pudesse me provar nada, não haveria mal algum, certo? Exceto que ele poderia fazer algo ruim comigo, muito ruim. Eu não sei o que ele faz exatamente, e nem com quem está metido. Sei que Lima é o chefe dele, e provavelmente o pessoal que anda junto com ele deve ser da mesma gangue.
Apesar de tudo, minha curiosidade fala mais alto. Então decido ligar para ele.
No terceiro toque, ouço alguém do outro lado da linha. Com muito barulho de fundo, como se estivesse em um restaurante lotado.
- Rafael?
- Milena?
- Eu encontrei seu bilhete.
E então vem o silencio silencio. Paro para ver se a ligação caiu, porém ele ainda está na linha. Só recebo uma resposta depois que o chamo de novo.
-Milena, espera só um minuto, já retorno sua ligação.
E ele desliga antes que eu possa falar algo. Estranho, muito estranho. Ando pela casa, a procura de algo que nem sei o que é. Fico encarando uma janela, percebo que o sol já se pôs, e surgiu um céu estrelado em seu lugar. Depois de alguns minutos recebo uma ligação e atendo na mesma hora. É o Rafael novamente, mas agora em um lugar silencioso.
- Presta bastante atenção Milena, eu não posso falar sobre isso aqui. Mas estou assumindo que você queira as provas?
Respiro fundo, sinto como se fosse minha única chance de voltar atrás na minha decisão, porém estou decidida.
- Quero, eu quero saber de tudo. Custe o que custar.
Percebo que ele solta uma risada do outro lado da linha.
- Nós vamos precisar nos encontrar, e eu vou te contar tudo que eu sei. Mas eu preciso que você seja o mais discreta possível.
Concordo com tudo que ele me diz, e combinamos de nos encontrar em dois dias em um local afastado. Então, desligo a ligação.
Deito na minha cama tentando dormir, em vão. Passo uma boa hora me revirando, sinto meu corpo cansado, entretanto minha mente está a mil. Até que por fim desisto e penso que talvez fosse melhor dar uma volta, respirar ar fresco.
Saio de casa com a intenção de passear a pé, até que vejo a moto no estacionamento. Penso por alguns minutos, talvez fosse melhor andar de moto, considerando que é minha agora. Mais cedo ou mais tarde, todo mundo ia descobrir mesmo. Subo na moto, tinha esquecido a chave na ignição antes de subir para minha casa, então a ligo e começo a andar.
A principio sinto medo, nunca gostei muito de motos, aprendi a pilotar por desencargo de consciência, acreditava que antes eu no controle do que outra pessoa, pelo menos eu teria noção do que estava fazendo. Então acelero, cada vez mais, e a sensação de medo é substituída por uma nova. Liberdade. Começo a me sentir livre como nunca fui, sinto o vento batendo em meus cabelos, e o frio arrepiando minha pele, e a adrenalina percorrendo por todo o meu corpo. Então tento pensar em onde poderia ir, e decido explorar uma parte da cidade que eu não conheço. Começo a ir para o sul da cidade, do lado contrario da praça e do parque que visitamos ontem. Viro em diferentes ruas, até que encontro um aglomerado de lojas com um estacionamento, e decido parar um pouco. Vou em direção de uma cafeteria em busca de um chocolate quente, porém ouço uma voz familiar vindo de um beco. Penso por um segundo se deveria realmente me envolver, porém minha curiosidade fala mais alto. Então me encosto na parede da cafeteria, e chego o mais perto possível da abertura da passagem para poder ouvir. Ouço a voz da Morena:
- Precisamos saber o que eles sabem, e você sabe disso, sabe como ele reage aos mestiços.
- Ele nunca demonstrou que sabia de você. – Diz um homem que não conheço. – E não acho que vá vir atrás sendo que estamos finalmente com um acordo, principalmente depois de tudo o que aconteceu.
Não fico surpresa de descobrir que Morena é uma mestiça. Ela simplesmente tem uma aura, como se soubesse de tudo e de todos. Se fosse apostar, apostaria que ela tem um poder mental, tipo Clarividência.
Porém fico surpresa de descobrir que tem gente que caça Mestiços. Reconheço que há muito tempo, pessoas tinham medo deles, pois sabiam que se eles quisessem fazer algo ruim, eles fariam, e seria muito difícil derrubar um deles, a não ser que você fosse um Deus. Mas para um mortal matar um mestiço, precisaria de um grande grupo, e ser muito habilidoso com armas e lutas. Um Mestiço com poder de fogo, poderia colocar nosso mundo em cinzas, um com poder mental, poderia controlar exércitos, então sim, eles podiam ser perigosos. Mas para mim isso já era uma ideia muito ultrapassada, até porque não acho que seja um poder que vá fazer a pessoa ter atitudes ruins. Os seres humanos já tem atitudes ruins suficientes, já matam o suficiente. Nem precisam de um motivo para isso, fazem isso simplesmente para mostrar quem tem mais poder. Enquanto isso, as pessoas que tem poder de verdade, se encolhem em um canto por medo de ser atingidos por um idiota qualquer com uma arma na mão.
Ouço Morena suspirar alto.
- Você não o conhece como eu, Lucas, não sabe como age. Ele não liga para o acordo. E se ele vier atrás de mim...
- Então nós vamos atrás dele antes disso. Fica tranquila, vai tudo ficar bem.
- Pode ser que sim, mas me sentiria melhor com aqueles arquivos.
Arquivos? Será que ela está falando dos mesmos que o Rafael me prometeu? Se eles tiverem um arquivo da Morena, talvez eles tenham de todos eles. E se for a eles que estão se referindo, então significa que Lima é o preconceituoso. Será que Rafael compartilha do mesmo pensamento? Bem, só há um jeito de descobrir. Me inclino um pouco mais, querendo ouvir melhor a conversa. Porém ouço uma voz vindo do meu outro lado, falando baixinho.
- Ser fofoqueira não combina com você.
Olho em direção a voz e encontro uma das garotas mais lindas que já vi em minha vida. Depois de mim, é obvio. Ela é branca, cor de porcelana, tenho a sensação que se tocarem nela poderia quebra-la. Porém, ela é alta, não alta para mim, pois sou baixinha, todos são mais altos que eu, ela é alta para um padrão normal. Ela tem sardas em seu rosto, e olhos verdes vivos. Seu cabelo longo é ruivo, um pouco alaranjado. Ela sorri em minha direção. Sinto-me, de alguma forma, vontade de sorrir também. Ela se inclina levemente em minha direção.
- Quem você está ouvindo? - Ela cochicha com um ar de cumplicidade.
- No momento, somente você.
Ela revira os olhos, e segura uma risada. Então cochicha de volta:
- Vou ficar quieta então. Se importa de eu escutar com você?
- Engraçado, você não faz o tipo fofoqueira. – Rebato com ironia na voz.
- As aparências enganam, não é mesmo?
- Somente quando você se deixa iludir por um rostinho bonito.
Então vindo do beco, escuto o homem falar algo, me inclino mais um pouco para ouvir, e percebo que ele está sussurrando:
- Acho que tem alguém nos ouvindo.
Então a menina ruiva dá um salto e grita:
- Pegaram a gente! Corre!
Ela segura minha mão e começa a correr, por algum motivo, começo a correr com ela. Sei que Morena não ficaria chateada comigo, mas prefiro que ela não me veja como uma fofoqueira. Nós corremos durante dois quarteirões até entrarmos em um beco. Nos apoiamos na parece arfando pela falta de ar, e rindo, rindo muito. Olho para ela e vejo suas bochechas rosadas. Talvez por causa da risada, ou por causa da corrida. Não sei ao certo. Assim que ela recupera o folego, estende a mão para mim.
- Luana, prazer.
- Milena.
Ela olha intrigada para mim.
- Por que você estava escutando a conversa?
- Quer a longa versão ou a curta?
- A curta, por favor.
- Bem, a curiosidade falou mais alto.
Ela deu uma risada e começou a andar para o outro lado do beco, eu ando atrás dela, tendo que andar mais rápido para acompanhar suas passadas longas. Então eu percebo, ela estava me vigiando enquanto eu escutava a conversa de Morena.
- Por que você estava me vigiando? - Pergunto.
- Achei curioso, uma garota encostada na parede. – Ela para e da meia volta para me encarar. – E para ser bem sincera, gosto de olhar para vistas bonitas.
Coro na mesma hora. Geralmente não fico envergonhada por elogios, porém este me pegou de surpresa.
- Bem, você atrapalhou minha investigação.
- Se serve de consolo, posso arranjar alguém que tem todas as informações da cidade para você.
Não consigo conter minha curiosidade. Sem nem hesitar, já vou falando que quero conhece-la. Porém Luana ri.
- Calma, calma. Ela vai cobrar um preço.
Murcho como um balão de festa.
- Não tenho dinheiro sobrando.
Ela olha para mim, intrigada, da minha cabeça aos meus pés. Passa alguns segundos me analisando, e sei o que ela pensa. Ela acha que tenho dinheiro, muito dinheiro. Todos que olham para mim pensam. Porém depois de alguns segundos ela dá de ombros.
- Fui eu que fiz você ser descoberta, eu pago pelas informações. Você está de carro?
- Tenho uma moto na garagem onde estávamos.
Começamos a andar em direção a garagem conversando brevemente. Não demora muito para chegarmos, então dou uma olhada rápida para ver se Morena não está ali, porém o estacionamento está vazio. Vou até minha moto, e ouço Luana assobiando atrás de mim.
- Você não tem dinheiro e tem uma moto dessas?
- Foi um presente. – Eu digo.
- Tenho que te alertar, para te dar um presente desses, ou tá apaixonado ou fez uma cagada muito grande.
Eu dou um sorriso.
- A segunda opção, eu acho. Vamos?
Eu subo a moto, e ela levanta um sobrancelha para mim, intrigada, depois sobe na garupa. Começamos a andar pelas ruas em direção ao norte da cidade, Luana fica dando direções ao meu ouvido, até que ela começa a reclamar que eu ando muito devagar.
- Você quer o que? Eu estou a 60km/h. Dentro da cidade.
- Para a moto. – Eu paro em qualquer lugar, perto de uma calçada. – Agora desce. Vou te mostrar o que ela pode fazer.
Eu desço relutantemente, dando a ela o lugar do piloto. Subo na garupa e aperto ela com força. Ela começa a acelerar. É uma sensação boa e ruim ao mesmo tempo. A adrenalina percorre o corpo todo. Ela pega uma avenida grande, e acelera cada vez mais. Fico vendo o mostrador da velocidade. 90km/h. 100km/h. 120km/h. Então fecho meus olhos e enterro meu rosto em suas costas, não consigo ficar olhando para isso. Meu coração bate forte e me sinto apavorada. Sinto ela fazendo uma curva brusca e solto um gritinho, o que faz ela ri. Passa poucos minutos, ao que para mim parece horas de tortura, e chegamos a uma casa. A casa é bem simples, um pouco maior que a minha, somente com um andar e branca.
Assim que paramos, desço correndo da moto, tiro o capacete e corro em direção ao muro. Me apoio nele e respiro fundo. Luana desce da moto tranquilamente atrás de mim e vai na minha direção, me jogando as chaves.
- Quer parar de drama? - Sua voz sai alegre. - Chegamos aqui muito bem.
Sinto a bile vir na minha boca.
- A que velocidade chegamos?
Ela sorri, porém não é um sorriso de felicidade e sim de quem aprontou alguma.
- Cento e cinquenta.
- Espero que essa daí não vá vomitar no meu quintal. - Uma mulher diz.
Ouço a voz falando, o que me assusta, então olho em direção a casa com um olhar de desprezo. Não consigo vê-la direito, pois está escuro, porém percebo que ela está a porta.
- "Essa daí" tem nome.
- Eu sei seu nome, Milena. – Ela se vira para Luana, ignorando minha existência – O que você quer aqui?
Luana abre um sorriso enorme, coloca as mãos atrás das costas, e começa a balançar o corpo. Fica parecendo uma criança que quer comer doce antes da janta.
- Informações. Achei mais uma curiosa na cidade.
- Então entrem. – Disse a moça misteriosa.
Andamos lado a lado, adentrando a casa dela.