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A noite ficava ainda mais fria e o céu estava sobre uma penumbra escura, dando sinais que uma forte tempestade chegaria a qualquer momento. Os relâmpagos traziam luz a escuridão de um mosteiro ao norte da Turquia, na região de provinciana de Trabson. O local foi esculpido nas rochas de uma montanha com um aspecto arquitetônico ortodoxo, nas proximidades do Mar Negro.
Cambaleando pelos corredores escuro daquele imenso castelo assombroso, uma jovem mulher de corpo esguio, magra, ao ponto de se enxergar os ossos, sentia os primeiros sinais de contração. O bebê estava prestes a nascer, e novamente ela estava sozinha naquele lugar. O quarto escuro e o fino e velho colchão, eram vistos através dos relâmpagos, que intensificavam conforme a tempestade chegava ao local.
Apenas duas freiras sabiam de seu estado, quando adentrou as portas do mosteiro pedindo abrigo, em uma noite chuvosa como aquela. Mariah e Piedade, eram elas que se encarregariam do parto e do destino daquele bebê. Se fosse um menino seria facilmente adotado por uma família turca provinciana, porém, se fosse menina seria enviada para Abadia di Sant'Antimo, no centro da Itália.
Os sons dos relâmpagos e dos trovões que ecoavam pelo interior do mosteiro abafavam os gritos de dor daquela menina de apenas dezessete anos, que foi expulsa de casa por estar grávida de um homem que a abandonou a própria sorte.
Depois de longas horas de sofrimento e dor, em meio ao frio de uma tempestade, uma bela e saudável menina nasceu, faminta e aos gritos, que eram contidos pelo som da tempestade. A pequena abocanhando os seios da mãe, e os sugavam com força, com os olhos grandes e verdes, abertos, olhos fortes e expressivos, olhos esses herdados da própria mãe.
Piedade faria a viagem com menina, a levaria para Itália, o país não era muito receptivo a mães solteiras, aquela menina de dezessete anos só teria chance de se reerguer, se não fosse mãe, e como não tinha aonde ficar, as regras do mosteiro eram claras, a criança teria de partir imediatamente. Ao se despedir da criança com beijo, envolveu no corpo da bebê o único objeto que trazia consigo quando foi expulsa de casa por seu pai, um relicário de prata, que havia ganhado de sua avó, presente assim que nasceu.
Enquanto a bebê fazia uma exaustiva viagem, a jovem lutava para viver, a precariedade do mosteiro e dificuldade do parto, fizeram com que ela perdesse muito sangue, a febre, os seios inchados e empedrados, delatavam que a mulher havia dado à luz a pouco tempo.
O médico do mosteiro foi chamado, e a levaram imediatamente para o hospital, algo assim não poderia ser contido tão longe e sem recursos suficientes para salvar a vida daquela menina. Mariah a acompanhou, e sem possibilidade de escolha, teve que relatar ao médico o ocorrido.
O médico se compadecendo da menina, guardando o seu segredo, com altos índices de aborto no país, uma menina enfrentar a família para ter seu bebê era um ato de resistência, contra dogmas tão arcaicos e ultrapassados. Embora possuísse a consciência que a vida ali não seria fácil, principalmente para as meninas que fossem mães solteiras, sem família e sozinhas.
As pessoas eram cruéis quando se tratava de seus costumes e tradições. Mariah precisou retornar para o mosteiro, enquanto a jovem permaneceu algumas semanas internada. Dias depois, quando finalmente acordou, teve de enfrentar sua triste realidade. Infelizmente, toda equipe médica dedicou-se ao quadro da menina, mas foi impossível, não havia escolha.
Ao ouvir da boca daquele médico, que jamais poderia ser mãe novamente, a jovem morreu em vida, o choro foi inevitável, seria seca e estéril pelo resto da existência. Acreditou ali naquele momento que jamais seria feliz.
Havia sido enganada pelo homem a quem tanto amava, expulsa pelos pais da própria casa, separada abruptamente de seu bebê, embora soubesse o que teria de fazer, nunca, nada e nem ninguém a prepararia para aquele momento, na qual teve que se separar de sua criança.
Alguns dias depois, após enfim se levantar da cama, a jovem observava o movimento da rua do alto dos vitrais do quarto do hospital. O dia estava nublado e uma garoa fina caía na cidade. Era como se o céu e sol estivessem tristes. O sol havia se recusando aparecer para assistir o executar da decisão que aquela jovem acabava de fazer.
Com auxílio de uma cadeira, subiu no parapeito da janela, enquanto via os carros abaixo de si, o vento frio soprava sobre os seus cabelos, depois de muito tempo sentiu a liberdade tocar em sua pele, uma lágrima solitária escorreu por sua face, ali ela estava se despedindo da vida.
Ela não havia feito a escolha mais fácil, ela havia feito a única escolha que acabaria com seu sofrimento. Havia perdido a família, o primeiro amor, e o seu bebê. E o que mais doía é que ela havia perdido o gosto pela vida, pois, intensa dor que sentia, era insuportável o suficiente para matá-la em vida.
Crente que andaria com um corpo sem alma se continuasse a viver. Pois, toda sua vida e vitalidade lhe foram arrancadas. Reconstruir seria impossível, quem a aceitaria como mulher? Quem daria a ela uma vida digna, sabendo que fora de outro? E que agora era seca, jamais poderia gerar novamente.
Ela sentia que Deus a tinha castigado com o abandono, e virado as costas para o seu sofrimento, não se importando com sua inútil vida. Sentia na pele o gosto do desamparo, profundamente triste e sozinha.