Um enfermeiro ajuda a levar o meu pai na cadeira de rodas até a saída
do hospital, enfim eu o auxilio a se levantar e o amparo até o carro.
- Pai, nós temos que passar primeiro na farmácia.
- Me dê a receita, filha.
Olho para ele e nego com a cabeça.
- Pode deixar, pai! Eu compro rapidinho, você fica aqui no carro.
- Não sou um inválido ainda! - Ele esfrega o rosto com suas mãos e
os desliza até os seus cabelos loiros, da mesma tonalidade que os meus.
Senhor Thomas é teimoso...
- Eu sei que não é, mas é recomendação médica! Vai ficar de repouso
você queira ou não, pai.
Inspiro fundo e solto o ar pela boca, preciso ter paciência com o meu
velho, tenho que tomar cuidado para não transmitir estresse para ele.
- Como é teimosa... - suspira.
- Tive a quem puxar.
Paro com o carro e entro apressada na farmácia, terei de usar meu
cartão de crédito para comprar as medicações. Raramente o utilizo, só mesmo
em caso de emergência, da última vez comprei um notebook novo para
estudar já que o antigo havia morrido de vez. Ainda bem que eu salvo todos
os meus trabalhos na nuvem e ainda me envio e-mails com eles em anexo.
Pego a sacola com os remédios e volto ao carro correndo, não quero deixar
meu pai sozinho por muito tempo.
- Prontinho! Agora vamos pra casa.
- Obrigado, filha. - Ele se debruça e me beija na testa. Depois se
acomoda novamente no assento e descansa a cabeça no apoio, fechando os
olhos.
Chegamos na humilde, porém bem cuidada, casa em menos de vinte
minutos, sempre morei aqui com meu pai. Essa casa era dos meus avós,
quando nasci papai voltou a morar com eles. Acabei ficando com o antigo
quarto do meu pai e ele com o maior após a morte dos dois.
Ele desperta do cochilo quando toco em seu braço e o ajudo a entrar
em casa, está muito abatido. Meu coração dói só de vê-lo assim! Ele sempre
foi tão forte, sempre foi meu herói. Separo os remédios e anoto em cada
frasco o horário que ele deve tomá-los. Vou para a cozinha e preparo uma
sopa cremosa de tomate que ele tanto gosta, coloco menos sal e adiciono
cebola para dar um gosto a mais. Fatio um bom pedaço de pão para
acompanhar e levo sua janta até o quarto. Ainda está cedo, mas ele precisa se
alimentar, mais tarde se quiser pode comer mais.
- Pai? - Vou entrando em seu quarto e o encontro sentado na cama
lendo alguma coisa, parece ser uma carta. Ele me olha e repousa o papel em
seu colo.
- Obrigado, querida. Venha aqui, filha.
Entrego-lhe a bandeja com cuidado para não derramar a sopa e sento-
me ao seu lado. Ele dá a primeira colherada e murmura com gosto.
- Candice, obrigada por vir aqui ajudar seu velho, mas você precisa
voltar.
- O que? Por quê? - Encaro o meu pai estupefata.
- Filha... fizemos uma promessa, lembra? Você passaria em uma das
melhores faculdades e focaria nos estudos. Eu ficaria em casa, cuidaria da
minha saúde e ajudaria a pagar seu aluguel.
- Exatamente! E agora a sua saúde não está boa, então minha
obrigação é cuidar do senhor!
Ele suspira e pega o papel que estava dobrado em uma das suas pernas.
- Veja isso. Lembra-se de quando você escreveu essa lista?
Pego a folha de suas mãos e leio o conteúdo, meus olhos se enchem de
lágrimas. É a cartinha que fiz quando tinha treze anos, listando os meus
sonhos e objetivos.
Lista da Candice:
*Tirar o aparelho dentário e dar meu primeiro beijo
*Ser a melhor aluna para deixar papai orgulhoso
*Passar para uma boa faculdade com bolsa integral
*Estudar Direito e ganhar bem para ajudar papai
*Me apaixonar
*Casar com um homem nobre e ser tratada como uma princesa
*Morar numa casa linda e ter filhos
*Vou amá-los e NUNCA vou abandoná-los
*Levar papai junto comigo e cuidar dele como cuida de mim
- Sim...
- Minha filha, eu te amo muito e vivo para te fazer feliz. Mas lendo
essa cartinha eu percebo como você se prende a mim. Candice, eu quero que
você vá atrás dos seus sonhos, mas para isso você precisa deixar o seu
velho... - Abro a boca para falar, mas ele me cala levantando a mão. - Eu
estarei aqui sempre que precisar, mas você tem que aprender a viver a sua
vida sem ficar pensando constantemente se vai me deixar orgulhoso. Eu
tenho e sempre terei orgulho de você, não importa as escolhas que faça!
- Papai... - Eu não sou de chorar muito, mas se tratando do meu pai
sou uma manteiga derretida. Ele é tudo o que eu tenho e a razão por eu
existir! Se não fosse por ele eu nem estaria viva para contar essa história.
- Eu sei querida... mas prometa que de agora em diante você vai
correr atrás dos seus sonhos sem ficar se preocupando comigo. E tenha
certeza de que cuidarei melhor da minha saúde, seguirei à risca as
recomendações médicas. Não se preocupe comigo, ok?
- Mas o senhor está fraquinho... Quem vai te ajudar com a casa?
- Dona Rose vem me ajudar de vez em quando, aliás, foi ela quem
ligou para a emergência. Avise que eu cheguei, filha?
Assinto e beijo o seu rosto. Caminho até o lado de fora e toco a
campainha da vizinha. Dona Rose era muito amiga da minha avó, e desde que
ela se foi tem sido uma grande amiga nossa também. Sua expressão ao abrir a
porta é de alívio ao me ver e me abraça. Caminha apressada até lá em casa
para ver meu pai, ele é como se fosse um sobrinho para ela. Mal entra e já vai
até a cozinha verificar a dispensa, anota algumas coisas num bloquinho que
sempre carrega consigo e me avisa que cuidará dele, e principalmente não o
deixará passar fome.
Prendo um sorriso, ela é uma senhora engraçada com aquele estilo
dramático. Por mais que eu goste dela, fico mais tranquila quando vai
embora.
Aproveito que papai está descansando e ligo meu computador velho no
quarto para pesquisar vagas de emprego. Olho o relógio, constatando ser
ainda cinco e meia da tarde.
- Que saco! Eu não tenho qualificação para as vagas de melhores
salários - reclamo numa voz quase inaudível, com medo do meu pai ouvir.
Envio meu currículo para algumas empresas grandes onde as chances
de contratação e de bom salário são melhores. Fazendo os cálculos terei de
arrumar dois empregos e não faço ideia de como prosseguirei com os estudos
se esse for o caso. Meu pai é autônomo, ele é um faz tudo, logo não receberá
nada estando em casa. Por isso ele quer tanto que eu termine os meus
estudos, pois ele mesmo não teve essa oportunidade...
Como eu vou conseguir esse bendito dinheiro?
Preciso de luz! Um milagre! Por favor, Senhor, me envie um sinal!
Olho para o teto, para as paredes, para a janela desprovida de cortinas
e nada... Sinal nenhum!
Suspiro derrotada e me levanto em busca de um copo d'água, volto me
arrastando desanimada e chego à tempo de ver meu celular acendendo e
vibrando na escrivaninha com a chegada de um mensagem.
Kate: Amiga, como está o seu pai? Ele já teve alta?
Respondo sua mensagem dizendo que sim e agradeço pelo carinho.
Volto minha atenção ao computador, mas alguma coisa está me
incomodando, como se eu estivesse me esquecendo de alguma coisa. Tento
buscar no fundo da memória enquanto essa sensação estranha toma conta de
mim. Meu aparelho vibra novamente e eu leio a nova mensagem.
Kate: Se precisar de algo é só falar. Beijo, amiga!
Meu coração dá um salto e sinto um frio na barriga. É isso! Kate é a
resposta! Lembro-me da conversa que tivemos na festa, ela contando da sua
prima modelo de webcam e o quanto ganhava muito dinheiro com isso.
Com um misto de curiosidade e medo, digito o endereço do site no
navegador e espero a página abrir.
Corro até a porta e tranco com chave, já pensou se meu pai resolve se
levantar e entrar aqui justo quando estou olhando pornografia?
Logo na primeira página aparecem várias chamadas das transmissões
que estão acontecendo agora, clico em uma onde a mulher ainda está vestida
e observo boquiaberta. Seu chat está relativamente cheio, muitos homens
conversam com ela, desligo a caixa de som e uso fone de ouvidos com medo
de ela começar a falar ou gemer alto. Seus movimentos são sensuais e vez ou
outra joga os cabelos castanhos pra um lado, chega a ser irritante. Ainda
assim, ela é muito bonita. Um barulho estranho soa, como se fossem moedas
caindo, e leio no chat que alguém enviou 100 desejos. Deve ser gorjeta como
a Kate havia explicado! Fico intrigada com tudo e por mais que seja algo que
eu nunca me imaginaria fazendo... percebo que poderia ser minha solução.
Minha luz no fim do túnel. Meu sinal!
Escuto a porta do quarto do meu pai se abrindo e fecho a página as
pressas, meu coração bate descontrolado contra o tórax devido a adrenalina.
- Candice?
- Já vou, pai!
Levanto-me e vou de encontro a ele, está sentado de frente a bancada
da cozinha comendo outra porção da sopa de tomate.
- Você está bem? Precisa de algo?
- Precisei tomar um dos remédios e aproveitei para jantar de novo...
Estou achando que vou repetir mais uma vez antes de dormir.
Começo a rir da sua expressão, ele lambe os lábios enquanto levanta as
sobrancelhas em aprovação.
- Quer que eu faça outra coisa então?
- Não. Preciso falar com você.
Ele ficou sério de repente. Sento-me ao seu lado e espero paciente.
- Você vai voltar agora, antes que fique tarde.
- Pai! Eu posso voltar amanhã cedinho...
- Não, Candice. Você volta hoje, não quero que perca nenhuma aula.
Eu estou bem e se eu precisar de algo a Dona Rose me ajuda.
- Mas...
Fecho a boca quando percebo aquela expressão autoritária, ele não está
para brincadeira. Meu pai nunca levantou um dedo sequer contra mim, não
era preciso. Quando ele falava e me olhava daquele jeito sóbrio eu morria de
medo, sabia que me botaria de castigo. Hoje já sou adulta, mas o respeito da
mesma forma, me arrependeria depois se não o fizesse.
- Ok. Eu já vou. - Desvio o olhar, triste por ele não me querer aqui.
- Venha aqui, filha. - Ele abre os braços e eu me aninho em seu
abraço.
***
Papai me havia pedido para eu avisar quando chegasse no Campus e é
o que eu faço. Ligo para ele ao entrar em casa e nos falamos brevemente, lhe
desejo boa noite e o lembro de conferir os horários dos medicamentos.
Nathy não está em casa então eu vou para o banho, lavo meus cabelos
e tento desembaraçá-los antes de prendê-los numa trança. Com um frio na
barriga eu pego o meu notebook, tranco-me no quarto e entro novamente no
site Desejo.com. Preciso estudá-lo, saber como tudo funciona e como posso
me tornar uma modelo.
No topo da página eu leio: Criar sua conta.
Clico nela rezando para eu não estar fazendo a maior burrada da minha
vida.