Capítulo 2 A Mordida

A terça-feira tem cara e gosto de segunda. Parece ruim, mas é bom e por isso mesmo é completamente ruim. E como de monotonia já basta a vida de Apolo vamos pular para a coisa diferente:

Hoje não tem hora extra (é o dia do Mário torrar a beleza). E sem outros compromissos procura uma fuga este mundo de merda no velódromo Campo Belo: uma pista oval de 500 metros decorada com jatobás e um laguinho artificial com pedalinhos para a alegria dos turistas, com certeza, um bom lugar para relaxar e entrar em sintonia com a natureza.

Apolo nem faz força para mover os pedais da bicicleta, apenas equilibrar-se e mantêm a velocidade. Cabeça absolta em horizontes longínquos e por isso não percebe o morcego surgindo do negrume do céu, adentra a pista e passando de raspão na sua canela. Assustado, vira o corpo para trás e contempla o mamífero alado encolhendo na distância. Nem ver um adolescente de calças rasgadas, camisa imunda e rosto pintado igual a um mímico surgindo em meio ao mato e estende o braço em sua direção e o derrubando da bicicleta.

O rosto da morte pensa Apolo estatelado no chão fitando a cara do adolescente, seria até bonito se não fosse aquela maquiagem branca, o sorriso extremamente exagerado e os olhos arregalados denunciando uma instabilidade interna tão grande que até parece que vai explodir - ou será que já explodiu? - a visão da loucura rouba toda sua atenção e nem repara o morcego retornando e dando voltas ao redor deles. Em movimentos lentos, o rosto congelado naquele sorriso, o adolescente leva a mão para trás e tira um revólver da calça e aponta contra a cara de Apolo. O orifício negro do cano parecem tomar proporções cada vez maiores como uma lente dando zoom no objeto traumático ou será a luz sendo sugada para o coração de

um buraco negro? Do que importa? Eu vou morrer!

Algo de congelante, de desesperador domina o corpo de Apolo que sente o enrijecer dos músculos, os pensamentos arrancam pedaços de sua carne com desfechos possíveis para aquele cenário. Seria capaz de

dar qualquer coisa para se libertar daquilo: dinheiro, camisa, sapato de couro ou até mesmo sua dignidade. Sente-se perdido, sem controle, propriedade daquele psicopata que saboreia cada gemido, cada lágrima,

cada músculo contraído, cada pensamento transbordando pelos olhos gritantes. O adolescente puxa Apolo pelo colarinho e encosta o rosto na cara dele, deixando os lábios roçarem na orelha do Sr. Bobão que treme enquanto o adolescente, quase o lambendo, sussurra:

- Isso é bom não é?

- O... o... o... o... quê? - cuspe solta Apolo por sua garganta petrificada pela adrenalina correndo feito veneno nas veias.

Os olhos grandes do adolescente sequem fixamente os movimentos do morcego voando em círculos entorno deles.

- A beleza do caos... - responde assim como num diálogo íntimo com sigo próprio, abre a boca e afunda os dentes na carne do pescoço de Apolo que grita enlouquecido, empurra o adolescente que o solta,

sorrir com aquele ar caricato, hiper exagerado, lambe os lábios, aponta para a própria cabeça e atira! BOOM!!!

            
            

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