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A cabeça vai de um lado para o outro, os fios, pipes mecânicos, tudo branco ou azul, fios e agulhas limitam seus movimentos, tenta gritar mais a garganta arde tanto que os gritos morrem suprimidos pela dor, mão no pescoço e sente a gaze. A vista meio embaçada torna ao normal e observa congelado o lento precipitar de uma sombra crescente, vai tomando conta do ambiente, as mãos esticando, agarra a cortina e a puxa.
Apolo tenta gritar outra vez mais a dor na garganta o faz se contorcer todo feito um sapo esfolado jogado numa panela cheia de óleo fervente.
- Hei, pra que isso tudo? Está tudo bem! Você está seguro - diz uma voz soando absurdamente exótica: possui um tom de deboche escrachado e um ar absorvente de confiança como se seu dono fosse indestrutível.
A vista de Apolo volta ao normal permitindo-o contemplar alguém... peculiar... homem, branco, traços do rosto semelhantes a Mário, sobrancelhas arqueadas, cabelo vermelho incêndio, barba a fazer, sobrancelhas arqueadas e o sorriso, que sorriso? Dependendo do ponto de vista parece simpático, acolhedor, porém conforme se move entorno da cama o sorriso ganha uma atmosfera hostil, assustadora. - Quem é você?
- Dionísio, mas meus amigos me chamam de dr. Diversão, - pega a prancheta dependurada nos pés da cama de Apolo - Meu caro Apolo. Adorei o nome. Ah, veja aqui está escrito que a sua cirurgia de mudança de sexo foi um sucesso. Meus parabéns!
- O QUÊ?!!! - diz agarrando no próprio saco.
Dionísio joga a cabeça para trás rindo copiosamente.
- Desculpa! Desculpa, desculpa eu não resistir foi só uma piada. Você está bem, já remendaram seu pescoço.
Apolo permite-se um riso tardio enquanto examina melhor o estranho comediante de camisola hospitalar azul e um curativo no antebraço.
- E você? Quando a sua cirurgia de mudança de sexo saiu?
Abruptamente o rosto sorridente de Dionísio fecha numa cara séria e carrancuda. Apolo se desestrutura de tal maneira que pular sem sair do lugar. E quando estava prestes a pedir desculpas Dionísio racha na gargalhada dizendo:
- Cara, você é demais! Soube que você seria maneiro deis da primeira vez que eu te vi. Devia ter visto a sua cara, você estava quase se borrando. Ótima pergunta a sua. Bem, minha mudança de sexo se chama violência urbana: eu estava cuidando da minha vida quando um filho da puto do caralho... - Apolo se remexe no canto - ...não precisa fica assim sem jeito. Nós somos as porras das vítimas, isso nos dar o direito de xingar até o cu fazer pico. Continuando, onde eu estava mesmo?
- Um filho da puta do caralho...
- Isso! Isso! É que às vezes eu me perco, é tanta putaria acontecendo que a gente se perde. Pois bem, eu estava cuidando da minha vida quando um marginal filha da puta me surpreendeu, me meteu o cacete -
mostra os hematomas no rosto e os cortes nos braços e antebraços - me deixou inconsciente no chão. Acordei com um filho da puta de um médico cochichando: "Traumatismo craniano" o que uma pessoa no
meu estado pensa? Agora fudeu legal!
Apolo não resiste ao jeito carnavalesco de narrar os fatos de Dionísio e acaba rachando no riso sobre o peculiar olhar zeloso de Dionísio. Um som vindo de longe chama atenção dos dois.
- Acho que deve ser a enfermeira. Vou para o meu canto. Não quero arriscar que essa vaca - faz aspas com os dedos - "confunda" meus remédios.
- Por que ela faria isso?
- Sei lá... pessoas são loucas... nunca confie nos outros as coisas que você não confiaria a você mesmo...
- Já vi o porque te chama de dr. Diversão.
- Pra ser sincero - começa ele com os olhos fixos na direção do som cada vez mais próximo - dr. Diversão é um título que eu me auto intitulei, sabe, existe um culto a covardia na nossa sociedade plantado antes mesmo de nascermos. E eu decidir que lutaria contra essas religiões que querem nos incutir, eu sou a rompedura, por isso a vida é mais divertida para mim, não sou mais do mesmo. - som de passos no corredor - Até mais Apolo, gostei muito de te conhecer.
Dás as costas e sai e dois minutos depois surge a enfermeira na porta, muito atenciosa, explica tudo o que aconteceu.