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Ontem foi um dia horrível, todo mundo em cima de Apolo querendo beber o sangue de sua tragédia e hoje... todos com as caras enviadas nos monitores, vampiros procurando outra vítima para sugar. O que nos
resta? A mordida aconteceu terça agora e mesmo assim a sensação térmica é que foi a um milhão de anos, ou pior, que tudo não passou de um sonho, uma fantasia criada para escapar dessa loucura que os loucos chamam de vida real. A única coisa que testemunha ao contrário é a mordida latejando fazendo parecer que o crime é recente ou será que nós levamos uma mordida nova a cada dia e nem nos damos conta?
Apolo discretamente observar as pessoas saboreando em si o seu secreto sofrer, será que ele é o único ou todos ali estão sofrendo em segredo? O latejar cada vez mais forte o obriga a fechar os olhos e pensar em qualquer coisa que o liberte da lembrança daquele dia, inútil, é inevitavelmente sugado de volta para aquela terça, para aquele velódromo, aquela mordida no pescoço, seus dedos estão tremendo, para de digitar. Volta a bisbilhotar a vida alheia:
Mulheres cercam Mário, aquele sorriso cativante. Por Deus! Como eu o odeio! Como pode existir alguém assim tão bonito, aposto que tudo deve ser perfeito para ele, qualquer dia ele devia apanhar na rua para saber o que é dor de verdade.
Veja que engraçado: Mário percebendo o olhar do amigo acena para ele, aquele sorriso encantador. Apolo rapidamente sorrir - até parece que ele pode ouvir seus pensamentos idiotas! - e acena de volta, Mário não entende o porque o amigo parece tão... encabulado... o que seria da humanidade se todos pudéssemos olhar o que se oculta no silêncio do homem comum?
O silêncio incomoda, o silêncio dói, o silêncio é uma tortura inventada pela natureza porque ela não tinha nada melhor para fazer e na tentativa de fugir deste mecanismo natural de tortura Apolo afunda a cara no trabalho - essa ideia não é iniciativa dele, deis de criança está acostumado a vê gente enviando a cara no
trabalho para esquecer, deve ter assimilado que é desta maneira que se resolve problemas e por acreditar nisto e exatamente desta maneira que age: afunda a cara em hora extra - PORRA! HOJE É SÁBADO!!! -
olhos obcecados pela tela do computador, recusa as palavras amigas de Mário, na tentativa de fugir dos furações do seu peito acabar se tornando mais ranzinza, e cara, isso dói!
II
Hoje retorna sozinho para casa, pedalando absolto em pensamentos na medida que sua alma clama silenciosamente por socorro e a mordida arde como uma queimadura ao ponto de o fazer para, se jogar de joelhos no chão enquanto o pescoço grita por socorro...
"Eu ouvir um amém irmãos?"
"Amém!"
Olha para frente e percebe estar diante de uma igreja, será isso algum sinal? Sem mais nenhuma perspectiva de libertação, apenas levanta e entra na igreja... "Eu ouvir um amém irmãos?"
III
Onde está Deus? Não sei, mas nesta igreja parece que não: após testemunhos que não provam nada o pastor não para de pedir ofertas, ler passagens bíblicas e as transformar em fábricas de dinheiro. Faça uma oferta aqui, faça outra oferta aqui, agora quem tiver cem reais, porque esse dinheiro, na verdade, representa sua família...
- A vida é perigosa... - diz o pastor fazendo Apolo tremer até a alma - ...é bandidagem, é crime, veja a TV. Quem vai nos proteger se a polícia não dar conta, a gente sai de casa e nem sabe se vamos voltar. - Apolo se contorce no banco se revirando numa silencioso agonia desesperado por salvação, que alguém o salve destas palavras, pois sente que o jovem com o rosto branco vai aparecer a qualquer momento - Só Deus pode nos ajudar nesse momento, só Deus para nos guardar os caminhos. E pra proteger você e sua família,
estamos fazendo um propósito de...
- HAAAAA!!! - grita Apolo e todos olham para ele. Uma igreja em silêncio o encarando, vergonha maior não há. E quando parecia o fim, um milagre acontece:
- Ei, parem o mundo que eu quero descer! - grita alguém se dirigindo para o púlpito, um homem bonito que chama a atenção, principalmente por já o termos visto antes... - Cadê o pastorzão? Aquele gordinho das terças, onde ele está?
- Por que está procurando por ele? - pergunta alguém.
- Hora, não é óbvio? Vou dar meu testemunho: esta foi a grande semana da minha vida, o pastor disse que minha vida ia se transformar e agora que aconteceu a transformação, preciso vê-lo e fazer a maior
oferta da história desta igreja - ajeita a jaqueta ao terminar de falar, tira os óculos escuros, pendura no bolso e solta aquele sorriso, aquele sorriso que Apolo nunca esquecerá em toda a sua vida - Por favorzinho!
- Meu filho! Que alegria tê-lo entre nós. - diz o pastor à frente do culto - Sou eu o homem que você procura.
- Também é uma alegria enorme estar aqui para mim.
- Então qual é o seu grande testemunho?
- Você não vai acreditar! Nessa semana eu fui assaltado, glória a Deus! E o desgraçado ainda me mordeu - puxa a manga e mostra a marca da mordida perto do cotovelo.
- Eu não estou entendendo que brincadeira é essa? - indaga o pastor confuso - Não se deve brincar com as coisas de Deus.
- O senhor tem razão, certas coisas não devem ser profanadas. Ah! Quase me esqueci. Olha a sua oferta aqui! - desfere um vigoroso soco contra o rosto do pastor que o manda para o chão com o nariz sangrando. Todos ficam por um momento sem reação enquanto Dionísio chuta a pança santa - Agora... - outro chute - ... seja... - outro chute - ... um... - outro chute -... bom... - outro chute e os fiéis despertam do choque e correm para apartá-los - cristão... - Apolo o segura por trás e arranca dali - ... e me perdoa... o que é isso? Eu ainda não terminei com aquele embusteiro! ME SOLTA!!!
- Já acabou sim! - diz alguém enquanto Dionísio é arrancado do altar e carinhosamente acolhido pelo amor cristão.
IV
- Do que você está rindo? - pergunta Apolo olhando para Dionísio com a cara no asfalto, estendido no chão, braços e pernas esticados em forma de "X".
- Bem, eu já fui expulso de boates; festas de aniversário; festas de debutantes; estreias de filmes; da minha própria casa e até de um puteiro... mas de uma igreja... cara, eu tenho que largar dessa vida. - e gargalha - Mas eu não me arrependo de nada, DE NADA! Eu não mentir...
- Eles podiam ter matado você.
- Que nada, cristianismo não mata, além do mais, Deus não ia deixar. - e começa a rir.
- Acho que você sabe mesmo se divertir, não é mesmo?
- Vem cá, eu te conheço?