Capítulo 6 De Volta Ao Trambo

Alarme soou às seis da manhã - espera aí, isso foi um déjà-vu? - levanta, espreguiça-se e vai ao banheiro, urina, não balança o "amigo" ou fecha a tampa do vaso quanto dá descarga, olhos fixos no rodamoinho formando na boca do sanitário.

Faz careta para o espelho, ri de tonto, penteia o cabelo igual ao joga... pensa melhor, tenta algo novo e penteia do jeito moderninho do ator Dionísio recém-descoberto, veste uma camisa social branca, gravata vermelha, calça social e sapato de couro marrom, deseja para si mesmo: "Boa sorte Apolo!" e vai à luta: monta na bicicleta e cruza a ciclofaixa sem reparar no seu redor, trinta minutos depois chega ao trabalho.

II

O que tem de diferente nisso? Ah, sim! A mordida: a gola alta não esconde o curativo e mesmo que escondesse não calaria a língua enorme de Mário. Um silêncio constrangedor, os colegas o olhando,

impossível não se sentir uma personagem do filme Freaks,1932. Apolo fingindo indiferença, atravessa o mar vermelho aberto só para ele. Estou sem roupas? Indaga a si mesmo. Não? Então por que estou tentando tapar o meu pau?! Tira as mãos da frente dos documentos e sente à sua mesa, embora nesse momento esteja tão sem jeito que pareça sofrer de hemorroida.

Não quero responder perguntas, mas eles não param de fazê-las, não

queria estar aqui, mas pelo visto desta vida eu não saio.

Apolo esteve o tempo todo se esquivando de perguntas e mesmo assim... "Às vezes eu acho que todo dia é segunda-feira" rabisca no bloco de nota, a mordida começa a latejar, latejar mesmo, parecer que ele foi

remordido, sente vontade de passar a mão sobre o curativo, mas tem medo de um imbecil aparece e pergunta: "Tá doendo?"

Juro que se eu escutar isso outra vez vou surtar! Ah! Que se dane! Ele pressiona a ferida, não alivia a dor, mas dá conforto psicológico.

- Você está bem?

Apolo pega a raiva acumulada dentro de si e vira prestas a usá-la feito uma metralhadora e de repente... mucha. É Mário vindo até ele feito um cachorro com as orelhas baixas e olhos grandes. Puxa uma cadeira e senta ao lado do amigo.

- Ah, é você...

- Quem você esperava, o Chico do picadinho?

Eles forçam um riso para ver se o clima muda. Mudou? O que você acha?

- Desculpa cara, esse dia está sendo osso...

- Quer vê uma coisa legal?

- Sempre.

- Mas tem que guardar segredo.

- Minha boca é um túmulo.

- E eu achando que era porque você não escovava os dentes.

- Seu cuzão!

Apolo emburra Mário e os dois riem.

- Olha só isso - diz Mário tirando algo do bolso.

- O que é isso ai?

- É uma bala de prata.

- Não acredito! - diz Apolo pegando o exótico objeto - Onde você conseguiu isso?

- Estava andando de bicicleta quando encontrei uma loja de suvenires e no meio das tranqueiras encontrei essa joia.

- Que dá hora.

- Agora só falta um lobisomem para usar.

O rosto de Mário destaca um particular olha para Apolo, o que se esconde nesse olhar? Existe uma espécie de admiração muda e sincera. É incrível como nos sentimos grandes quando alguém nos olha assim, dá vontade de cultivar essa pessoa sempre por perto - há quem chame isso de amor, porém pra mim é apenas um exercício de egoísmo, uma maneira de alimentar o ego e não ser julgado.

III

Pedalando de volta para casa, absolto nos bons momentos de repente percebe o céu mais escuro, imagem infame, o lembrar da mordida que retorna a latejar e de repente algo oculto desperta: o coração acelera e

sente o desespero, sente que a segurança está ausente, olha em volta e a cidade próspera e viva em sua volta transforma-se num obscura labirintos de corredores de uma mansão mal-assombrada. É dominado pela convicção cega baseada em paranoias de si mesmo que está sendo seguido, que há alguém nas sombras, no beco, esperando para reabrir a ferida. Tremido e gélido, os olhos ganham vida e correm frenéticos de um lado para o outro feito um pêndulo procurando a enigmática sombra que ele está nutrindo.

Pelada ligeiro e olhando sistematicamente para trás.

IV

Sozinho em casa, portas e janelas fechadas, uma noite quente de um verão fora de época, o ventilador de coluna, seis hélices funciona a toda velocidade enquanto do outro canto assistindo a tudo sem se mexer

Apolo, olhos fixos na porta como se tivesse a certeza de que logo, logo algo ou alguém entrará por ela. Sente-se um covarde e ri de sua própria estupidez. Sente-se ridiculamente frustrado. Eu achei que tinha superado essa porra e olha para mim agora? Amuado no canto feito um rato encurralado por um gato.

O que fazer agora? Apolo preenche o espaço vazio repesquisando sobre Dionísio, assistindo seus filmes no serviço de streaming e, milagrosamente, enquanto faz isso, seja lá o que estava o assustando parece não mais existir. Porém, basta acabar a leitura ou subir os créditos que sua misteriosa agonia retorna com força total pronta para ferrar sua cabeça. Ele não tem escolha além de repetir e repetir o círculo até não aguentar mais e tomar uma dose de alprazolam para dormir com os anjos - tomara que não entre eles.

            
            

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