Capítulo 4 Dia De Folga

A vantagem de quase ser morto é que eles te dão dois dias de folga, a desvantagem de quase ser morto é que eles te dão só dois dias de folga e o pior: folga com a cabeça fudida! O que há de aproveitar?

Apolo passou o dia todo ignorando ligações deitado na cama virando de um lado para o outro com a cabeça que não para de rebobinar as imagens das coisas que aconteceu naquela terça maldita. A mordida; o jovem

estourando os miolos em sua frente; a sua fuga desesperada por socorro até desmaiar por conta do sangramento e o dr. Diversão... aquele sorriso... aquele sorriso... o jovem maquiado de mímico também sorria e de tanto sorriso não conseguia tirar aquela coisa da cabeça. Por isso Apolo fez o que sempre faz quando está fudido, se fode mais: abre o notebook para pesquisar mais e mais sobre o adolescente mímico, a princípio não encontra nada, pois o sorriso estava tão marcado na sua mente que ele escreveu palhaço assassino Santo Silêncio, porém uma coisa puxa a outro e logo vem a matéria:

"Jovem Disfarçado De Mímico Invade Escola"

Eu não devia clicar aqui, mas... eita porra! Já cliquei... e agora é um caminho sem volta...

II

- E o pescoço? - pergunta Mário quem vem o visitar após o expediente, pela cara dele não era de bons amigos, afinal foi ignorado o dia todo...

- Está bem melhor não esquenta a cabeça com isso...

- Então, porque você me ignorou o dia todo? Eu estava preocupado...   

Sem reação e de boca aberta Apolo apenas olha para baixo e diz baixinho:

- Desculpa!

Fungando entre a raiva e o alívio Mário fez algo ainda mais inédito do que sorrir: agarra Apolo num abraço apertado, cabeça bem ao lado do curativo do amigo.

- Que bom que você está bem!

- Qual é? Você me conhece, não é fácil acabar assim comigo... - é tão estranho, pode até ouvir Dionísio rindo dele no oculto de seus pensamentos. - Entra, vamos beber alguma coisa...

- Você pode bebe?

- Claro, pô! O coquetel que eu tô tomando é só para evitar tétano, raiva e AIDS, nada demais - diz ele e ri e outra coisa improvável acontece: Mário também ri. E nesta atmosfera estranhamente descontraída os dois entram.

III

As duas bundas se acomodam no sofá macio de frente a TV de 51 polegadas com um Home Theater.

- O que você andou fazendo o dia todo?

- Bem, - olha para o notebook aberto na mesa da cozinha - assistindo vídeos no youtube.

- O que você quer fazer agora?

- Quer ver um filme?

As luzes apagadas, potes de pipoca no colo de cada um e uma garrafa de coca-cola de 3L no chão. Aperta play e:

Um filme estranho, após uma monótona sessão de créditos iniciais surge um ator ruivo com o cabelo enteado para trás no melhor estilo "a vaca lambeu" de sorriso emblemático: hora escárnio sádico,

hora compaixão sincera, o ator perfeito para o papel perfeito. Ele está fumando sentado na cela da prisão quando sem medo quebra a quarta parede:

- Eu já fui um idiota como vocês. - dá uma tragada profunda - Eu era um boneco sem alma vivendo a ilusão da felicidade. - aponta para você - Ergui um lindo castelo da mais pura seda e linho e assim como você, idiota, acreditei ser tudo aquilo felicidade ai um dia eu botei fogo em tudo.

A câmera abre e a prisão revela ser uma cela simples de delegacia e então tudo pega fogo num maravilhoso efeito em slow motion: presos em agonia são "cozinhados" vivos enquanto os policiais saem correndo fazendo a maior zona, jogando papéis para o lado, empurrando móveis enquanto o ator ruivo levanta tranquilamente em meio ao caos, manca sem medo por entre o inferno ajeitando a gravata.

- Eu não sabia que estava morto, eu não sabia que estava triste, nem desconfiava que este réquiem maldito estava sendo celebrado em minha homenagem. Existe algo pior que morrer: viver em morte; existe algo

pior que viver em morte: viver em morte todos os dias sem nem ao menos perceber. Somente no dia que eu morri foi quando eu descobri a vida.

O ator recebe um violento soco na cara e um corte brusco acontece, acorda acorrentado num quarto escuro, algum de preto a sua frente o soca de novo, puxa de supetão o pano vermelho sobre a mesa revelando

uma grande gama de facas, alicates, tesouras e bisturis...

- Liberte-se!

E de repente um estalo:

- Ei, eu conheci esse ator, eu o vi no hospital...

- Nem fudendo!

- É sério - e Apolo se atenta ainda mais para o filme e assim fica até...

- Acho que está ficando tarde, tenho que ir...    - comenta Mário após o fim do filme - ...mas se você quiser eu passo a noite aqui, sabe, você está bem pra ficar sozinho?

IV

São duas e poucos quando Apolo acorda assustado com o som de uma batida, levanta da cama com cuidado para não acordar Mário que dorme no sofá e vai à janela onde vê um morcego voando em círculos, sente

vontade de gritar por Mário, mas porquê? Se controla e encara a noite vazia e é quando o morcego pose em sua janela. Sem saber exatamente o porque ou o como ele simplesmente sorrir...

            
            

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